terça-feira, 10 de outubro de 2023

O PAÍS DO FUTURO QUE NUNCA CHEGA


Celebrou-se na quinta-feira passada o 35º aniversário da Constituição que Ulysses Guimarães batizou de "cidadã", mas reconheceu não ser perfeita, "como ela própria confessa ao admitir reformas". O livrinho é um pote de mel repleto de direitos, mas tem a aparência de um guarda-chuva sob o qual o cidadão encontra proteção. Não pelo texto em si, mas pela ausência de autoridades com disposição para converter palavras em inclusão social e aprimoramento institucional, o que torna nossa democracia uma espécie de ferrão de abelha.
 
Em pé de guerra, mas simulando harmonia, os caciques da República se reuniram em peso para celebrar a efeméride. "Não vejo nenhuma crise", disse o presidente do Senado. "Há plena harmonia e independência entre as instituições", ajuntou o presidente do Judiciário. Coube ao presidente da Câmara sinalizar que a concórdia é cenográfica: "Um Poder não pode ser a bigorna e outro o martelo." Difícil saber quem faz o papel de bigorna, mas sabe-se que o martelo maltrata a cabeça dos brasileiros. 
 
Ao cidadão — que não aguenta mais a euforia cívica que costuma inundar a alma das autoridades a cada aniversário da Constituição —, restam duas escassas alternativas: ou se é otimista, ou se é inteligente o suficiente para detectar a empulhação. No momento, o grande avanço é a percepção de que a esperança é a última que mata.
 
Em 1985, no alvorecer da redemocratização, não havia no Brasil telefone celular, TV a cabo, antena parabólica e cerveja em lata. Hoje, em plena "Idade Mídia", o progresso é um bem mal compartilhado e as redes sociais, plataformas de promoção do ódio, com o veneno infectando os valores democráticos. 
 
A perspectiva de prosperidade é anterior à Constituição. Stefan Zweig, autor austríaco mundialmente conhecido, anotou no livro "Brasil, País do Futuro", publicado em 1941, que o Brasil "quase não deveria ser qualificada de um país, mas antes de um continente, um mundo com espaço para 300, 400 milhões de habitantes, e uma riqueza imensa sob este solo opulento e intacto, da qual apenas a milésima parte foi aproveitada." Mas o proveito das riquezas é para poucos. 
 
O Brasil pós-Zweig ainda é um país desigual. O escritor já não está entre nós. Suicidou-se. Com os olhos voltados para o futuro, não suportou o presente de oito décadas atrás. Vivo, talvez constatasse que o Brasil se tornou o país do futuro que tem um imenso passado pela frente.