quarta-feira, 25 de outubro de 2023

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS


No último domingo (22), o peronista Sergio Massa foi a grande surpresa da noite frente ao libertário Javier Milei. Apesar disso, nenhum dos dois conseguiu a vitória no primeiro turno. (Para ser eleito, o candidato precisa de 45% dos votos a seu favor ou 40% e uma diferença de 10 pontos percentuais em relação aos opositores; no segundo turno, vence quem obtiver uma maioria simples dos votos , de maneira que a decisão ficou para o dia 19 do mês que vem).

 

Até não muito tempo atrás, Buenos Aires — cujas ruas eram decoradas com estátuas importadas da França — era chamada de "a Paris da América do Sul", e própria Argentina era considerada um "pedaço da Europa". Agora, o país amarga índices históricos de alta inflação, acima de 138% a.a., e níveis de pobreza que já atingem quase metade da população.

 

A participação dos argentinos neste domingo chegou a 74%, enquanto nas prévias de agosto 69% da população apta a votar exerceu o dever eleitoral. Foi o maior índice de abstenção desde o retorno da democracia no país, passando a votação de 2007, quando Cristina Kirchner foi eleita pela primeira vez (à época, apenas 76,2% dos votantes compareceram às urnas.


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Por mais desgastante (e desgostante) que seja comentar determinados assuntos, fingir que fatos lamentáveis não estão ocorrendo no Brasil e no mundo é fazer como o avestruz, que, quando assustado, enterra a cabeça na areia (vale destacar que isso é apenas um mito). Então, tapemos o nariz e sigamos adiante. 

O STF continua sob ataque externo — não mais do Planalto, mas de um Congresso que camufla seu arcaísmo sob o falso rótulo de conservador. Na quinta-feira, 19, o Senado debateu uma PEC que impõe limites os despachos monocráticos e pedidos de vista que bloqueiam os julgamentos no plenário. Rodrigo Pacheco disse que "o Judiciário precisa aprimorar as suas atividades, mas a questão a emenda piora um sistema decisório recauchutado pelo próprio STF antes da aposentadoria de Rosa Weber.
 
O debate ocorreu nas pegadas de uma reunião de Pacheco com parlamentares de partidos de oposição — à frente o PL de Bolsonaro — e de estrelas da bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala). No encontro, a banda arcaica do Congresso comprometeu-se a desobstruir as votações em troca do destravamento de projetos que restringem decisões da corte.
 
Os ministros esgrimem o papel central que exerceram na pandemia, na contenção ao armamentismo e na proteção ao processo eleitoral e ao regime democrático, mas exibem vícios que os deixam expostos a ataques especulativos. A palavra final nem sempre é do colegiado, e, em decisões individuais, os ministros desfazem jurisprudências consolidadas. 
 
Os togados frequentam palácios, almoçam e jantam com autoridades, negociam nomeações políticas, submetem-se ao lobby empresarial em congressos e festividades, enfim, entregam-se a um comportamento que não orna com o devido processo legal, achando que a Têmis vendada que guarda a entrada da corte não vê a conflagração que se arma do outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas suas excelências não deveriam fechar os olhos e ouvidos para as emboscadas que se armam na Casa vizinha.
 
A Constituição Cidadã impõe ao STF a tarefa de trocar em miúdos a profusão de direitos que o Congresso se absteve de regulamentar. As reivindicações surgem numa profusão de ações que intimam o Judiciário a agir. Ao Congresso, caberia reformar-se antes de exigir reformas em territórios alheios. 
 
A investida do Legislativo é movida a propósitos subalternos. Por trás do movimento estão o interesse de Davi Alcolumbre, que deseja retornar à presidência do Senado, e do próprio Pacheco, que flerta com o eleitorado conservador de Minas de olho na disputa pelo governo do Estado.
 
Submetido a um contexto encrespado, a corte terá mais autoridade para exigir respeito no instante em que começar a se dar ao respeito. Convém restaurar seus hábitos e a própria supremacia.
 
Com Josias de Souza