Na maioria das leis aprovadas pelo Congresso, os parlamentares se esquecem de tirar a etiqueta do preço. Mas na lei orçamentária de 2024 não seria possível esconder o código de barras, mesmo que suas excelências quisessem.
Na última segunda-feira — prazo limite para sancionar o Orçamento — Lula escapou da sinuca de bico de vetar ou não vetar verbas do Centrão usando a velha técnica do morde e assopra. Mordeu ao passar na faca R$ 5,5 bilhões (do total de R$ 16,6 bi das emendas que forram a caixa registradora das comissões temáticas do Congresso), e assoprou ao avalizar o compromisso assumido pela ministra do Planejamento de repor oportunamente a verba cortada. O relator do Orçamento já avisou que, se a forma de reposição do dinheiro não for esclarecida até a próxima sessão, os parlamentares derrubarão o veto.
Lula ruge como um leão de circo desdentado e moribundo, que já não assusta o "respeitável público", mas o Centrão o trata como um gatinho com o ego hipertrofiado, e o Congresso faz da derrubada de vetos presidenciais seu esporte preferido.
Deputados e senadores se autoatribuíram emendas orçamentárias de notáveis R$ 53 bilhões — a maior parte de pagamento obrigatório. Mesmo com o hipotético corte de R$ 5,6 bi, ainda despejariam em seus currais eleitorais inéditos R$ 47,5 bi, além de contarem com vergonhosos R$ 5 bi para cobrir os gastos de campanha.
Lula executa na beira do cofre a coreografia da enganação. Com uma das mãos, manuseia a faca; com a outra mão, acena com a hipótese de devolução da verba momentaneamente suprimida. A contradança, que em condições normais seria apenas constrangedora, torna-se deprimente quando se recorda que (segundo o TCU) as receitas previstas no Orçamento estão superestimadas em R$ 55,3 bilhões.
A desoneração da folha de pagamentos foi instituída em 2011 e vem sendo prorrogada desde então.
A medida afeta empresas que geram 8,9 milhões de empregos diretos, e o impacto para o governo federal chega a R$ 18 bi. Rodrigo Pacheco diz tratar-se de uma questão já debatido no Congresso e não descarta a possibilidade de devolução parcial da MP.
Com medo de nova derrota, Lula decidiu tomar para si as rédeas das negociações sobre a MP da reoneração de 17 setores da economia — imbróglio que Fernando Haddad não foi capaz de solucionar. Mas não há garantias de que se saia melhor que seu ministro — ainda que, diferentemente dele, que insiste na reoneração gradual da folha, busque a construção de uma alternativa com o Congresso.
Aconteça o que acontecer, quem paga a conta é sempre o contribuinte.
Com Josias de Souza