segunda-feira, 29 de abril de 2024

NADA DE NOVO NO FRONT


Lula
foi promovido de ex-presidente a presidiário, convertido em ex-corrupto e catapultado de volta ao Planalto graças a: 1) uma tragédia chamada Jair Bolsonaro; 2) uma falaciosa "frente democrática"; 3) as promessas de "governar para todos" e pendurar as chuteiras ao final do terceiro mandato. Empossado, criou novos ministérios para acomodar aliados de ocasião e nomeou para os já existentes antigos aliados sepultados pelo mensalão e pela Lava-Jato, paparicou o ditador venezuelano, culpou a Ucrânia pela invasão russa, etc., etc., etc., e, por mal dos nossos pecados, voltou a acalentar o sonho da reeleição. 
 
Incomodado com uma inédita rejeição, o xamã petista 
cobra de seus ministros maior participação na articulação com parlamentares. Do topo de seu ego estratosférico, não vê que é o aleijão, e não a bengala, que faz um coxo mancar, e que não adianta culpar a carroça quando o problema é o burro. Alckmin "tem que se mais ágil, tem que conversar mais"; Haddad, "ao invés de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara", sentenciou o luminar que já se gabou de nunca ter lido um livro (a propósito, vale a pena ler este artigo), e ainda criticou a forma como os economistas veem a necessidade de corte de gastos: "Sem crédito, o país não vai a lugar nenhum, o problema é que tudo é gasto. Educação é gasto, saúde é gasto. A única coisa que não é gasto é superávit primário. A única coisa que se trata como investimento é isso". 

Em sua terceira passagem pelo trono, o reizinho convive com um Congresso inédito, onde a oposição é formada por inimigos escrachados e adversários são membros do consórcio governista. O PP de Lira flerta com Tarcísio de Freitas para 2026 enquanto usufrui, sob Lula, do controle da CEF, de dois ministérios e de pedaços do orçamento federal. Após o encontro com o imperador da Câmara na noite do domingo retrasado, o presidente cuidou de esconder o código de barras: "Foi uma conversa entre dois seres humanos. [...] Não sou obrigado a falar sobre a conversa que tive com Lira"

O pronunciamento deixou em quem desperdiçou tempo com o debate político nas últimas semanas a sensação de que há uma crise na articulação política do Planalto, mas o problema é tão falso quanto a lengalenga de que um bom articulador desarmaria as bombas e faria deslanchar a agenda econômica do governo no Legislativo. Antes de encaminhar uma solução para qualquer problema é preciso enxergá-lo. A crise que conturba Brasília é a falência do velho modelo de coalizão. No Congresso atual, ninguém representa ninguém, cada parlamentar é operador de si mesmo. Não há articulador capaz de domar uma tribo que evoluiu do mensalão e do petrolão para o maravilhoso mundo das emendas opacas e impositivas.

Já se sabia que o dinheiro do orçamento federal sai pelo ladrão porque os ladrões continuam entrando no orçamento. Descobre-se agora que assaltantes invadiram também o sistema de pagamentos da União. Diante de tamanho o clima de insegurança nos cofres públicos, o "contribuinte" é assaltado (literalmente) por dois sentimentos aparentemente contraditórios: 1) a angústia da certeza de que jamais verá novamente o fruto do seu suor; 2) a inquietação da incerteza quanto ao que acontece com seu suado dinheirinho depois que é recolhido aos cofres do Tesouro. No Carnaval passado, sem qualquer aviso, Arthur Lira levou um naco de dinheiro público para desfilar na Sapucaí em jato da FAB.
 
Observação: A PF descobriu que, manuseando senhas habilitadas, os ladrões do Siafi surrupiaram pelo menos R$ 3,5 milhões via Pix. Uma dúvida também assalta o cidadão nesse instante em que a Receita recolhe as declarações de Imposto de Renda: quanto terá sido desviado antes da descoberta dessa "pixcaretagem"? Foram recuperados até o momento R$ 2 milhões que foram parar na conta de um comércio de móveis e eletrodomésticos de Campinas, mas suspeita-se que R$ 1,5 milhão tenha ido para uma conta no exterior. Na última sexta-feira, os invasores do sistema de pagamentos do governo tentaram assaltar mais R$ 9 milhões, sempre via Pix.
 
Durante a campanha, Lula prometeu que colocaria a tropa do orçamento secreto para marchar em cadência republicana, mas não chegou sequer a tentar. A suposição de que ele governaria com o apoio de uma "frente ampla" revelou-se falsa. Essa "frente" se formou a seu redor em 2022 porque não havia alternativa disponível para proteger a democracia. Caberia ao presidente eleito zelar para que a frente eleitoral sobrevivesse e se consolidasse durante o governo, mas faltou interesse e sobraram os acertos com Lira e Cia.
 
Vivo, Darwin diria que a articulação política do Planalto é uma evidência de que os "seres humanos" da política brasileira não só pararam de evoluir como vêm fazendo o caminho de volta.