Em política, como na vida, a melhor hora para mudar e antes de a mudança se tornar compulsória. Lula deveria ter se livrado de Juscelino Filho há tempos. Melhor seria não tê-lo trazido para a Esplanada, pois já se sabia à época que ele havia utilizado emendas orçamentárias em benefício próprio. Mas sempre que a oportunidade de corrigir o erro lhe bate à porta, o parteiro do Brasil Maravilha reclama do barulho e ignora o fato, como faz agora com seu ministro indiciado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
Em março de 2023, quando Juscelino já estava pendurado de ponta-cabeça nas manchetes, Lula disse que ele não poderia ficar no governo se não conseguisse provar sua inocência. Mantido no cargo, o elemento virou "padrão de inocência" do terceiro reinado do ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto).
Há dois meses, a CGU constatou que 80% de uma estrada pavimentada graças a uma emenda do então deputado maranhense — coisa de R$ 7,5 milhões, dinheiro da Codevasf, que foi convertido em ninho de perversões do Centrão desde Bolsonaro. Intimado pela PF a se explicar, Juscelino alegou "perseguição". Em nova evidência de que não perde a oportunidade de perder oportunidades, Lula tornou a conceder sobrevida ao auxiliar.
A atitude do presidente é um insulto porque o contribuinte não merece a presença de um indiciado por desviar verbas públicas nas cercanias do cofre; inútil porque o União Brasil, partido do indiciado, não entrega os votos que o governo reivindica no Congresso, e desmoralizante porque a presença do suspeito no governo vai se convertendo num processo de aviltamento da autoridade presidencial.
Na terça-feira 11, Lula autorizou a demissão de Neri Geller de uma secretaria do Ministério da Agricultura por suspeita de irregularidade no leilão para importação de arroz. Ao anunciar o afastamento, o chefe da pasta disse que "o governo não tem compromisso com o erro". Pausa para as gargalhadas. Dois dias depois, ao ser indagado sobre a ruína ética de Juscelino, o demiurgo de Garanhuns insistiu: "ele tem o direito de provar que é inocente".
Nenhum espelho reflete melhor a imagem de um governante do que as suas contradições. Geller foi ao olho da rua 48 horas antes da abertura do inquérito para apurar a maracutaia do arroz; Juscelino permanece no cargo 24 horas depois de ser indiciado pela PF por corrupção lavagem de dinheiro e organização criminosa. Após avalizar a sensata rigidez imposta a Geller, a alma viva mais honesta do Brasil amenizou: "O fato do cara (sic) ter sido indiciado não significa que cometeu um erro".
Num inquérito policial, todo mundo é inocente até prova em contrário. Num governo, a presunção de inocência deveria ser vista como uma garantia constitucional móvel. Lula revelou-se precário ao nomear um ministro suspeito e temerário ao manter um ministro investigado. Cada segundo de sobrevida concedido ao indiciado é ultrajante. O que dirá nas fases da denúncia e da ação penal?
Na Justiça, a inocência é presumida até o trânsito em julgado. Na administração pública, certas biografias recomendam a presunção da culpa.