quarta-feira, 19 de junho de 2024

SOBRE A DEEPFAKE

PARA ANDAR SOBRE AS ÁGUAS É PRECISO SABER ONDE ESTÃO AS PEDRAS.

Os termos "vigarice" e "vigarista" têm como origem a palavra "vigário", que os dicionários definem como aquele que faz as vezes de outro, substitui o prelado de uma paróquia ou trapaceia outrem. 

Numa crônica publicada em 1926, Fernando Pessoa anotou que um proprietário rural chamado Manuel Peres Vigário comprou gado com notas falsas de 100 mil réis, e o episódio ficou conhecido como "os contos de réis do Manuel Vigário" e, mais adiante, como "conto do vigário". 
 
Outra versão remete a um episódio no qual duas paróquias ouro-pretenses disputavam uma imagem de Nossa Senhora, e um dos vigários sugeriu amarrar a santa a um burro e soltá-lo entre as duas igrejas. A paróquia para a qual o animal se dirigiu ficou com a imagem, até que se descobriu que ele pertencia ao vigário daquela paróquia. 

Uma terceira hipótese remonta ao final do século XIX, quando uma quadrilha enviava cartas a famílias abastadas, relatando passagens dramáticas e comoventes. Em um relato da época, lia-se que "no conto do vigário, os espertos fazem de tolos os tolos que querem ser espertos".

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

A privatização das praias tem sido um tema altamente controverso e polarizador. Enquanto alguns argumentam a favor como forma de melhorar a infraestrutura e a gestão das áreas, outros veem como uma ameaça ao acesso público a estes espaços naturais. E não sem razão, haja vista casos recorrentes de assédio e constrangimento por parte de funcionários de hotéis e resorts, em áreas defronte à praias, a banhistas não hospedados. 
A discussão segue no Senado sob relatoria do senador conhecido pelas rachadinhas em seu gabinete na Alerj e operações imobiliárias lucrativamente fora do comum, muitas delas realizadas em dinheiro vivo vindo da venda panetones de chocolate, e ganhou ainda mais destaque após manifestações de alguns governos praianos, que argumentam que tal medida poderá levar a uma onda de investimentos em infraestrutura, serviços e segurança. Já os críticos, alertam para os riscos de exclusão e limitação do acesso, e argumentam que praias são bens naturais que devem ser protegidos e acessíveis a todos, independentemente de sua condição financeira. Além disso, há preocupações sobre possível degradação ambiental e descaracterização das áreas sob gestão privada, risco sensivelmente real diante o histórico de pouco caso do Poder Público. 
Outro fato que chama a atenção é a colidência com outro Projeto de Lei, em trâmite no Congresso Nacional, que visa legalizar e regulamentar os cassinos e jogos de azar. O litoral, como sabido, é costumeiramente palco para grandes empreendimentos do setor pelo mundo inteiro. Flávio Bolsonaro e o também senador Irajá Filho já viajaram juntos a Las Vegas, nos EUA, para tratar deste tema. O debate continuará fervendo, com diferentes partes interessadas e, muitas vezes, antagônicas. Encontrar equilíbrio entre desenvolvimento sustentável, preservação ambiental e garantia do direito público requer diálogo aberto e abordagem criteriosa, o que, via de regra, não acontece. 
Quando o assunto é privatização, também a política deveria passar para as mãos de gestores privados. Leia-se: privatize-se o Congresso Nacional (texto de Ricardo Kertzman).
 
Com a popularização da Internet, o conto do vigário ganhou roupagem digital e o nome "phishing scam". 
Em outras palavras, trata-se do velho 171 adaptado ao universo digital (para saber mais sobre "engenharia social", clique aqui). Para induzir as vítimas a seguirem suas instruções (abrir um anexo suspeito ou clicar num link malicioso, por exemplo), os cibervigaristas se valem de "ofertas imperdíveis" a notificações aparentemente expedidas por órgãos públicos — como SPC/Serasa, Receita Federal, Justiça Eleitoral, etc. —, operadoras de telefonia e/ou de TV por assinatura, instituições financeiras, administradoras de cartões de crédito, etc. E como os golpes têm "data de validade", novas modalidades surgem dia sim, outro também.

Os avanços da Inteligência Artificial são sopa no mel para os cibertrambiqueiros. Vídeos produzidos por meio de efeitos visuais eram comuns no cinema, mas, a deepfake (técnica usada para adulterar arquivos multimídia) tornou essa "magia", que até então era cara e trabalhosa, acessível através de aplicativos móveis e plataformas online. 
 
Para criar um vídeo de deepfake de determinada personalidade, o sistema precisa ser alimentado com fotos e vídeos em que a pessoa aparece. Quanto mais material houver, maiores serão as chances de obter um bom resultado. Treinada com base no conteúdo fornecido, a IA aprende como a pessoa se comporta e usa uma técnica chamada GAN (acrônimo de "rede adversária generativa" em inglês) para reproduzir seus movimentos e sua fala. 
 
No início de 2019, uma das ferramentas de deepfake mais conhecidas era o ZAO — um app chinês criado para iOS que permitia capturar uma selfie e embutir o rosto no corpo de um personagem de filme ou série em segundos. Por questões de segurança, o programa limitava as cenas em que os usuários podiam editar vídeos falsos, de modo a evitar que a técnica fosse usada para a criação de fake news. Mas não há nada como o tempo para passar.
 
FSGAN — criado por Yuval Nirkin e disponível na Open University of Israel — reproduz os trejeitos do rosto e a voz da fonte, mas requer um hardware de altíssimo desempenho. Já o Deepfakes Web processa as informações na nuvem e pode ser contratado por qualquer pessoa disposta a pagar US$ 2 por hora de uso.
 
Enquanto algumas deepfakes podem ser criadas por efeitos visuais ou abordagens de computação gráfica, as manipulações mais convincentes são desenvolvidas usando modelos de aprendizado profundo. O 5G e o poder de computação da nuvem permitem que o vídeo seja manipulado em tempo real, deixando a situação ainda mais complicada, já que as técnicas podem ser aplicadas em configurações de videoconferência, serviços de vídeo ao vivo e televisão.
 
Como sói acontecer o problema não é a ferramenta em si, mas no uso que se faz dela. Armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas. Na educação, por exemplo, a deepfake pode revolucionar as aulas de história. Em 2018, o Illinois Holocaust Museum and Education Center criou entrevistas hologramáticas que permitiam aos visitantes interagir com os sobreviventes do Holocausto. Na medicina, vídeos manipulados podem ajudar no desenvolvimento de novas práticas de diagnóstico e monitoramento. Nos treinamentos empresariais, a técnica permite usar "pessoas virtuais" para substituir clientes reais. 
 
Por outro lado, a deepfake pode incrementar os ataques de phishing e de engenharia social, facilitar a fraude de identidade e burlar dispositivos de segurança — como a validação do login de usuários por reconhecimento facial —, e será mais um desafio com que a ministra Carmen Lucia, atual presidente do TSE, terá de lidar durante as campanhas eleitorais deste ano.