sábado, 19 de outubro de 2024

O PROBLEMA TEM NOME E CPF



Lula profetizou que as eleições municipais seriam "outra vez Lula x Bolsonaro", mas o fenômeno Pablo Marçal lhe ensinou que há males que vêm para pior. 

Para resolver o problema da "desconexão do PT com o pedaço antipetista da sociedade", o petista instruiu seus correligionários a "conquistar os eleitores na rua". Marçal ensinou que a "rua" pode ser virtual, mas nem o PT nem seu xamã aprenderam a lição. 

Diante do resultado do primeiro turno, o Lula concluiu que "é preciso rediscutir o papel do PT", mas demora a perceber que essa rediscussão pede uma conversa com o espelho, onde seu reflexo exibe rugas, calva, barba branca e outras ofensas do tempo. 
 
Muita coisa mudou desde a fundação do PT — o imposto sindical acabou, a militância envelheceu, a direita ensaia o pós-bolsonarismo, e por aí vai —, mas Lula não mudou. Pior: do alto de seu ego hiperinflado, o macróbio não consegue ver que já não é mais o cabo eleitoral portentoso que foi no passado nem o Sun Tzu latino-americano que imagina ser. 

Três dias depois que o Brasil presenteou a Venezuela com um posicionamento vexatório no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o procurador-geral daquele país o acusou de ser agente da CIA" e indagou: "Quem é você para se intrometer nos assuntos internos da Venezuela?"

Lula condicionou o reconhecimento da vitória de Maduro à exibição de atas eleitorais que comprovem o feito desmentido pelos fatos, mas diz que o regime de Caracas "adquiriu um viés autoritário", e que o tiranete de merda não pode ser chamado de ditador. Como se não bastasse, a cúpula petista assinou um documento do Foro de São Paulo que reconhece a vitória de Maduro — vale lembrar que o PT é Lula e Lula é o PT.
 
Discursando para convertidos, Lula lamentou que trabalhadores com renda superior a dois salários-mínimos e metalúrgicos que ganham mais de R$ 8 mil mensais estivessem fugindo do PT, mas as urnas esboçaram um quadro ainda pior: em 2022, ele venceu Bolsonaro em São Paulo por 53,54% a 46,46% dos votos válidos. 
 
Boulos chegou ao final do primeiro turno com apoio de metade dos eleitores lulistas. No Datafolha do última dia 10, 31% dessa ilustre confraria disseram preferir Nunes. Desses, 27% declararam que jamais votariam no psolista, cuja rejeição bateu em 58%. Nunes segue na liderança (12% segundo o Quaest e 18% segundo o Datafolha), inclusive entre os moradores da periferia, a despeito do esforço de Boulos em culpá-lo pelo apagão da última sexta-feira. 

A exemplo de Bolsonaro no auge da pandemia, Lula vê sua aprovacão separada da reprovação pela margem de erro. Essa similaridade torna imperativa a conversa do petista com o espelho. Se o diálogo for franco, a imagem refletida dirá que o responsável pela dessintonia do PT com o eleitorado se chama Luiz, e que é impossível terceirizar a tarefa de "rediscutir o papel do PT". Se demorar, a autocrítica pode chegar junto com o laudo necroscópico.