QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.
Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia.
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia.
Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal já foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
O general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, deixou no Planalto um rastro pegajoso. Em uma reunião de junho de 2022, na qual o ainda presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o Augusto Heleno advertia que era preciso virar a mesa antes das eleições, o fardado engrossou o coro vadio:
O general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, deixou no Planalto um rastro pegajoso. Em uma reunião de junho de 2022, na qual o ainda presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o Augusto Heleno advertia que era preciso virar a mesa antes das eleições, o fardado engrossou o coro vadio:
"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
Bolsonaro perdeu a reeleição em 2022. Colecionou derrotas nos pleitos municipais deste ano. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026; a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada, mas a cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre o plano de controlar a sucessão em seu campo político.
Em público, Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira, insiste na tese fantasiosa de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, contudo, a cúpula do PL já admite que a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável, já subiu no telhado.
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora sem o veneno golpista do ex-verdugo do Planalto já começa a ser articulada. Além disso, os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova junto com o defunto.
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer à Presidência em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, ele indicaria desde já um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido e atacou Moraes. Mas a demonização do ministro perdeu o nexo quando aos hipotéticos perseguidores se juntaram o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que não aderiram ao golpe, os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes, o procurador-geral Paulo Gonet, e por aí segue a procissão.
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista denunciou a Operação beco sem saída (ele e outro capitão pretendiam explodir bombas nos quarteis caso o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%). O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia"; 1999, que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC); em 2016, homenageou o coronel-torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra ao votar favor do impeachment de Dilma.
Bolsonaro perdeu a reeleição em 2022. Colecionou derrotas nos pleitos municipais deste ano. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026; a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada, mas a cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre o plano de controlar a sucessão em seu campo político.
Em público, Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira, insiste na tese fantasiosa de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, contudo, a cúpula do PL já admite que a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável, já subiu no telhado.
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora sem o veneno golpista do ex-verdugo do Planalto já começa a ser articulada. Além disso, os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova junto com o defunto.
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer à Presidência em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, ele indicaria desde já um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido e atacou Moraes. Mas a demonização do ministro perdeu o nexo quando aos hipotéticos perseguidores se juntaram o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que não aderiram ao golpe, os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes, o procurador-geral Paulo Gonet, e por aí segue a procissão.
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista denunciou a Operação beco sem saída (ele e outro capitão pretendiam explodir bombas nos quarteis caso o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%). O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia"; 1999, que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC); em 2016, homenageou o coronel-torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra ao votar favor do impeachment de Dilma.
Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva detalha o método usado pelo clã Bolsonaro para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa, discorre sobre as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.
Em meio à pandemia, Bolsonaro disse que a reação da população e da imprensa ao vírus era "histeria". Chamou a Covid de "gripezinha de nada". Demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um oncologista que não durou um mês no cargo e colocou no lugar dele o general Eduardo Pazuello, que militarizou a pasta entoando o bordão "um manda e o outro obedece".
Embora o relatório da CPI da Covid lhe imputasse um dúzia de crimes, o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos. Chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta. Transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado. Mas o dito ficou pelo não dito.
Derrotado nas urnas, Bolsonaro se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula (a emenda que só não ficou pior que o soneto porque nada seria pior que a permanência de Bolsonaro no Planalto). Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente depois que a poeira dos atos golpistas do 8 de janeiro baixou.
Em meio à pandemia, Bolsonaro disse que a reação da população e da imprensa ao vírus era "histeria". Chamou a Covid de "gripezinha de nada". Demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um oncologista que não durou um mês no cargo e colocou no lugar dele o general Eduardo Pazuello, que militarizou a pasta entoando o bordão "um manda e o outro obedece".
Embora o relatório da CPI da Covid lhe imputasse um dúzia de crimes, o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos. Chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta. Transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado. Mas o dito ficou pelo não dito.
Derrotado nas urnas, Bolsonaro se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula (a emenda que só não ficou pior que o soneto porque nada seria pior que a permanência de Bolsonaro no Planalto). Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente depois que a poeira dos atos golpistas do 8 de janeiro baixou.
Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com Queiroz, Zambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do capetão-golpista — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. É fato que a Justiça tem seu próprio tempo, mas fato é que é de pequenino que se desentorta o pepino.
A expectativa é de que Moraes envie ao STF o relatório de 884 páginas que recebeu da PF no início da próxima semana, e que o PGR apresente denúncia contra Bolsonaro et caterva até o final do ano. Por outro lado, o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pela PF e pela Abin pode empurrar a denúncia para depois do recesso de fim de ano do Judiciário. Mas não é só: apresentada a denúncia, cabe ao STF recebê-la, abrindo o prazo para a instrução da ação penal.
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do capetão-golpista — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. É fato que a Justiça tem seu próprio tempo, mas fato é que é de pequenino que se desentorta o pepino.
A expectativa é de que Moraes envie ao STF o relatório de 884 páginas que recebeu da PF no início da próxima semana, e que o PGR apresente denúncia contra Bolsonaro et caterva até o final do ano. Por outro lado, o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pela PF e pela Abin pode empurrar a denúncia para depois do recesso de fim de ano do Judiciário. Mas não é só: apresentada a denúncia, cabe ao STF recebê-la, abrindo o prazo para a instrução da ação penal.
A sentença pode sair no segundo semestre do próximo ano ou no inicio de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, Bolsonaro permaneça inelegível por mais de uma década. Ele disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia.
Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece a cada novo crime do Poder, sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será um convívio fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, abertura de ação penal e provável condenação. E essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar, mas não falhar, move-se em solo brasileiros a velocidade de um cágado perneta.
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será um convívio fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, abertura de ação penal e provável condenação. E essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar, mas não falhar, move-se em solo brasileiros a velocidade de um cágado perneta.
O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorrer àquela corte deve ter paciência de Jó: dependendo de quem julga e de quem é julgado, uma sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).