Após discorrer brevemente sobre as diferenças entre psicopatia e sociopatia — termos que, por alguma razão, estão "na moda" e são usados como sinônimos pelos "achologistas" das redes sociais —, resolvi dedicar algumas linhas ao narcisismo, que também caiu nas graças da galera.
De uns tempos para cá, gente com profundidade intelectual que uma formiga atravessaria sem molhar as canelinhas vêm rotulando de "narcisista" pessoas que não apresentam características do Transtorno de Personalidade Narcisista, descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
O nome da encrenca vem do mito grego de Narciso, um jovem de beleza extraordinária que se encantou com o próprio reflexo num lago e ficou à beira d'água até morrer. O conceito foi explorado pelos filósofos através da história e ingressou no campo da psicanálise no início do século passado, quando Otto Rank publicou a primeira descrição e Sigmund Freud, um artigo chamado "Introdução ao Narcisismo". Mas a expressão "transtorno de personalidade narcisista" surgiu somente nos anos 60, e o distúrbio só foi oficialmente reconhecido como patologia dali a duas décadas.
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Narcisistas se caracterizam pela necessidade excessiva de admiração, falta de empatia e ego inflado (que parece não funcionar como airbag em quedas no banheiro). Confundi-los com "manipuladores" é comum, embora os manipuladores ajam como tal por razões psicológicas (como transtornos de personalidade antissocial ou borderline) que não têm relação com o narcisismo.
Observação: A palavra "borderline" — que significa "fronteiriço" em inglês — também "caiu na boca do povo", embora devesse ser usada apenas para definir pessoas que se situam em algum ponto entre a categoria dos neuróticos (ansiosos e exagerados) e a dos psicóticos (que enxergam a realidade de forma distorcida).
A banalização desses termos nas redes sociais reflete a tendência de simplificar e rotular comportamentos complexos para descrever experiências pessoais envolvendo saúde mental e relacionamentos tóxicos, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa: "narcisismo" é um diagnóstico clínico, e "manipulação" remete a um comportamento mais geral, que pode ocorrer por razões que nada têm a ver com narcisismo.
Manipuladores não são necessariamente narcisistas, mas os narcisistas costumam ser mestres da manipulação, e isso os torna mais difícil derrotar em seu próprio jogo. No entanto, eles precisam dos outros para reforçar a própria autoestima, e deixá-los inseguros reduz consideravelmente seu poder.
Não tente decifrar ou consertar o comportamento de um narcisista nem permita que ele invada seu espaço emocional ou distorça suas palavras para manipular a narrativa. Evitar o confronto direto o priva de sua atenção — justamente o que ele mais quer. Caso a interação seja inevitável (em família ou no ambiente de trabalho), evite expor sua fragilidades e não ceda a chantagens emocionais.
A exemplo do bom general, saiba quando recuar: os narcisistas são imunes à autorreflexão, de modo que melhor que confrontá-los é simplesmente sair de cena. Note que a ideia não é "jogar melhor" que eles, mas evitar jogar o jogo deles. Até porque eles só conseguem manipular quem se deixa envolver na dinâmica que eles criam.
Como disse alguém mais sábio, "às vezes, a paz que procuramos está no "foda-se" que não dizemos".