quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

DE VOLTA ÀS VIAGENS NO TEMPO — 58ª PARTE

NÃO CONTE SEUS PROBLEMAS A QUEM NÃO PODE RESOLVÊ-LOS. 

 

Ao propor que alterações no passado feitas por um viajante do tempo não modificam a linha temporal original, já que criam uma nova realidade, a Teoria do Multiverso oferece uma solução elegante para os paradoxos temporais


Ainda que a chegada de um viajante do tempo fosse, por si só, uma alteração no passado, nada do que ele fizesse modificaria seu passado — apenas daria origem a um universo alternativo, no qual os eventos se desenrolariam de forma diferente. 


Essa premissa resolveria o célebre paradoxo do avô, já que o crononauta parricida criaria uma nova linha temporal na qual ele jamais nasceria, preservando, intacta, a linha original de onde partiu.

 

Convém não confundir a teoria do multiverso com a Interpretação de Muitos Mundos, que é específica da mecânica quântica e postula o surgimento de universos ramificados a cada evento quântico. O multiverso abarca diversas teorias e hipóteses sobre a existência de outros universos além do nosso, que podem ser semelhantes ou seguir leis físicas distintas, além de interagir ou não entre si. 

 

Para facilitar o entendimento, imagine um experimento em que uma partícula quântica pode passar por duas fendas. Na mecânica quântica padrão, ela passa por ambas simultaneamente, como uma onda, mas na Interpretação de Muitos Mundos o universo se divide em dois: em um deles, a partícula passa pela fenda 1; no outro, pela fenda 2. Em outras palavras, a Teoria do Multiverso é um conceito geral de múltiplos universos, enquanto a Interpretação de Muitos Mundos é uma teoria específica que sugere como esses universos poderiam surgir, dentro do contexto da mecânica quântica.

 

Outra abordagem interessante é a hipótese das curvas temporais fechadas autoconsistentes, proposta pelo físico russo Igor Novikov. Ela sugere que os eventos em uma viagem no tempo já estariam "pré-determinados" de modo a evitar paradoxos. Assim, qualquer tentativa de alterar o passado falharia — não por limitações tecnológicas, mas por exigência lógica. A arma emperraria no momento crucial, ou circunstâncias imprevistas impediriam a mudança. Nessa visão, o Universo disporia de um mecanismo de autocorreção causal — um tipo de "filtro temporal" que assegura a coerência dos acontecimentos, permitindo viagens no tempo sem violar as leis da causalidade.

 

A hipótese defendida por Novikov foi retomada por pensadores contemporâneos como David Deutsch, físico da Universidade de Oxford. Ele propõe que, se as viagens no tempo forem possíveis, elas só poderiam ocorrer em um multiverso — mais especificamente, sob a lógica da Interpretação de Muitos Mundos. Nessa perspectiva, um viajante que voltasse ao passado e alterasse algo relevante não afetaria o seu próprio passado, mas criaria ou acessaria outra ramificação do universo, onde suas consequências seriam absorvidas.

 

Segundo Deutsch, isso resolveria os paradoxos clássicos sem exigir nenhum "ajuste mágico" do Universo. A consistência se manteria porque o viajante jamais conseguiria interferir no seu próprio ponto de origem temporal — apenas navegaria por realidades alternativas geradas pelas suas ações. Assim, as curvas temporais fechadas passariam de armadilhas lógicas a atalhos navegáveis entre diferentes versões de uma mesma realidade.

 

Esse tipo de raciocínio, que mistura lógica quântica com metafísica aplicada, serve de pano de fundo para inúmeros experimentos mentais — e roteiros de ficção. Imagine, por exemplo, uma máquina do tempo que só funciona se o usuário aceitar que nada poderá mudar. Ou que sua existência dependa do fato de nenhuma tentativa de uso ter causado uma inconsistência fatal no passado. Nesse cenário, a própria estabilidade da linha temporal validaria, retroativamente, a possibilidade de sua existência.

 

Essas especulações reacendem um debate antigo, mas sempre atual: o tempo é fixo ou fluido? Se o Universo é autoconsistente, como defendem Novikov e Deutsch, talvez o livre-arbítrio seja uma ilusão conveniente, e todas as nossas decisões já estejam inscritas em uma narrativa rígida. Por outro lado, se vivemos num multiverso em expansão ramificada, então cada escolha pode, literalmente, dar origem a um novo mundo — com consequências que jamais saberemos.

 

Na dúvida, seguimos com os pés bem fincados no presente e a cabeça viajando por aí, saltando entre teorias como quem troca de vagão num trem imaginário que percorre a eternidade.

 

Continua...