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domingo, 12 de maio de 2019

BILHETE A JAIR



Jânio Quadros implicava com o biquíni; Jair Bolsonaro implica com os gays. Jânio distribuía bilhetinhos e Jair posta tuítes. Jânio não gostava de negociar com o Congresso e Jair também não gosta. Jânio se incomodava com os constrangimentos institucionais. Certa vez lançou uma provocação a seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco: “Creio que a maioria dos ingleses pegaria em armas para defender o seu Parlamento. E o senhor, ministro, pegaria em armas para defender o Congresso brasileiro?”. Bolsonaro, em evento organizado por VEJA na pré-campanha em 2017, disse: “Se o Kim Jong-Un lançasse uma bomba H que só atingisse o Parlamento (brasileiro), você acha que alguém ia chorar aqui?”. Os paralelos entre o efêmero presidente de 1961 e o atual são numerosos. Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar a política do país.

Entenda-se por “fantasma de Jânio” a herança de despreparo, aventureirismo e pouco-caso com as instituições que com indesejável frequência se tem reencarnado nos ocupantes da cadeira presidencial. Fernando Collor foi o primeiro a vestir o modelo. Ao despreparo e ao aventureirismo juntava-se, nele, a mistificação de apresentar-se como “o caçador de marajás”, tal qual o outro empunhava a vassoura que varreria a corrupção. Faltava a Collor, no entanto, o vezo de fiscal de costumes que aproxima o atual presidente de seu remoto antecessor. Bolsonaro proibiu anúncio do Banco do Brasil que apresentava jovens de cores da pele, penteados, trajes e trejeitos diversos, e ainda comentou: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay”. Antes, havia proibido livro didático que expunha desenho da genitália feminina e feito circular, a título de alerta, vídeo com aberração sexual. Jânio, em sete meses de governo, proibiu, ou tentou proibir: biquínis nas praias; maiôs mais atrevidos nos desfiles de miss; anúncios na TV de maiôs e peças íntimas femininas; corridas de cavalo nos dias de semana; brigas de galo; lança-perfume; e — para culminar — espetáculos “de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio e de televisão”.

O Jânio de outrora e o Jair de hoje partilham as tendências: (1) de ocupar-se de coisas pequenas, mais próprias de delegados de polícia, juízes ou, no máximo, prefeitos; e (2) de acreditar que uma canetada muda tendências comportamentais. O biquíni, a despeito de Jânio, prosseguiu sua gloriosa carreira até o fio-dental, e promete ir além. O turismo de homossexuais, consolidado graças ao Carnaval e às paradas gay, não há de ser estancado pela bronca do chefe de governo. Diga-se a favor de Jânio que nunca foi desatinado como Bolsonaro ao acrescentar, quando falou sobre o turismo gay: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”. Na constrangedora afirmação, o machismo mais tóxico se punha a serviço do mais predador dos turismos sexuais. Em outro plano, Jânio nunca cometeu o despautério de assacar contra o ensino da filosofia e da sociologia, nem a barbaridade de prometer aos fazendeiros licença para matar os invasores (uma inspirada reação na internet perguntou: “Índio também vai poder matar o invasor de suas terras?”).

Jornalistas do período e historiadores registraram as insuficiências do presidente de 1961. “Era evidente a má vontade de Jânio para com o Legislativo. (…) Elegera-se sempre ‘contra os políticos’, ainda que fosse um dos maiores”, escreveu o jornalista Carlos Chagas. O historiador Thomas Skidmore, no conhecido Brasil: de Getúlio a Castelo, afirma que faltavam a Jânio “discernimento e tenacidade para governar”, e, ao comentar suas dificuldades no dia a dia da administração, acrescenta: “Talvez estivesse agindo como alguém que sobe muito depressa e muito alto para sua capacidade”. Um autor de hoje, encarregado de analisar Bolsonaro, pode aplicar a semelhantes considerações um simples “copia e cola”. E com mais razão ainda pode fazê-lo socorrendo-se das brincadeiras que o jornalista Pompeu de Sousa estampava nas páginas do Diário Carioca. Assim como Jânio expedia seus bilhetinhos aos assessores, Pompeu publicava bilhetinhos ao presidente. O do dia 18 de março de 1961 vale para o Jair sem tirar nem pôr: 

“Assim é seu governo, Excelência. Cada dia uma decisão, uma orientação, uma revogação do dia anterior. Uma revogação de si mesmo. Governo, Excelência, é exatamente o contrário disso. Por isso é que continuamos à espera de que Vossa Excelência comece a governar”.

Texto de Roberto Pompeu de Toledo

sábado, 11 de maio de 2019

GUEDES NA LINHA DE FRENTE



Em quatro meses de governo, apenas contando ao público o que faz durante o seu horário de trabalho, Paulo Guedes já pode ser apontado como o ministro que está dando mais certo na equipe montada para governar o Brasil a partir deste ano. Quem é simpático ao governo, ou mesmo neutro, está gostando. Quem é contra não consegue desgostar de verdade; falam mal, mas têm outros alvos que detestam muito mais, como o ministro Sergio Moro, ou o tipo genérico resumido pela ministra Damares e, mais do que tudo, o próprio presidente Jair Bolsonaro. O resultado é que o ministro da Economia, a cada dia que passa, tem sido ouvido com atenção quando fala. E a conclusão de boa parte do público, cada vez mais, é a seguinte: “Esse homem fala coisa com coisa”. Já é um colosso, na neurastenia geral que comanda a atual vida política brasileira.

Há outros ministros que estão fazendo um bom trabalho fala-se, em geral, das áreas tocadas pelos militares e as suas redondezas. Mas as suas atividades são quase sempre consideradas uma grande chatice pela mídia, e o resultado é que acabam sendo deixados relativamente em sossego. Paulo Guedes, ao contrário, está na linha de frente da infantaria aquela que acaba levando chumbo em primeiro lugar, e chumbo mais grosso que todo o resto da tropa. É natural; ministro da Economia está aí para isso mesmo. Mas embora seja o mais bombardeado de todos, continua inteiro na verdade, está mais inteiro hoje do que quando começou, quatro meses atrás.

Guedes está se dando bem, basicamente, porque não tem medo de políticos, de “influenciadores”, de economistas tidos como “importantes” e, sobretudo, porque não tem medo de perder o emprego. Está lá para fazer o trabalho que, aos 69 anos de idade, acha mais correto para os interesses do Brasil. Só isso. Se der certo, ótimo. Se não der, paciência.

O Brasil, por conta disso, começa a ouvir em voz alta coisas que não costumava ouvir de autoridade nenhuma. Num país campeão em usar as palavras para esconder o que pensa, o ministro tornou-se um especialista em dizer, sim ou não, se é contra ou a favor disso ou daquilo, e explicar por que é contra ou a favor. “O fato é que o Brasil cresceu em média 0,6% ao ano nos últimos dez anos”, disse Guedes há pouco. “O país afundou, simplesmente”. Não adianta, explica ele, ficar enrolando: isso é uma desgraça, que nenhum esforço de propaganda pode ocultar, e é exatamente por isso, só por isso, que o Brasil está hoje de joelhos. A possibilidade de que algo possa ir bem numa economia que tem um número desses é zero. E quem é o responsável direto pela calamidade? Não é o governo da Transilvânia. É o conjunto de decisões tomadas entre 2003 e 2016 pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Guedes diz em voz alta o que quase nenhum, ou nenhum, economista laureado deste país tem coragem de dizer: que Lula, Dilma e o PT provaram, através dos seus atos, que são os maiores responsáveis pela criação de pobreza, desigualdades e concentração de renda no Brasil ao longo deste século. “Vocês estão me mostrando um comercial do governo PT”, disse ele ainda outro dia, quando quiseram lhe apertar durante uma entrevista com a exibição de um filme que mostrava filas com milhares de pessoas procurando emprego no Anhangabaú, em São Paulo. Os 13 milhões de desempregados que estão aí, disse o ministro, foram postos na rua pelo PT quem, senão o PT, provocou anos seguidos de recessão? Quem zerou a renda desses coitados? O pior é que essa renda não sumiu; foi transferida para o bolso dos ricos. Também não dá para jogar toda a culpa em cima do PT. Nos últimos 30 anos, lembra Guedes, o crescimento do Brasil chegou ao grande total de 2% isso mesmo, dois miseráveis por cento, durante 30 anos seguidos. Como pode existir alguma coisa certa numa economia assim?

Guedes fala com a simplicidade da tabuada sobre o mais cruel de todos os impostos que existem no Brasil o imposto sobre o trabalho, que é cobrado do trabalhador e de ninguém mais. Para empregar um brasileiro a 1.000 reais por mês, o empregador tem de gastar 2.000”, diz o ministro. O trabalhador não vê um centavo desses 1.000 reais a mais que a empresa paga; são os “direitos trabalhistas”, que somem no buraco negro do governo e beneficiam os bolsos de Deus e todo mundo, menos do pobre diabo em nome de quem eles são pagos. O único efeito prático disso, no fim das contas, é suprimir empregos há cada vez menos gente disposta a pagar o salário de duas pessoas para ter o trabalho de uma. As empresas não contratam; trabalho no Brasil virou algo taxado como artigo de luxo. O preço desse culto aos “direitos” é um horror: entre desempregados e trabalhadores sem carteira, há hoje 50 milhões de brasileiros vivendo no limite do desastre. Guedes lembra que esses 50 milhões não pagam um tostão de contribuição para a previdência social mas terão direito a aposentadoria. Pode dar certo um negócio desses?

O ministro também explica que dá, sim, para fazer o próximo censo; não haverá nenhuma “intervenção no IBGE”. Só que, num país falido como o Brasil de hoje, não se vai fazer 300 perguntas ao cidadão, mas quinze ou vinte, como se faz nos países ricos. A Zona Franca vai acabar? Não, diz Guedes, não vai. Mas não faz sentido deixar de reduzir impostos no resto do Brasil só para não incomodar a indústria de Manaus. Dá para entender? Há, talvez, 1 trilhão de dólares em petróleo embaixo do chão, afirma ele. Mas esse trilhão só existe se o petróleo for tirado de lá; enquanto continuar enterrado será uma beleza para a preservação do “patrimônio da Petrobras”, mas na vida real isso não rende uma lata de sardinha para ninguém. Conclusão: o petróleo tem de sair do chão, e esse trabalho exige investimentos e parcerias mundiais. Há outro jeito?

Paulo Guedes tem, provavelmente, uma das melhores explicações da praça para a dificuldade brasileira de tomar decisões certas a culpa, em grande parte, vem menos da malícia e mais da ignorância. As pessoas querem as coisas, mas não sabem como obtê-las, diz ele. Têm certezas em relação aos seus desejos, mas são inseguras quanto aos meios para chegar a eles, e não gostam de pensar no preço, nem no trabalho, que serão exigidos para conseguir o que desejam. É animador, também, que o ministro pareça ser um homem interessado em realidades. Quanto desafiado, como vive acontecendo, a provar a sua autonomia, diz que prefere resultados em vez de ficar mostrando que manda. É um alívio, também, que não pretenda ganhar o Prêmio Nobel de Economia e nem dê muita bola para a liturgia das entrevistas solenes que às vezes se parecem mais com interrogatórios da Gestapo do que com entrevistas, com a vantagem de não haver tortura física e nem perguntas em alemão.

No fim das contas o sucesso de Paulo Guedes vai depender do crescimento da economia e da queda no desemprego sem isso estará morto, como o resto do governo, por mais coisas certas que tenha feito. A questão é que o único jeito de conseguir mais crescimento e emprego é fazer as coisas certas. É um bom sinal que ele esteja tentando.

Texto de J.R. GUZZO

domingo, 5 de maio de 2019

DEU NÓ NO BRASIL (ou: O RAIO DO PAPEL)



Deu um nó. Está sempre dando, na política brasileira, porque é mesmo da natureza da política produzir complicação, aqui e no resto do mundo. Mas desta vez parece que se formou entre governo, Congresso, partidos e o resto da nebulosa que compõe a vida pública brasileira um nó de escota duplo, ou um lais de guia holandês, ou algum outro dos muitos enigmas criados pela ciência dos marinheiros — desses que você olha, mexe, olha de novo, e não tem a menor ideia de como desfazer. É fácil para os marinheiros — mas só para eles. Como, no presente momento, não há ninguém com experiência prévia a respeito da desmontagem dos nós que apareceram desde que Jair Bolsonaro formou o seu governo, o mundo político está com um problema sério. 

Como se sabe, é a primeira vez na história recente do Brasil que o time inteiro de cima foi montado sem ninguém pedir licença aos políticos, ou sequer perguntar a sua opinião — e menos ainda comprar seu apoio com a entrega de cargos na administração. Há muito técnico, muito general etc. Mas não há, como a ciência política considera indispensável, nada de “engenharia política”. Isso quer dizer, na prática, que ficou difícil fazer a turma da situação votar a favor do governo — pois a maior parte dela passa mal se tiver de votar alguma coisa por princípio, ou seja, de graça. É esse o nó que não desata. Por causa dele, dizem que o governo está “paralisado há 100 dias”.

Vejam, para citar o exemplo mais indecente do momento, a reforma da Previdência. Nada mais natural que o PT, seus auxiliares e o resto da esquerda fiquem contra. Têm mesmo de ficar: a única escolha que faz sentido para a oposição, hoje, é ser 100% contra qualquer ideia que tenha a mínima chance de melhorar o Brasil em alguma coisa. Isso seria, em seu raciocínio, ajudar o governo Bolsonaro a ser bem-sucedido — e um governo Bolsonaro medianamente bem-­sucedido é um desastre mortal para o consórcio Lula-PT. Que futuro vai ter essa gente na vida, a não ser que o governo acabe em naufrágio? Nenhum. É compreensível, assim, que a oposição não aprove nada que possa dar certo. Mas PT, PSOL e PCdoB, somados, não chegam a 15% da Câmara dos Deputados. E o resto: por que eles demoram tanto para votar a reforma? Mesmo descontando outras facções antigoverno, daria para aprovar. Resposta: demoram porque querem cargos na máquina e não estão levando.

É isso: o sujeito quer uma diretoria, uma superintendência, uma vice-­presidência — uma boquinha gorda qualquer, Santo Deus — e não tem a quem pedir. Falam em “agilização” das nomeações. Mas nomeação, que é bom, não sai. Chegou-se a falar num “Banco de Talentos”, para onde a politicalha mandaria os nomes que quer empregar — e onde as escolhas seriam feitas segundo “critérios técnicos”. Também não rolou. Um deputado especialmente desesperado com a demora, Felipe Francischini, chutou o balde e pediu um emprego na estatal Itaipu para a própria madrasta. Outro, um Elmar Nascimento, do liberalíssimo DEM, disse que não quer saber de “talentos”; quer emprego mesmo, e dos bons. “Não vamos nos contentar só com marmita”, ameaçou ele. Histórias como essa encheriam a revista inteira; não vale a pena ficar repetindo a mesma ladainha. O certo é que a manada quer os empregos, não está conseguindo e, pior que tudo, não sabe com quem falar para descolar a nomeação. Não adianta falar “no governo”, ou “no palácio”. Tem de ser com o sujeito de carne e osso que manda assinar o raio do papel que vai para o Diário Oficial. E quem é que chega até ele?

A Caixa Econômica Federal, para dar um exemplo só, trocou todos os vice-presidentes, 38 dos quarenta diretores e 75% dos 84 diretores regionais — tudo propriedade privada dos políticos. Mais: quer cortar em dois anos 3,5 bilhões de reais em despesas como aluguéis ou “prestação de serviços”. Só na Avenida Paulista, a CEF ocupa hoje sete prédios — nenhum outro banco do mundo chegou perto disso, mesmo na época em que bancos tinham milhares de agências. Em Brasília é pior: são quinze prédios, um deles só para tratar da admissão de funcionários, como se a Caixa tivesse de admitir funcionários todos os dias. Até uma criança de 10 anos sabe que mexer nisso é mexer diretamente no interesse material dos políticos. Eles perderam esses cargos; querem todos de volta, desesperadamente. Na CEF, no serviço contra as secas, nos portos, nos aeroportos, nos armazéns de atacado, no Oiapoque e no Chuí.

Uma coisa é pedir um negócio desses ao ministro Onyx Lorenzoni, outra é pedir ao general Santos Cruz. Dá para entender o nó, não é mesmo?

Texto de J.R. Guzzo.

sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tournedos de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?

segunda-feira, 18 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONTINUAÇÃO


Como bem sintetizou José Nêumanne no comentário que reproduzi no capítulo anterior, por 6 votos a 5 nossa mais alta Corte, atendendo a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira (e não da população, pois os ministros são indicados pelo presidente da República, e não eleitos pelo voto popular), contrariou 57 milhões de eleitores que votaram contra corrupção. Como se já não bastasse, seu presidente aboliu a República de 1889 para criar o "Império Absolutista da Suprema Corte", com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e das críticas de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública e os delegados Igor de Paula e Maurício Valeixo no comando da PF em Brasília, esperava-se que o combate à corrupção no Brasil evoluísse em 2019, mas a corrente pró-corruptos vem colecionado vitórias contra os integrantes da Lava-Jato. O próprio superministro reconhece que é preciso consolidar as conquistas e enfrentar o que ele chama de risco de retrocesso, referindo-se ao funesto resultado do julgamento da ação impetrada pelo ex-prefeito carioca Eduardo Paes, no qual o STF decidiu, ainda que por apertada maioria, que quando há crimes comuns conectados a eleitorais sob investigação a competência deve ser da Justiça Eleitoral.

Considerando que os políticos são useiros e vezeiros em atribuir o recebimento de dinheiro ilegal a interesses de campanha, a decisão supremo foi comemorada por corruptores, corrompidos e seus advogados. Já se fala até na anulação de condenações obtidas pela força-tarefa na Justiça Federal — hipótese confirmada pelo ministro Marco Aurélio, a quem coube a relatoria da ação julgada na quinta-feira.

A celeridade nunca foi o forte na nossa suprema corte, talvez porque o plenário se reúne míseras duas vezes por semana — afinal, a tarefa dos ministros é sem dúvida estafante, ainda que cada um deles disponha de um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem. Considerando os estagiários, terceirizados, etc., o número de funcionários do Supremo varia conforme o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários por ministro ministro. Em 2016, esse séquito faraônico consumiu mais de meio bilhão de reais — as informações são do site políticos.org.br; se alguém achar que são fake news, que processe o site, não a mim.

Com milhares de processos dormitando nas gavetas de suas supremas excelências, a prescrição não raro fulmina inexoravelmente a expectativa de punição num sem-número de criminosos. Sem mencionar que é igualmente comum (e tão lamentável quanto) gatunos notórios, como José Dirceu e Paulo Maluf, serem brindados (e blindados) com habeas corpus estapafúrdios. Sentenciado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de cadeia numa ação que levou inacreditáveis 17 anos para ser concluída, Maluf foi despachado para casa por um habeas corpus humanitário concedido de ofício pelo ministro Dias Toffoli.

Observação: A cena em que o turco lalau — que supostamente estava à beira do desencarne — se arrasta para o camburão, apoiado numa bengala, deveria entrar para os arquivos de dramaturgia da Rede Globo. Tanto é que bastou o dito-cujo deixar a Papuda para que se operasse o “milagre da ressurreição”: o ex-moribundo passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (região nobre da capital paulista).  

O nome de Maluf é associado à roubalheira desde que eu me entendo por gente. As primeiras suspeitas surgiram há quase meio século, quando o então prefeito biônico de Sampa presenteou com um fusca 0 KM (comprado com dinheiro público, naturalmente) cada jogador da Seleção Canarinho que disputou a Copa de 1970. Em 2005, depois que ele e o filho Flávio foram presos na Superintendência da PF em São Paulo (de onde saíram 41 dias depois), o Le Monde chegou a publicar que, até o advento do mensalão, Maluf personificava a corrupção no Brasil, e malufar era sinônimo de roubar os cofres públicos.

O flibusteiro libanês também foi condenado à prisão pela justiça francesa e figura na lista de procurados da Interpol desde 2010. Também defendeu Lula em várias oportunidades, foi contra o impeachment de Dilma (mas mudou de lado durante o jogo) e votou a favor do sepultamento das denúncias de Janot contra Temer. Durante quase meio século de vida pública, foi alvo de não sei quantas ações criminais, mas sempre foi mestre em lançar mão de chicanas para empurrar a decisão final para as calendas. A idade avançada (o sacripanta tem 87 anos) já lhe concedeu o benefício da prescrição de alguns processos como o que tratava da obra do túnel Ayrton Senna, arquivado em 2009 porque o aldrabão já tinha mais de 70 anos. Mas sua maior proeza foi escapar da Lei da Ficha-Limpa: em 2010, mesmo condenado por improbidade administrativa, o turco ladrão convenceu a Justiça Eleitoral de que o delito cometido tinha caráter culposo, não doloso. Registre-se que ele jamais admitiu seus crimes; o bordão “não tenho nem nunca tive conta no exterior” continua sendo a sua principal retórica (qualquer semelhança com outro larápio sem vergonha, que se diz a alma viva mais honesta da galáxia, talvez não seja mera coincidência).

O fato é que a estrutura da Justiça Eleitoral é ainda mais precária do que a do STF. Além de tocar os processos e investigações, as cortes eleitorais também organizam eleições, conferem a regularidade das candidaturas, a prestação de contas das campanhas etc. A própria ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, foi contrária ao envio de todos os processos envolvendo crimes conexos ao de caixa 2 à Justiça Eleitoral. O vice, ministro Luís Roberto Barroso, ponderou que mexer em uma estrutura que está dando certo e passar para outra que absolutamente não está preparada para isso não dará bons resultados. Luiz Fux, que antecedeu Rosa na presidência, disse que a Justiça Eleitoral está habituada a lidar somente com crimes de menor complexidade, como coagir o eleitor, transportar eleitores no dia da votação e outros de pequena monta. Pena que, a exemplo de Edson Fachin e Cármen Lúcia, os três foram votos vencidos.

Observação: O pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, apresentado pelo PSDB, logo após a eleição de 2014, “para encher o saco do PT” (nas palavras do candidato derrotado Aécio Neves) é um ótimo exemplo de como as coisas caminham nessa Justiça especializada. A ação só foi julgada pelo TSE em meados 2017, e a “absolvição por excesso de provas” (com direito à confissão do marqueteiro João Santana e extratos de pagamentos na Suíça) virou motivo de chacota. O procurador-geral do Ministério Público de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, sintetizou a farsa orquestrada pelo então presidente do TSE da seguinte maneira: "É um dia que deve ser esquecido na literatura do Direito Eleitoral. Ninguém vai conseguir explicar esse julgamento na sala de aula. Ninguém!". Ah, faltou dizer que quem presidia o TSE em 2017 era o ministro Gilmar Mendes, a quem o jornalista J.R. Guzzo já definiu brilhantemente como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”.

Para o jornalista Carlos Brickmann, se a Justiça Eleitoral não está equipada para julgar todos os envolvidos, bastaria equipá-la. O próprio STF não estava equipado para julgar casos criminais, mas recorreu a juízes auxiliares e deu certo — bom, mais ou menos (este aparte é meu). É claro que quem for apanhado alegará Caixa 2, mas, se a Justiça Eleitoral se readaptar, essa vantagem logo desaparecerá. 

Brickmann diz ainda que seria melhor a Justiça Eleitoral ser extinta e as eleições serem organizadas sem tanto juiz no meio. Ele também relembra que Lula não é beneficiado pela decisão do STF (o molusco ascoso foi condenado por fatos ocorridos no exercício do mandato, quando já tinha sido eleito e tomado posse, o que nada tem a ver com eventual Caixa 2, e os empresários condenados por pagar propina também não se beneficiam).

Talvez uma Justiça Eleitoral como a brasileira não seja única no mundo, mas certamente é um exemplar raro. Em outros países, as eleições são organizadas pelo Executivo, ou (em menos casos) por uma repartição pública específica, mas sem poderes de julgamento. Se não houvesse Justiça Eleitoral, irregularidades em eleições cairiam todas na Justiça comum, e o problema estaria resolvido (ou nem haveria problema a resolver).

Para não estender ainda mais esta postagem, a conclusão fica para a próxima. Enquanto isso, assista a este vídeo:

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TRISTE DO PAÍS QUE PRECISA DE HERÓIS



Podem-se contar nos dedos os heróis nacionais tupiniquins. Além Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, resta quem? Há uma lista com 43 heróis e heroínas oficiais do Brasil, cujos nomes estão escritos em páginas de aço no Panteão da Pátria em Brasília, mas eles estão longe de ser, digamos, uma unanimidade: figuras Zumbi, Chico Mendes ou Deodoro da Fonseca mostram bem o tipo de qualidades requeridas para um cidadão receber o certificado de herói brasileiro.

O jornalista J.R. Guzzo, cuja coluna quinzenal é quase tudo que restou da revista Veja que ainda vale a pena ler, relembra que depois de Tiradentes não se produziu um único herói nacional que honre o título. No passado remoto, houve Anhanguera, Fernão Dias e Raposo Tavares, mas, se você lembrar esses nomes, a CNBB, o Papa Francisco e a Comissão de Direitos Humanos da ONU podem vir com acusações de genocídio contra os índios; melhor não mexer com isso. 

Por outro lado, dependendo da sua imagem nas classes intelectuais, liberais, progressistas etc., ser herói é uma das coisas mais fáceis desta vida: basta obter uma certidão de “pessoa de esquerda”. Assassinos patológicos como um Carlos Marighela, por exemplo, têm direito a estrelar, no papel de salvador do Brasil, filmes pagos com o dinheiro dos seus impostos. Um psicopata homicida como Carlos Lamarca chegou a ganhar uma estátua num parque florestal de São Paulo. A vereadora Marielle Franco jamais recebeu uma única citação por algo de útil que tenha feito em toda a sua vida política, mas, depois de ser assassinada “pelo fascismo”, passou a ser tratada como um dos maiores colossos da história nacional.

O herói dos comunicadores, neste momento, é o ex-deputado Jean Wyllys. A soma total das realizações de sua existência se resume a ter ganhado, anos atrás, o prêmio de um programa de televisão que compete com o que existe de pior na luta pela audiência das classes Y e Z. Outra foi cuspir, no conforto de quem está cercado por um bolo de gente, num colega na Câmara dos Deputados justamente o que acabaria se tornando o atual presidente da República, vejam só. Agora, alegando subitamente ameaças à própria vida na internet, Wyllys abandonou o mandato, os eleitores e suas promessas de “resistência” e fugiu para a Espanha. Pronto: virou herói instantâneo. Agredido mesmo nessa disputa foi Bolsonaro, vítima de uma tentativa de homicídio que quase lhe tirou a vida e acaba de exigir uma terceira cirurgia, com sete horas de duração. Mas o mártir é a figura que cuspiu.

Neste país do Deus me livre, o presidente que derrotou o fantoche do presidiário de Curitiba é malhado como boneco de pano em Sábado de Aleluia. No mês passado, durante o Fórum Mundial de Davos, ele foi criticado porque seu discurso durou apenas uns poucos minutos. Durante a campanha, foi criticado sistematicamente por não ter participado dos debates. Para seus detratores, o fato de estar evacuando numa aviltante bolsa de colostomia, resultado de um atentado que quase o matou, era uma questão de somenos. Chegaram mesmo a dizer que a facada foi encomendada pelo próprio Bolsonaro, como forma de alavancar sua campanha. Ou seja: rebaixaram uma clara tentativa de homicídio ao nível de um ataque pra lá de suspeito, desfechado contra um ônibus da caravana de Lula, quando o ícone da podridão petista ainda perambulava livremente pelo país, regurgitando sua cantilena vitimista para quem se dispusesse a ouvir.

Voltando ao discurso de Bolsonaro em Davos, enquanto um chefe de governo da Alemanha ou da Austrália, por exemplo, vai lá quando os seus assessores julgam conveniente, cumpre em 24 horas, ou menos, o programa definido por eles e volta para casa sem apresentar alguma demonstração concreta da possível utilidade pública de sua viagem aos Alpes Suíços — e menos ainda ser julgado pelos “resultados” que obteve —, o presidente do Brasil tem de “performar”, como gostam de dizer os executivos de hoje em dia. Começa a ser cobrado antes mesmo de desembarcar, e não tem mais sossego até esquecerem do assunto uns dias depois de sua volta à Brasília. 

Quantos bilhões de dólares em investimentos Bolsonaro conseguiu atrair para a economia brasileira? “Interagiu” direito com os líderes mundiais que estavam ao seu redor? Foi elogiado pelos sábios das ciências econômicas, políticas e sociais presentes? Já é muito difícil, em condições normais, atender às expectativas da banca examinadora, mas se o presidente da República se chama Jair Bolsonaro, como é o caso no presente momento da nossa história, aí você já pode esquecer: vai voltar de Davos com um zero no boletim, seja lá o que tenha feito ou deixado de fazer durante sua participação no evento.

Como na história do Velho, o menino e o burro (para relembrar essa fábula, siga este link), Bolsonaro será criticado “por ter cachorro e por não ter”. Entre tudo o que disse em sua estreia no cenário internacional, não conseguiu acertar uma. Levou uma comitiva pequena demais, o que, segundo a crítica, mostrou o seu pouco caso com a grandiosidade da conferência. Ficou num hotel excessivamente barato, o que seria um desprestígio para a majestade do Estado brasileiro. Foi almoçar num bandejão do centro da cidade, por 19 francos suíços; foi condenado pela prática de “demagogia barata”. Pior ainda: causou, potencialmente, prejuízos econômicos de valor inestimável para o Brasil, já que deveria ter aproveitado a hora do almoço para levar “grandes investidores”, etc., a algum restaurante de primeira classe e, assim, fechar negócios vitais para o interesse público nacional. Que investidores? Que negócios? Não foram fornecidas informações a respeito. Seu discurso foi acusado de ser “muito curto”, sem que os inquisidores especificassem qual seria a duração correta, em sua avaliação, da fala presidencial.

O conselho de sentença se manifestou particularmente chocado com o que considerou a “superficialidade” das palavras de Bolsonaro. Mas não se esclareceu, em nenhum momento, qual o nível de profundidade que o discurso deveria ter atingido, nem se fez qualquer comparação com os discursos dos quatro outros presidentes brasileiros que foram a Davos Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. O que teria qualquer um deles dito de útil, inteligente ou inovador para escapar da reprovação por superficialidade? De FHC ninguém se lembra mais nada; Lula falou que os “países ricos” deveriam se comportar melhor com os países pobres, ou alguma coisa com esse grau de originalidade; Dilma, na prática, entrou muda e saiu calada o que com certeza foi uma grande sorte para todos, levando-se em conta as coisas prodigiosas que costuma dizer toda vez que abre a boca para falar em público —, e Temer revelou que era importante “fazer a reforma da previdência”— o que, francamente, não impressionou ninguém pela profundidade. Em suma: nada que se possa aproveitar nestes últimos 25 anos. Mas como Bolsonaro é Bolsonaro, sua participação foi julgada “um fiasco histórico”. Vejam que ele não foi poupado sequer da catástrofe ocorrida há pouco mais de uma semana em Brumadinho — resultado, segundo alguns falastrões de cabeça não pensante, da privatização da Vale nos anos 1990 e da insensibilidade do atual governo ao tema do meio ambiente. 

Observação: Tomando em consideração isso tudo, a melhor coisa que Bolsonaro fez em Davos foi não ter comparecido à entrevista coletiva à imprensa que estava no programa e na qual só iria receber perguntas com o teor de qualidade mental que se percebe acima. Com uma cirurgia altamente complicada para dali a três dias, preferiu repousar um pouco. O público não perdeu absolutamente nada com a sua decisão.

Magistrados dos tribunais das redes sociais, sem compromisso algum com a realidade e com os efeitos que possam causar aos outros, condenam sem julgar tudo, absolutamente tudo, que seus desafetos dizem ou fazem. Quando Lula “foi impedido” de comparecer ao enterro de Vavá — por uma série de motivos que não vou enumerar novamente porque já o fiz em três ou quatro postagens recentes —, a caterva esquerdopata só faltou dizer que Bolsonaro encomendou a morte do irmão de seu amado lidar apenas para impedi-lo de participar da cerimônia fúnebre. No entanto, depois de conseguir sinal verde do ministro Dias Toffoli, o sevandija vermelho desistiu ao saber que a reunião teria de acontecer numa base militar, sem a presença de manifestantes e da imprensa. Isso deixou claro como o dia que sua intenção era transformar em palanque o esquife do irmão, a exemplo do que havia feito com o da mulher em 2017.

Para os esquerdopatas de plantão e outros boçais, porém, as restrições impostas for Toffoli foram um “sequestro” dos direitos do ex-presidente, o que demonstra que as pessoas se impõem a obrigação de dar opinião sobre tudo, saibam ou não a respeito do que falam, tenham ou não informações mínimas sobre o assunto de que tratam.

Como bem pontuou Dora Kramer, o que se tem com isso é um misto de superficialidade e distorção, cujo resultado é um elogio permanente à ignorância. Seus autores são todos uns indignados de plantão, donos da convicção de que suas opiniões dão rumo ao mundo. Tomando emprestada de Nelson Rodrigues a expressão e pedindo licença para trabalhar no seu inverso, formariam com louvor na tropa dos imbecis da falta de objetividade.

Triste Brasil.

domingo, 20 de janeiro de 2019

NÃO DÁ PARA MUDAR O BRASIL EM APENAS TRÊS SEMANAS


Encerrei a postagem de sábado pensando em dedicar a de hoje ao imbróglio Queiroz/Bolsonaro, que, a exemplo do caso João de Deus, tem novos e emocionantes capítulos todos os dias. Aliás, na semana passada o médium molestador se tornou réu pela segunda vez. Na denúncia aceita pela juíza Rosângela Rodrigues dos Santos, o Ministério Público se baseou em relatos de 13 vítimas, que tinham entre 8 e 47 anos quando os crimes ocorreram, mas em apenas cinco dos casos — quatro estupros de vulnerável e um de violência sexual mediante fraude — não houve prescrição.

O imbróglio envolvendo Flávio Bolsonaro se complica ainda mais rapidamente e promete dar muito pano pra manga. Sempre que eu pensava ter concluído o texto, novos desdobramentos me levavam a começar tudo outra vez. Então, para entregar um apanhado "aceitavelmente atualizado", resolvi postergar a publicação (para amanhã ou depois, conforme o andar da carruagem). Por ora, fiquem com mais um excelente artigo do jornalista J.R. Guzzo e minhas considerações finais:

Já foi dito, mas vale a pena dizer de novo: o Brasil anda muito nervoso. Uma das manifestações mais comuns desta ansiedade é a cobrança de resultados concretos do governo de Jair Bolsonaro. E então: onde está a reforma da Previdência? Por que ainda não fecharam o Incra, o Ibama e a Funai? Quantos funcionários enfiados na máquina pública pelo PT (tudo peixe graúdo, ganhando de 50.000 reais por mês para cima) já foram demitidos? Por que o Brasil, até agora, não rompeu com a Venezuela? Onde estão os números de queda no índice de homicídios? E as privatizações: alguém já viu alguma privatização sendo feita? Fecharam a empresa do “Trem Bala”? Por que tanta gente fala e tão pouca coisa acontece? Enfim: porque esse governo não faz nada? 

Uma possível resposta para isso talvez esteja no calendário: quando se faz as contas, o novo governo não terá completado um mês quando o leitor estiver lendo este artigo. É verdade que já deu tempo para a ministra Damares pegar no pulo uma espetacular marmelada da era anterior um contrato pelo qual você iria pagar 45 milhões de reais, isso mesmo, para instruir as populações indígenas no uso de criptomoedas, ideia que realmente só poderia ocorrer a alguém depois dos dezesseis anos de roubalheira alucinada dos governos Lula-Dilma. Mas pouca gente parece disposta a considerar que três semanas são um prazo muito curto para mudar o Brasil, trabalho que vai exigir os quatro anos inteiros do governo Bolsonaro e sabe-se lá quanto mais tempo ainda.

O mercado, mais do que ninguém, dá sinais de que está entendendo a situação com muito mais realismo, objetividade e bom senso falando com dinheiro, e não com ideias, os investidores fizeram a Bolsa de Valores bater todos os seus recordes nos últimos dias, e o dólar, eterno refúgio nas horas de medo, recuou para a sua menor cotação em dois meses. O recado aí é o seguinte: o país vai mudar, sim, na verdade já está mudando e parece estar engrenado para mudar mais do que em qualquer outra época de sua história econômica recente. Essa percepção se baseia num fato essencial. Seja lá o que o governo fizer, seja qual for o seu grau de competência na administração da máquina pública, ou seja lá quanto sucesso efetivo tiver na execução dos seus projetos, uma coisa é 100% certa: Bolsonaro, desde já e ao longo dos próximos quatro anos, vai fazer basicamente o exato contrário do que foi feito nos dezesseis anos de lula-dilmismo, incluindo o arremate dado por seu vice-presidente e aliado histórico Michel Temer. Não é muito complicado. Mesmo um governo presidido pelo centroavante Deyverson inspiraria mais confiança, aqui e no exterior, do que qualquer gestão do PT. Pense, por 45 segundos, como estaria a situação se o presidente empossado no dia 1º. de janeiro tivesse sido Fernando Haddad, em vez de Jair Bolsonaro. Pronto. Não é preciso perder seu tempo com mais nada.

Os ministros escolhidos, em geral, parecem realmente os mais indicados para executar o trabalho que o governo se propõe a fazer. Sempre é possível que haja um bobo entre eles mas até agora ainda não se descobriu quem é. A dúzia de generais, ou algo assim, que foram para o ministério ou primeiro escalão, até agora só incomodaram os jornalistas; para o governo, deram prestígio moral, autoridade e a imagem de que o Brasil está sendo dirigido por gente séria. Os ministros mais atacados, como os do Meio Ambiente, Relações Exteriores e Justiça, passam a impressão de que sabem perfeitamente o que estão fazendo e de que estão muito seguros quanto aos seus objetivos práticos. A impossibilidade de lidar com o Congresso, apresentada como fato cientifico durante a campanha, não impressiona ninguém, a começar pelo Congresso. As reformas mais complicadas na organização do país têm boas chances de serem aprovadas e isso, por si só, promete uma virada vigorosa na economia. O que está faltando, mesmo, é mais tempo para o governo acontecer. Três semanas é muito pouco.

O resto é conversa mole de uma oposição irresponsável, comandada pela maior quadrilha política da história brasileira. Essa merda continuará fedendo enquanto ninguém tiver peito de puxar a descarga. Até lá, a podridão que arruinou o Brasil e foi derrotada nas urnas tentará ressurgir, travestida de guerreira da falsidade e com o nítido propósito de manter o país em ruínas para depois dizer: eu não avisei?

Pobre povo ignorante este nosso, que atura calado tamanho descalabro.

sábado, 5 de janeiro de 2019

MICHEL TEMER — TCHAU, QUERIDO!



Muita gente achava que Michel Miguel Elias Temer Luria, o impoluto, passaria a faixa presidencial para o sucessor, desceria a rampa do Planalto e encontraria a sua espera uma viatura da PF. Outros achavam que ele correria para o aeroporto e embarcaria no primeiro voo para Portugal. Especulações à parte, o fato é que, sem foro privilegiado, o agora ex-presidente estará sujeito a uma penca de investigações na 1ª instância — isso sem mencionar que indícios de 5 outros crimes envolvendo sua excelência foram descortinados pelo inquérito sobre o Decreto dos Portos. 

Por se referirem a fatos anteriores ao mandato presidencial, as novas suspeitas não integraram a denúncia da PGR, de modo que caberá aos procuradores que atuam na instância ordinária analisá-las e oferecer novas denúncias — o que pode demorar semanas, já que é preciso um despacho dos relatores dos inquéritos no STF enviando-os para a vara federal competente, onde eles passarão a ser de responsabilidade dos respectivos procuradores.

Temer farejou “o começo do fim” quando vieram a público detalhes de sua conversa nada republicana com Joesley Batista, o moedor de carne bilionário dono da JBS, durante uma reuniãozinha pra lá de suspeita, tarde de noite, nos porões do Jaburu. O Presidente cogitou renunciar, mas sua tropa de choque o convenceu de que o tempo cura qualquer ferida e o episódio não daria em nada. Só que o tempo também abre novas feridas, e os episódios subsequentes, sobretudo as denúncias oferecidas por Rodrigo Janot e as artimanhas imorais usadas para barrar as investigações, pegaram mal para o chefe do Executivo, mesmo numa republiqueta de bananas onde o fedor da corrupção emana da Praça dos 3 Poderes como o de peixe morto da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Temer amargou índices de rejeição sem paradigma na história recente deste país, mas o quadro se reverteu no finalizando do ano e ele deixou a Presidência com avaliação de ruim ou péssimo na casa dos 62%. Levando-se em conta seus respectivos últimos dias no poder, só tiveram rejeição numericamente maior os dois impichados — Collor (68%) e Dilma Rousseff (63%). A nota média, de 0 a 10, atribuída ao desempenho de Temer foi 3,4, seu melhor resultado desde dezembro de 2016. Na comparação com Dilma, 44% dos entrevistados pelo Datafolha disseram que a administração do emedebista foi pior e apenas 20%, que foi melhor (vai ver a pesquisa foi feita no Sindicato do Metalúrgicos de SBC, na sede do Instituto Lula e nos acampamentos do MST).

Só os petistas não veem (ou se recusam a reconhecer) que o Vampiro do Jaburu entregou a Bolsonaro um país em condições bem melhores do que recebeu da sua predecessora — seguramente a pior presidente da República que o Brasil teve nas últimas 3 décadas. Mesmo assim, o governo que ora se inicia tem uma árdua missão pela frente, começando por sancionar ou vetar (até o próximo dia 15) nada menos que 23 projetos deixados pelo pela gestão anterior, entre os quais um que institui a “Semana Nacional de Prevenção à Gravidez Adolescente não planejada” e outro que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2019.

Bolsonaro determinou um “pente fino” nas nomeações, transferências e movimentações financeiras dos últimos 30 dias da administração de seu antecessor, visto que foram detectados gastos e nomeações incomuns nos últimos dias do governo. Além disso, deu aval para a exoneração em massa de funcionários comissionados (ação que o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, chamou de “despetização”). Aliás, a faxina teve início na própria Casa Civil, com a exoneração de todos os cargos de confiança da pasta — e Onyx prometeu escolhas técnicas para cargos do segundo e terceiro escalões do governo.

Pato manco — ou lame duck, em inglês — é como os norte-americanos se referem a políticos em final de mandato, que passam os últimos dias no cargo cumprindo compromissos protocolares, e a quem os garçons palacianos servem a água sem gelo e café frio. Mesmo nessa condição, o Michel Miguel Elias Temer Luria não se furtou a rechear seus últimos dias com decisões que despertaram preocupação na equipe do atual governo. Um bom exemplo foi uma medida provisória, assinada a 11 dias do final do mandato, que determina a cisão parcial da Infraero e a criação da estatal NAV Brasil, que será responsável pelo controle aéreo. Isso uma semana depois de o (então futuro) ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, anunciar que o governo Bolsonaro pretende conceder toda a rede de aeroportos do país para a iniciativa privada e, dentro de aproximadamente três anos, acabar com a Infraero, responsável pela administração desses terminais.

Observação: Um levantamento do Observatório das Estatais, vinculado a FGV, informou recentemente que o Brasil tem 418 empresas controladas direta ou indiretamente por União, estados e municípios, que empregam mais de 800 mil pessoas — dessas, 138 são federais.

Tudo somado e subtraído, o período de transição — assim considerados os 64 dias contados da eleição de Bolsonaro, em 28 de outubro, e sua posse, três dias atrás — transcorreu em relativa paz, tendo o próprio Bolsonaro reconhecido que “muita coisa feita pelo governo anterior será mantida”. Também conta pontos a favor de Temer a decisão (tomada depois de muitas idas e vindas) de não conceder indulto natalino em 2018 — até porque o insulto anterior foi contestado pela PGR e ainda está “pendurado no Supremo” (o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux no final de novembro passado).

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

ANO NOVO, GOVERNO NOVO — AGORA É PRA VALER



Desta vez a virada do ano foi bem mais que uma simples "virada de página" no calendário. No primeiro dia de 2019, a cerimônia de posse jogou a derradeira pá de terra sobre o esquife dos governos petistas, dos quais a gestão de Temer foi uma espécie de terceiro tempo. A efeméride transcorreu sem problemas, felizmente, o que não surpreende: foi montado o maior esquema de segurança de toda a história desta Banânia, e não sem razão: no último dia de 2018, uma operação contra um grupo que ameaçava um atentado apreendeu um manual para fabricar explosivos em um dos endereços que foram vasculhados.

Por tabela, a passagem da faixa presidencial possibilita à Justiça dar andamento aos (pelo menos 7) inquéritos que investigam Michel Temer por atos pouco ou nada republicanos. E falando no já ex-presidente, de se aplaudir sua decisão de não conceder o insulto de Natal versão 2018 — já basta a polêmica edição anterior, que ainda está “pendurada no Supremo” (o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, no final de novembro passado).

O indulto natalino foi reinstituído em 1988 pela Constituição Cidadã (na qual a palavra “direito” é mencionada 76 vezes, enquanto “dever” aparece em apenas 4 oportunidades), mas esta é a primeira vez que um presidente decide não o conceder o benefício. É bom a bandidagem “já ir” se acostumando: Jair Bolsonaro avisou que não haverá indulto natalino durante seu governo (o que deixou o laxante supremo Marco Aurélio inconformado, mas isso já é outra conversa).

Falando em Bolsonaro, circulam pelas redes sociais posts e vídeos segundo os quais ele sofre de um câncer no estômago e o atentado de que ele foi vítima em 6 de setembro, durante um ato de campanha no município mineiro de Juiz de Fora, teria sido uma simulação com o objetivo de esconder a cirurgia a que tinha de ser submetido para tratar a doença. Tudo isso não passa de “teoria da conspiração” (ou fake news, para quem preferir), embora um desses vídeos (muito bem editado, diga-se) venha sendo levado a sério, e não só pelos esquerdopatas habituais.

Observação: Considerando que mais de 40 milhões de eleitores manifestaram nas urnas o desejo de ser presididos por um presidiário representado por um desqualificado que se sujeitou a fazer o papel de “boneco de ventríloquo”, a crença nessas bobagens, vinda de quem vem, não chega a surpreender. Aliás, sempre tem alguém pronto para ser convencido do que a Terra é oca (ou mesmo plana), que o homem jamais pisou na Lua, que JFK, Elvis Presley e Michel Jackson estão vivinhos da silva, que Shakespeare nunca existiu, que a morte da princesa Diana foi planejada, que Lula foi condenado sem provas, e por aí segue a procissão.  

Enquanto as versões sussurram, os fatos gritam: O médico Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo, que atendeu Bolsonaro, afirma que ele não tem câncer nenhum, que sofreu uma facada, uma tentativa de assassinato, e que quem diz o contrário é completamente ignorante. Em entrevista ao G1, o médico explicou que não é oncologista, como assevera o falso texto que circula na internet, e sim cirurgião-geral do aparelho digestivo. Disse também que faz mais de 600 cirurgias por ano, e que, por conta dessa experiência, foi escolhido pela família para atender o então candidato.

Em setembro, depois de operar a barriga de Bolsonaro por completo, Macedo elogiou o trabalho dos colegas que atenderam o então candidato em Juiz de Fora e afirmou que facada provocou derramamento de fezes e sangue, causando inflamação e aderência de áreas afetadas pelos ferimentos, e que para liberar essas aderências foi preciso fazer a cirurgia em São Paulo.

A ausência de sangue na camiseta de Bolsonaro no momento do ataque levantou suspeitas de que ele não teria sido atingido, ou, ao menos, não com gravidade. No entanto, médicos ouvidos pelo R7 informaram que, em perfurações como aquela, o sangue jorra para a cavidade abdominal e só vaza quando ela está muito cheia. A foto em que ele aparece entrando num hospital com a mesma camiseta de quando foi atacado também induziu alguns a achar que algo estaria errado, mas o registro foi feito na manhã do dia 06/09, e o atentado ocorreu às 15h40.

Teorias conspiratórias são comuns, mas algumas são lamentáveis. Antes que ficasse evidente a gravidade do ferimento, esquerdistas expressavam a certeza de uma ação à moda do prefeito de Sucupira “Odorico Paraguaçu”, na novela “O Bem-Amado”, que praticava atos de sabotagem contra a própria gestão para pôr a culpa da oposição. Não havia qualquer indício disso, a não ser o puro desejo de maldizer um adversário.

A extrema-direita, representada com muita propriedade pelos admiradores e partidários de Bolsonaro, faziam o contrário: o ataque seria, na verdade, uma urdidura de esquerdistas para impedir a vitória certa do mito. Tudo ficou pior quando veio à luz a, vamos dizer, “ficha partidária” do agressor, que foi filiado ao PSOL de Uberaba de 2007 a 2014.

Segundo o jornalista Reinaldo Azevedo, uma agressão cometida naquelas circunstâncias, em meio a uma multidão, não teria como ser “controlada”. Ainda que a intenção fosse “machucar pouco”, o risco seria, por si, gigantesco. As imagens que vieram a público desautorizam qualquer possibilidade de uma tramoia. Tivesse havido, certamente não teria contado com a anuência do agredido.

Adélio Bispo de Oliveira, o agressor que alguns querem ver como um perigoso esquerdista, está mais para um desequilibrado. Ele recitava mantras de esquerda, associava o presidenciável a um asno e afirmava que sua popularidade era maior entre os menos estudados, embora o grosso do eleitorado do deputado-capitão fosse composto de pessoas com curso superior e mais endinheiradas. Não se sabe ao certo quais foram as motivações desse desqualificado, mas sabe-se que ele foi filiado ao PSOL entre 2007 e 2014, embora não haja provas de que tenha sido militante. São falsas, porém, as informações de que ele teria sido ligado ao PT. Quanto a quem está bancando sua defesa, bem, essa é a pergunta de um milhão.

Sem embargo de voltar com mais detalhes numa próxima oportunidade, adianto que, no dia 21 de dezembro, a PF cumpriu um mandado de busca e apreensão no escritório de Zanone Manuel de Oliveira Júnior, um dos advogados que defendem Adélio. O propósito da "visita" era apreender documentos, celulares e computadores para descobrir quem está pagando a conta — segundo o delegado responsável pelo caso, a polícia trabalha com a hipótese de que o advogado poderia estar sendo financiado por uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas ou por um grupo político.

O juiz federal Bruno Savino declarou haver "materialidade delitiva" na denúncia oferecida pelo MPF contra Bispo. O documento atesta que houve prisão em flagrante "por [Bispo] ter desferido uma facada no abdômen [de Bolsonaro]". Mas muitas perguntas permanecem sem resposta.

Haveria ainda muito a dizer, mas todos nós temos mais o que fazer. Portanto, tomo a liberdade de mudar o foco e encerrar este texto com uma pérola de Augusto Nunes:

A chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto será para sempre associada à expressão “pela primeira vez”. Pela primeira vez, um candidato à Presidência da República sofreu um atentado durante a campanha. Em consequência disso, pela primeira vez o vitorioso passou no hospital a maior parte da temporada oficial de caça ao voto. Pela primeira vez, um concorrente à chefia do Executivo não participou da maioria dos debates. Pela primeira vez, o vencedor mostrou a crescente irrelevância das entrevistas na Rede Globo e no horário eleitoral. Pela primeira vez, um candidato não precisou apoiar-se numa forte aliança partidária para se eleger. Tomara que, pela primeira vez em muitos anos, o Brasil tenha um bom governo.