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segunda-feira, 15 de julho de 2019

A VAZA-JATO E AS ESTRIPULIAS DE VERDEVALDO



Em clima de Fla Flu, com torcidas opostas, vaias e fogos lançados do outro lado da margem por manifestantes contrários à sua presença na Feira Literária Pirata das Editoras Independentes, o jornalista americano Glenn Greenwald foi saudado como herói pela patuleia e opositores do governo Bolsonaro, ao som de uma versão hardcore de "Bella Ciao" — canção popular italiana que se tornou um símbolo da Resistência italiana contra o Fascismo durante a 2ª Guerra Mundial.

Mesmo diante da pressão, Greenwald avisou que não pretende sair do Brasil: "Sou casado com um brasileiro que eu amo mais do que tudo, nós temos dois filhos brasileiros que adotamos; somos uma família completa, cheia de amor e felicidade, como todos podem ser, inclusive os jovens LGBT neste país. Posso sair do país a qualquer momento, só que eu não estou fazendo isso, nem vou fazer. Porque 15 anos atrás eu me apaixonei pelo Brasil". E aproveitou a ocasião para revelar em que pé estão os trabalhos de apuração do The Intercept Brasil: "Estamos muito mais perto do começo do que do final. Temos muito mais para revelar. Quando perceberam a importância do material, todos os jornalistas do Brasil nos procuraram querendo trabalhar com a gente como parceiros. Todos, menos um: a Globo. Para os jornalistas da Globo, é um crime fazer jornalismo. Só com fascistas e racistas o Bolsonaro conseguiu ter 15% dos votos. O país pelo qual me apaixonei não é isso. Ele é feito de pessoas diferentes. Só a democracia pode unir esse país."

Algumas pessoas parecem ter nascido com o único propósito de atazanar a vida alheia. E Verdevaldo se destaca entre os membros dessa seleta confraria. A propósito da Vaza-Jato, escreveu Diogo Mainardi na revista eletrônica Crusoé:

A imprensa resistiu ao AI-5, mas não vai resistir a Glenn Greenwald. Como é que a Veja, depois de denunciar a gatunagem lulista por mais de dez anos, sendo retaliada por aquela gente, pode compartilhar mensagens obtidas por criminosos, com o único propósito de enterrar a Lava-Jato e tirar da cadeia Lula e seus comparsas? Como é que a Folha, que sempre se vangloriou de sua autonomia, pode sucumbir às imposturas militantes de um bando de piratas, que manipula e falseia o produto de um crime para inocentar os membros de uma quadrilha? Os leitores vão castigá-los duramente. E o descrédito vai se espalhar para todos os lados.

O complexo de vira-latas dos jornalistas brasileiros permite que o aventureiro americano passe o dia inteiro no Twitter, arrotando platitudes sobre a liberdade de imprensa, como um novo Thomas Jefferson. Mas ele não é nada disso. Depois de quatro semanas de intenso agitprop, o plano de Verdevaldo para desmoralizar a Lava-Jato e libertar o chefe da ORCRIM está se revelando um fiasco. E o motivo é um só: Sergio Moro e Deltan Dallagnol, ao contrário dos bandidos que eles prenderam, fizeram tudo certinho, sem atropelar a lei.

O AI-5 de Verdevaldo não tem DOI-CODI nem pau-de-arara: a imprensa entregou-se espontaneamente a seu algoz. Se os jornalistas quiserem, posso torturá-los ainda mais, contando o que vai ocorrer a partir de agora. Em primeiro lugar, a PF vai prender o responsável pelos ataques aos telefones celulares dos procuradores de Curitiba. Em seguida, sua rede de contatos também será revelada. Quando esses nomes vierem à tona, a trama lulista vai explodir espetacularmente. Eu sei disso porque é o que vem se repetindo há quatro anos e meio. Já vimos essa história: criminosos muito poderosos se mobilizam para destruir a Lava-Jato, advogados bombardeiam a imprensa com falsos vazamentos e pareceres de juristas coniventes, ministros do STF tentam intimidar Sergio Moro e, no fim, os bandidos terminam na cadeia. Desta vez, porém, há uma novidade: o golpe partiu da imprensa. E ela, tristemente, vai se espatifar.

Um mês antes das eleições americanas de 2016, Greenwald publicou com um colega uma matéria no site The Intercept, criado por ele em 2013. Com o título “Exclusivo: novo vazamento de e-mails revela relação próxima da campanha de Clinton com a imprensa”, o texto expunha o conteúdo de mensagens trocadas entre a equipe da candidata democrata Hillary Clinton e jornalistas. Entre as táticas usadas para manipular a imprensa, citava-se o oferecimento de bebidas e comida para jornalistas em reuniões para transmitir informações e sugestões de entrevistados para os programas de televisão. A fonte dos dados, segundo o site, identificava-se como Guccifer 2.0 — um nome já conhecido.

Dois dias antes, o Departamento de Segurança Interna e o diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos soltaram um comunicado dizendo-se convictos de que o governo russo estava por trás dos roubos de e-mails de cidadãos e instituições americanas, incluindo de organizações políticas. “As revelações recentes de e-mails supostamente hackeados em sites como DCLeaks.com e Wikileaks, e pela identidade online Guccifer 2.0, são consistentes com os métodos e motivações russos”, dizia a nota. “Nós acreditamos que somente oficiais de alto nível da Rússia poderiam ter autorizado essas atividades.”

O alerta não deteve Greenwald, mesmo em plena campanha eleitoral. Na matéria do Intercept, ele se explicava: “Na sexta-feira, autoridades do governo de Barack Obama alegaram que os funcionários de alto nível da Rússia foram responsáveis por este e outros ataques, embora não tenham fornecido nenhuma evidência para essa afirmação”. Nem a origem criminosa dos documentos nem o interesse evidente de quem forneceu os dados — agente russos — evitaram a publicação da matéria.

O padrão parece ter se repetido no Brasil. Na divulgação das conversas entre Sergio Moro e os procuradores da Lava-Jato, Greenwald também não se importou com a forma como o material fora obtido (se é mesmo que ele não sabe) ou com o óbvio direcionamento dos alvos: somente juízes e investigadores envolvidos em decisões desfavoráveis aos acusados pela Lava-Jato tiveram seus dados vazados. Ao ser perguntado por Crusoé sobre essa seletividade, respondeu: “Qualquer sugestão de que eu me oponho à Lava-Jato é totalmente ridícula”.

Os métodos de Greenwald se encaixam naquilo que é conhecido como “jornalismo ativista”, “jornalismo de oposição” ou “jornalismo de choque”. A prática usa as premissas que regem a profissão — como a preservação da fonte e a busca do interesse público — para atingir apenas rivais. Seu sobrenome até deu origem a um verbo em inglês: “greenwalding”. Em 2016, o termo entrou no site Urban Dictionary, em que os leitores elencam acepções para as palavras e votam nas melhores. Uma das mais populares é: pinçar um conteúdo e tirá-lo do contexto com o objetivo de difamar alguém”.

Os alvos de Greenwald são todos aqueles que, em sua visão de mundo, abusam de sua condição de poder. Trata-se de um grupo eclético, que inclui o Partido Democrata, as elites, o jornal The Washington Post, a Globo, os ricos (embora seja financiado por um bilionário), o FBI, a CIA, Israel, o Reino Unido, o ex-procurador especial dos Estados Unidos Robert Mueller, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro e a operação Lava-Jato quando o alvo é o PT. “Moro e os procuradores da Lava-Jato são figuras altamente controversas aqui e no mundo — tidos por muitos como heróis anticorrupção e acusados por tantos outros de ser ideólogos clandestinos de direita, disfarçados como homens da lei apolíticos. Seus críticos têm insistido que eles exploraram e abusaram de seus poderes na Justiça com o objetivo político de evitar que Lula retornasse à Presidência e destruir o PT”, diz o Intercept no texto elaborado para justificar a publicação das mensagens roubadas de Deltan Dallagnol.

O gosto pelo enfrentamento, que Greenwald destila quase diariamente em sua conta do Twitter com mais de 1 milhão de seguidores, aflorou ainda em 2005, quando ele criou um blog e começou a criticar a presença militar americana no Iraque. No ano seguinte, ainda na condição de advogado constitucionalista e blogueiro, publicou o livro Como um patriota deveria atuar. O título fazia referência ao Patriot Act, criado pelo presidente George W. Bush como resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. A obra tornou-se um best-seller.

Nos anos seguintes, Greenwald escreveu mais quatro livros. O sucesso editorial abriu as portas para a autoria de colunas no site americano Salon e, mais tarde, no jornal inglês The Guardian. No final de 2012, ele foi procurado por Edward Snowden, um hacker que havia trabalhado na NSA. Snowden entregou a ele documentos que mostravam como as agências americanas vigiavam cidadãos nos Estados Unidos e no resto do planeta, inclusive no Brasil. O material foi publicado por diversos veículos do mundo. Um jornalista do The Washington Post também recebeu material para produzir uma matéria. A experiência, contudo, incomodou Snowden.

No livro Sem lugar para se esconder, Greenwald conta como Snowden reagiu ao ver o Washington Post executando seu ofício. “Em vez de reportar a história rapidamente e de forma agressiva, o Washington Post montou um grande time de advogados, que estava fazendo todo tipo de pedido e dando todo tipo de advertências terríveis. Para a fonte (Snowden), isso mostrou que o Post, em relação ao que ele acreditava ser uma oportunidade jornalística sem precedentes, estava sendo dominado pelo medo em vez de convicção e determinação”, escreve Greenwald. Snowden então fez um pedido: “Agora eu realmente quero que você seja a pessoa que vai reportar isso. Eu o tenho lido há muito tempo e sei que você será agressivo e não terá medo em fazer isso”. Greenwald respondeu: “Eu estou pronto e ansioso. Vamos decidir agora o que preciso fazer”.

Pela divulgação do material de Snowden, Greenwald ganhou o Prêmio Pulitzer de jornalismo em 2014, ao lado do Guardian e do Post. Mas a má experiência em negociar a publicação com veículos da imprensa o levou, ainda em 2013, a pensar em fundar o site The Intercept, em que ele teria mais liberdade para divulgar seu material (os contratos assinados para as colunas no Salon e no Guardian estabeleciam que Greenwald publicaria sem ter de se submeter a um editor).

A empreitada digital começou muito bem. Em 2013, o Intercept recebeu 500 mil dólares do bilionário iraniano Pierre Omidyar, fundador do site de leilões eBay e do PayPal. Nos primeiros anos de vida, os salários da equipe do Intercept foram custeados por Omidyar e pelo rendimento das ações de suas empresas. Entre 2014 e 2017, Greenwald recebeu 1,6 milhão de dólares da First Look Media, de Omidyar. Seu salário em 2015, segundo matéria do jornalista Charles Davis, publicada na Columbia Journalism Review, chegou a 518 mil dólares ao ano, ou 43 mil dólares por mês.

Três anos depois da divulgação dos materiais de Snowden, o Intercept ganhou os holofotes com a divulgação dos e-mails da campanha de Hillary Clinton, juntamente com o Wikileaks, do australiano Julian Assange — que recentemente foi obrigado a sair da embaixada do Equador, em Londres, onde estava refugiado desde 2012, para evitar ser extraditado ou para a Suécia, onde é acusado de estupro, ou para os Estados Unidos, onde é acusado de espionagem. A Justiça do Reino Unido deve enviá-lo para os Estados Unidos. Com Snowden e Assange, Greenwald forma um trio decidido e sempre disposto a defender Vladimir Putin. Snowden hoje vive refugiado na Rússia e mantém contato frequente com Greenwald. “Eu acho que a razão para que Putin tenha aceitado Snowden na Rússia é porque ele simplesmente gostou da ideia de aparecer como um protetor dos direitos humanos contra os Estados Unidos”, disse Greenwald a Ian Parker, jornalista da revista The New Yorker.

Dos três ativistas, Greenwald é o que tem a língua mais afiada. Para cada abuso ou crime cometido a mando de Putin, o americano cria uma história para relativizar o fato. Ou, então, afirma que as evidências não são suficientes para culpar Moscou. Um ex-espião russo e sua filha foram envenenados com Novichok, na Inglaterra, no ano passado? Para Greenwald, os cientistas britânicos mentiram quando disseram que a substância havia sido produzida na Rússia. E atacar rivais políticos é o que fazia também o ex-presidente americano Barack Obama com o uso de drones militares no Oriente Médio. Russos derrubaram um avião de passageiros da Malaysia Airlines que sobrevoava a Ucrânia, em 2014? Greenwald tuitou que a Marinha americana também abateu um avião iraniano em 1988.

No afã de livrar os russos, Greenwald, que é de esquerda, chegou até mesmo a se aproximar de veículos de imprensa favoráveis ao presidente americano Donald Trump. Tudo para argumentar que não houve conluio entre os russos e a campanha do republicano, em 2016. Greenwald chamou as matérias sobre um possível conluio de “histeria russofóbica”. Ao mesmo tempo, passou a atacar impiedosamente o ex-procurador-geral Robert Mueller, que foi responsável pela investigação do caso. “Mesmo que ele (Trump) tenha feito acordos estranhos com a Rússia, eu ainda acho que é do interesse geral não ensinar uma geração inteira, que está se interessando por política pela primeira vez, que os russos são demônios”, disse ele à New Yorker.

Além de preservar Putin, Greenwald é simpático a grupos terroristas muçulmanos, como o Estado Islâmico, a Al Qaeda, o Hamas e o Hezbollah. Em uma conferência de socialistas em Chicago, em 2012, ele disse: “Nós temos organizações na lista de terrorismo que não são nem remotamente uma ameaça para os Estados Unidos, como o Hezbollah e o Hamas. Eles não estão de forma alguma tentando ferir americanos. São devotados a proteger seus cidadãos contra o estado de Israel. Apesar disso, é um crime nos Estados Unidos fazer qualquer coisa que seja entendida como apoio material ao Hezbollah e ao Hamas”. Em 1983, só para lembrar, membros do Hezbollah explodiram dois caminhões-bomba no Líbano e mataram 307 militares que estavam no país como força de paz. Desses, 241 eram americanos.

Para Greenwald, terroristas são as democracias do Ocidente. “Os Estados Unidos, o Reino Unido e seus aliados mataram repetidamente civis muçulmanos na última década (e antes disso), mas os defensores desses governos insistem que isso não pode ser ‘terrorismo’ porque são os combatentes, não civis, que são os alvos. Será que está certo pensar que, quando nações ocidentais matam continuamente civis muçulmanos, isso não é terrorismo, mas quando os muçulmanos matam soldados ocidentais, isso é terrorismo?”, escreveu ele no Guardian, em maio de 2013.

O Brasil entrou na vida de Greenwald principalmente por questões pessoais. Em 2005, o americano conheceu o jovem David Miranda, então com 20 anos, na região da rua Farme de Amoedo, na praia de Ipanema. Casaram-se pouco tempo depois. Miranda, que deixou a escola aos 13 anos, fez supletivo e depois se formou em comunicação, tornou-se mundialmente conhecido por ter sido interrogado por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres. Ele foi pego transportando documentos de Snowden para Greenwald. Ao chegar ao Brasil, começou uma campanha pedindo para a então presidente Dilma Rousseff conceder asilo a Snowden, sem sucesso.

Em 2016, Miranda elegeu-se vereador no Rio de Janeiro pelo PSOL. No ano passado, tentou a Câmara dos Deputados. Com 17 mil votos, tornou-se primeiro suplente da bancada do PSOL. Quando o deputado federal Jean Wyllys, também do PSOL, decidiu deixar o Brasil alegando ameaças de morte, Miranda ocupou seu lugar.

Miranda e Greenwald compartilham uma casa perto da favela da Rocinha e a mesma visão de mundo. “Eu e meu marido estivemos juntos no caso do Snowden e nós lutamos contra os governos mais poderosos do mundo e a CIA, a NSA, o Reino Unido… Estávamos sendo ameaçados o tempo todo”, disse Greenwald, em entrevista para o site Agência Pública, dois dias depois da divulgação das mensagens roubadas do celular de Deltan Dallagnol e que teriam sido entregues ao Intercept por “fonte anônima”. Na mesma entrevista, Greenwald aproveitou para atacar veículos de imprensa brasileiros. Ele afirmou que a “grande mídia” estava trabalhando para a Lava-Jato. Não é um argumento muito diferente do que ele usou contra a imprensa americana, mas com sinal trocado. Ele diz que os veículos do seu país estavam a serviço dos democratas, em 2016. “Quando a grande mídia transforma Moro e a força-tarefa em deuses ou super-heróis, torna-se inevitável o que aconteceu. Os jornalistas pararam de investigar e questionar a Lava-Jato e simplesmente ficaram aplaudindo, apoiando e ajudando”, disse ele. “A Globo foi para a força-tarefa uma aliada, amiga, parceira, sócia. Assim como a força-tarefa da Lava-Jato foi o mesmo para a Globo.”

No dia seguinte, a Globo emitiu um comunicado revelando que, apesar dos ataques, Greenwald procurara a empresa no dia 29 de maio para propor uma nova parceria: divulgar as mensagens de Dallagnol a Sergio Moro. O advogado e a TV já tinham trabalhado juntos em 2013 na publicação dos documentos de Snowden. Mas, numa conversa na redação do Fantástico, Greenwald se recusou a dar informações sobre o conteúdo do material que dizia possuir e da sua origem — “uma grande bomba a explodir”. Sim, ele queria fechar a parceria sem que a Globo soubesse antes o que ele tinha em mãos. Por isso, a conversa não foi adiante.

Uma vez publicadas as matérias no Intercept, prossegue o comunicado, um representante do site ainda procurou a emissora para oferecer uma entrevista. Também não deu certo. Na sequência, vieram os ataques de Greenwald à Globo. “O comportamento de Greenwald nos episódios aqui narrados permite ao público julgar o caráter dele”, diz a nota.

A Folha de São Verdevaldo, agora, espalha mensagens de Deltan Dallagnol para sua mulher. O novo traque, que levanta suspeitas sobre um projeto que nem foi realizado, invade a esfera privada do procurador da Lava-Jato, à procura de algo para emporcalhá-lo. O resultado só emporcalha os autores do golpe: em sua reportagem sobre as palestras de Dallagnol, a Folha logicamente tentou encontrar algum fragmento de conversa capaz de constranger Sérgio Moro, mas acabou obtendo o efeito contrário. 

Há uma única mensagem enviada pelo coordenador da força-tarefa ao ex-juiz da Lava-Jato, em que o procurador diz: “Caro, o Edilson Mougenot [fundador da Escola de Altos Estudos em Ciências Criminais] vai te convidar nesta semana pra um curso interessante em agosto. Eles pagam para o palestrante 3 mil. Pedi 5 mil reais para dar aulas lá ou palestra, porque assim compenso um pouco o tempo que a família perde (esses valores menores recebo pra mim… é diferente das palestras pra grandes eventos que pagam cachê alto, caso em que estava doando e agora estou reservando contratualmente para custos decorrentes da Lava-Jato ou destinação a entidades anticorrupção)…”. 

Além de não ter nada contra Moro (o estoque de traques de Verdevaldo parece ter chegado ao fim), a mensagem isenta também Dallagnol, explicando claramente o destino dos recursos de suas palestras.

Alguma dúvida de quem é o vilão nessa história?

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A PEC PREVIDENCIÁRIA, A INTELLIGENTSIA E A BURRITSIA


A sessão de ontem na Câmara entrou pela madrugada, mas foi encerrada sem que a análise em primeiro turno da reforma previdenciária fosse concluída. Rodrigo Maia trabalha com a possibilidade de estender os trabalhos até sábado, se necessário, mas os líderes dos partidos estão divididos sobre a votação em segundo turno: uma ala quer liquidar essa fatura antes do recesso, outra prefere deixar para agosto (seria um balde de água fria no mercado financeiro, mas na prática nada mudaria, uma vez que o Senado só deve votar o texto depois do recesso). A sessão de hoje está marcada para começar às 9h, mas os trabalhos terminaram tarde, e não deve haver quórum antes do final da manhã

Bolsonaro vem se equilibrando sobre duas frágeis pernas-de-pau. No campo moral, escora-se no prestígio de seu ministro da Justiça; na seara econômica, sustenta-se no destemor liberal do ministro da Economia. Se um dos dois abandonar o barco, a vaca fica perneta e saltita em direção ao brejo. O primeiro já ameaçou fazer as malas se a reforma previdenciária virar uma "reforminha" no Congresso, e o segundo disse não ter apego ao cargo e que o deixará se surgirem provas de falta de lisura na maneira como conduziu os processos da Lava-Jato em Curitiba.

Uma parte considerável dos votos que promoveram o capitão de deputado a presidente proveio de antipetistas, e nem todo antipetista é bolsonarista convicto. Sua gestão é aprovada por 33% dos brasileiros (ou pelo menos é o que afirmam Ibope, Datafolha e companhia limitada) e rejeitada por outros 33%. Basta fazer uma simples conta de padeiro para concluir que 1/3 de aprovação não é uma situação confortável para um presidente que fala em disputar a reeleição.

Na avaliação de Josias de Souza, engana-se quem acha que Guedes aderiu à cruzada de Bolsonaro contra o Congresso. O endereço da advertência do superministro é o Palácio do Planalto, não o Legislativo. Até porque há dois governos em Brasília; no oficial, o capitão ataca "o grande problema" do Brasil, que é a nossa classe política, e no alternativo, Guedes, faz política.

Enquanto o presidente atiça uma manifestação hostil ao Congresso, o ministro pede ajuda aos congressistas para retirar sua agenda reformista do incêndio. Nessa antessala do inferno, em vez de se preocupar em granjear aliados, descartar amigos inconvenientes e evitar bate-bocas midiáticos contraproducentes, o capitão mantém sua usina de crises operando a todo vapor.

Ainda em campanha, Bolsonaro admitiu que não entendia nada de economia, mas tranquilizou o eleitorado pensante com seu Posto Ipiranga. Uma vez eleito e empossado, revelou-se um personagem indomável. Agora, ou começa a agir com serenidade, ou se arrisca a entrar para a história não como outro “pato manco” — como os americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a ponto de os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o café frio —, mas como o primeiro Saci-Pererê a habitar o Alvorada. E se for mesmo necessário substituir Guedes ou Moro, não há — pelo menos até onde a vista alcança — alternativa que não resulte num governo ainda pior que o atual.

Segue mais um texto de J.R. Guzzo, que nos brinda semana sim, semana não com sua pena invejável — e cuja coluna se tornou uma dos poucos conteúdos da revista VEJA que ainda valem a leitura.

A elite pensante do Brasil, que se imagina capaz de saber o tempo todo o que é o melhor para cada um de nós, frequentemente lembra o personagem do samba “Mocinho Bonito” — o clássico pé rapado de uma Copacabana de outras eras, que passa a vida fingindo ser o que não é. O mocinho, para quem nunca ouviu a história, é o “perfeito improviso do falso grã-fino”, que no “corpo é atleta, no crânio é menino”, e “além do ABC nada mais aprendeu”. Como conta a letra da canção, ele tem “pinta de conde” — mas nessa pinta só “se esconde um coitado, um pobre farsante que a sorte esqueceu”. Olha a nossa elite aí. Ela convenceu a si própria, e tenta convencer o resto do Brasil, que é a única classe de gente neste país realmente capacitada a pensar — e, por via de consequência, como gostava de dizer um antigo político de Minas Gerais, a responsável exclusiva por definir o que é virtude e vício, e separar o certo do errado. Mas na vida real não é nada disso. As cabeças que hoje pretendem falar por todos os brasileiros são puro dinheiro falso; por trás da sua pose de conde o que existe é apenas a média da mediocridade nacional vigente.

O que é, na prática, essa elite — ou quem faz parte dela? Não é, com certeza, a “zelite” do ex-presidente Lula, um ente em estado gasoso que ele mesmo jamais conseguiu definir. (Como não explica, supõe-se que a “zelite” seja apenas o conjunto dos seres humanos que não esteja de acordo com ele — porque milionário, gente que manda, empresário “campeão”, empreiteiro de obra e o resto dessa turma nunca tiveram um amigo de fé-irmão-camarada tão dedicado quanto Lula.) 

Também não é aquilo que os livros de sociologia definem como “burguesia nacional”, nem o pessoal que vai à shopping center, nem a “classe A” dos institutos de pesquisa, ou, simplesmente, quem tem mais dinheiro que você. A elite a que se refere este artigo é a classe social descrita por ela mesma como civilizada, instruída, progressista, “antenada” — as pessoas que se consideram habilitadas, em suma, a dizer como o Brasil deve ser governado e como o brasileiro deve se comportar. Antigamente, nos países considerados cultos, esse bioma social era chamado de intelligentsia. Aqui, considerando-se a soma do que pensam, querem e dizem, formam a burritsia.

Basicamente, faz parte da elite pensante quem influi em alguma coisa, ou se acha capaz de influir. É quem aparece no jornal, fala no rádio e dá entrevista na televisão. É o “especialista” — quer dizer, o sujeito que se especializa, quase sempre, em dizer aquilo que os comunicadores sociais querem que ele diga. É quem dá aula na universidade — ou, pelo menos, está em sua folha de pagamento. Em geral consideram-se “europeus”, embora tomem Nova York, Harvard e as vanguardas americanas do que se chama “diversidade” como santuários da civilização moderna. Acham que o povo brasileiro é altamente insatisfatório. Gosta de combate à corrupção, quando deveria gostar da OAB. Gosta de político ladrão na cadeia, quando deveria gostar do Congresso. Gosta da polícia, quando deveria gostar da Anistia Internacional, da CNBB e do STF. Não sabe votar, quando elege candidatos proibidos por quem tem qualificação para pensar corretamente em política; por conta de sua ignorância, despreparo e maus hábitos, acaba escolhendo gente errada para governar o país. Têm horror a Donald Trump. Vivem preocupados com o avanço da direita mundial. Nunca vão a manifestações de rua desautorizadas — ou seja, tidas como ameaça potencial às instituições.

Qual a utilidade de se falar disso? Uma delas é sugerir uma regra que pode ajudar o leitor a economizar tempo e ansiedade: se a maioria da elite pensante, a autoridade intelectual e os “especialistas no assunto” estão dizendo alguma coisa, pela mídia ou em seus discursos, acredite no exato contrário. Dificilmente você estará errado. Na mesma linha, quando lhe disserem que 2 mais 2 são 22, coisa que acontece com frequência cada vez maior, não se impressione; estão dizendo apenas um disparate. Continue acreditando que são 4 — é garantido que você vai se dar bem. Nove vezes em dez, o que parece ser a lógica será mesmo a lógica. É bom sempre ter em mente, enfim, quem está dizendo uma boa parte do que se ouve o tempo todo por aí. Parecem figuras muito sérias. Mas são apenas o perfeito improviso do falso entendido, que por trás da pose de conde nada têm a oferecer de útil a alguém. Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

A CAÇA ÀS BRUXAS — CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGUNDO EPISÓDIO DA SÉRIE


Interrompo a sequência sobre os processos de Lula para fazer mais algumas considerações sobre o “circo marimbondo” do Intercept e o show de horrores protagonizado na terça-feira por parlamentares de esquerda que, como eu disse no post anterior, não valem o que comem, muito menos o que lhes pagamos para, supostamente, nos representarem. E o mesmo raciocínio se aplica a alguns “monstros sagrados” da imprensa — esses, felizmente, não pagamos diretamente —, que botam lenha nessa fogueira insana, bem como a conspícuos membros da nossa mais alta corte — estes, infelizmente, são pagos por nós — que, a pretexto de homenagear a Constituição com seu garantismo de araque, contribuem para que criminalistas estrelados, regiamente pagos com dinheiro da corrupção, valem-se de todo tipo de chicanas procrastinatórias para eternizar os processos contra seus clientes.

Todo mundo tem direito a suas opiniões, mas não a seus próprios fatos. Elio Gaspari vem crucificando sistematicamente o ministro Sérgio Moro em suas colunas (bem escritas, mas claramente tendenciosas). Numa delas, e diz acreditar que a permanência do ex-juiz no Ministério da Justiça ofende a moral, o bom senso e a lei da gravidade, que suas conversas impróprias com o procurador Dallagnol enodoaram a Lava-Jato e fragilizaram a condenação imposta a Lula pelo tríplex do Guarujá, e que sua postura arrogante obriga muitos daqueles que gostariam de defendê-lo a fazer papel de bobos.

Josias de Souza nos oferece uma avaliação menos apaixonada e mais realista. Segundo ele, o sistema político brasileiro apodreceu e a Lava-Jato apressou o processo de degeneração. O PT e as legendas que gravitam na órbita de Lula mostram-se incapazes de lidar com o tema da moralidade. Estão fabricando um adversário político de grande potencial. Ao atacar o ex-juiz da Lava-Jato, o petismo e sua turma criam um pesadelo do qual talvez tenham dificuldades para acordar mais tarde. Moro voltou ao Congresso e repetiu na Câmara as explicações que dera dias atrás no Senado. Os deputados foram bem mais agressivos  do que os senadores. O bloco lulista equipou-se para constranger o interrogado. Em termos jurídicos, a inquirição da CCJ da Câmara, a exemplo do interrogatório do Senado, teve importância nula. A relevância da sessão foi política. Os deputados trataram Moro como um ex-juiz suspeito de parcialidade. Não se deram conta de que estavam diante de um potencial candidato.

Observação: O presidente da CCJ, Felipe Francischini, descartou convidar o ministro novamente a participar da comissão. “Na CCJ, nunca mais. Não vai ter Moro na CCJ nunca mais. “Qualquer pedido de convocação não vai prosperar na minha comissão. Eu estarei pessoalmente em cada comissão para tentar obstruir essa convocação.”

Para medir o efeito da agressividade dos deputados é preciso frequentar não o Congresso, mas o boteco. A reputação dos inquisidores de Moro é a soma dos palavrões que inspiram na mesa do bar. Ali, o ex-juiz vai ganhando a cada ataque a aparência de uma alternativa eleitoral.

O Antagonista resume a história de maneira magistral: Há a lanchonete de Gaspari, onde se fala mal de Sergio Moro, e o boteco de Josias de Souza. Os botecos são mais numerosos do que as lanchonetes.

A edição revista e atualizada da caça às bruxas no Senado, não só foi ineficaz para acuar o ministro pelo conteúdo das mensagens atribuídas a ele vazadas por Glenn Greenwald, mas também útil para o ministro falar sobre seu trabalho à frente da pasta e defender o pacote anticrime e anticorrupção que enviou ao Congresso. Houve até espaço para defender, por um breve instante, a reforma da Previdência. Moro foi ajudado pelos argumentos usados pelos senadores que quiseram encurralá-lo. E pelo passado dos senadores. Renan Calheiros, do MDB de Alagoas, tentou implicá-lo a casos em que ele não atuou, como o da JBS, em uma fala que irritou os colegas por ter se demorado mais do que devia. Paulo Rocha reclamou do julgamento do mensalão, em que Moro atuou como magistrado auxiliar, mas o senador do PT do Pará  foi absolvido — o que contraria a tese de perseguição da Justiça contra o partido de Lula. Jaques Wagner criticou a divulgação de gravações feitas de conversas telefônicas do ex-presidente e do sensacionalismo das ações da Lava-Jato. Para tanto, o senador do PT da Bahia teve de recordar que ele próprio foi alvo de uma mandado de busca e apreensão.

As comparações feitas pelo material do Intercept com as gravações de Lula e de outros casos famosos do jornalismo, como o escândalo de Watergate e dos papéis do Pentágono, na imprensa americana, também foi favorável ao juiz. Moro lembrou mais de uma vez que as conversas telefônicas foram autorizadas judicialmente, e o sigilo foi levantado em uma decisão em que ele justificou o ato, não “se escondendo atrás de hackers”, como acusou o site de fazer. Moro aproveitou a comparação com os casos mais famosos de investigação do jornalismo americano para lembrar que tanto a cobertura de atos ilegais do governo Nixon a partir de um arrombamento no conjunto Watergate quanto a divulgação de relatórios de um analista da CIA apontando a impossibilidade de os Estados Unidos derrotarem o Vietnã eram baseados em fontes de informação identificadas. E os jornalistas envolvidos publicavam as informações assim que as recebiam, não anunciando que iriam fazê-lo “a conta-gotas”, como lembrou ser a estratégia do Intercept.

Tendo estabelecido essas diferenças, o ministro repetiu que houve sensacionalismo na divulgação de mensagens que, se verdadeiras, não mostram irregularidades. Robusteceu a tese de que o problema não são as mensagens, mas o ataque de hackers contra integrantes da Lava-Jato, que atuam também para atingir outras autoridades e jornalistas. A defesa da Lava-Jato e de seus resultados acabou por levar a pedidos de atenção ao pacote anticrime que está no Senado. Os parlamentares chegaram a falar com o ministro de outras ações da pasta, como a violência nos presídios do Amazonas ou o problema da imigração venezuelana que estaria tendo impacto na violência em Roraima.

Foram buscar lã, mas saíram tosquiados.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

COISAS DO BRASIL — PARTE 3 (TODOS OS PROCESSO CONTRA LULA)



ATUALIZAÇÃO:

A continuação da franquia Santa Inquisição, ora encenada na suposta Casa do Povo, foi pródiga em grosserias e por pouco não terminou em grossa pancadaria. Mais uma demonstração cabal de que somos representados politicamente por gente que não vale o que come — embora o correto fosse dizer “não vale a merda que caga”, não vou fazê-lo para não ser indelicado.

Na sessão, que durou cerca de 8 horas, repetiram-se ipsis litteris as perguntas feitas pelos senadores no capítulo anterior. E os deputados de oposição criticaram Moro por das as mesmas respostas. Queriam o quê?

Por volta das 21h40, o psolista Gláuber Braga vaticinou que “a história não absolverá” Sérgio Moro, que ele será lembrado “como o juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão” — como se sabe, gente imprestável costuma medir os demais por sua própria régua. Parlamentares saíram em defesa do ministro, e o tempo fechou. Moro deixou o recinto sob gritos de “fujão” — o mesmo tratamento dispensado pela patuleia a Paulo Guedes, como o leitor certamente se lembra.

Houve vários momentos de tensão. Num deles, bateram boca o petista Rogério Corrêa, que chamou Dallagnol de “mau elemento” e “cretino”, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, que saiu em defesa do procurador. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, ameaçou encerrar a reunião durante a discussão, mas os ânimos serenaram (mais ou menos) e o circo seguiu adiante.

A estratégia da esquerda, que ficou clara desde o início da audiência, era pôr em dúvida a imparcialidade de Moro na condução dos processos da Lava-Jato. Gleisi Hoffmann (nome que dispensa apresentações), questionou a relação da esposa do ministro com o advogado trabalhista Carlos Zucolotto, a quem o doleiro Rodrigo Tacla Duran, denunciado na Lava-Jato, atribui suposto contato para intermediar sua delação, além de perguntar se Moro ou a mulher têm contas no exterior. O ex-juiz repudiou a pergunta sobre Zucolotto e, em relação às contas, disse tratar-se de maluquice. “Não sou eu que sou investigado por corrupção”, disse Moro a Gleisi — que não é ré, mas responde a denúncias sobre recebimento de propinas da Odebrecht em sua campanha de 2014.   

Indagado sobre nulidades em processos envolvendo o picareta dos picaretas, o ministro afirmou: “É de se perguntar, realmente, quem defende então Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Renato Duque, todos esses inocentes que teriam sido condenados segundo o Intercept”. “Sobre anulação de casos do ex-presidente, nós precisamos de defensores então dessas pessoas para defender que elas sejam imediatamente colocadas em liberdade, já que foram condenados pelos malvados procuradores da Lava-Jato, os desonestos policiais e o juiz parcial”. 

Moro disse ainda que, por trás das mensagens — que classificou de “balão cheio de nada” — existe uma “tentativa criminosa” de invalidar condenações da Lava-Jato, e que tem certeza de que se, durante a condução da Operação, tivesse se omitido, deixado a corrupção florescer, virado os olhos para o outro lado, agora estaria sofrendo esses ataques.

Cenas burlescas como essas me fazem pensar se Bolsonaro não tem razão quando afirma que o maior erro da ditadura (ditadura que, por vezes, ele próprio nega ter existido) foi torturar e não matar. A que ponto chegamos!

Prosseguindo com o que eu dizia no post da última segunda-feira sobre os processos em que Lula é réu, a ação que trata do tríplex no Guarujá já foi julgada em primeira, segunda e terceira instâncias. O então juiz Sérgio Moro condenou o ex-presidente a 9 anos e meio de prisão, o TRF-4 aumentou a pena para 12 anos e 1 mês e o STJ a reduziu para 8 anos e 10 meses. Foi por conta desse processo que o petralha acabou no xadrez. 

Com base na alegada parcialidade de Moro, a defesa busca anular o julgamento e todos os atos processuais subsequentes. Para tanto, já impetrou mais de 100 recursos perante todas as instâncias do Judiciário. O julgamento do pedido de suspeição — ora “robustecido” pela juntada aos autos do material obtido por hackeamento digital e vazado seletivamente pelo site esquerdista The Interceptor —  foi retomado na última terça-feira, 25, mas a 2ª Turma do STF decidiu adiá-lo para depois do recesso e rejeitar por 3 votos a 2 (nem é preciso dizer de quem foram esses dois votos) a sugestão do ministro Gilmar Mendes, que, assumindo o papel de advogado do réu, propôs a concessão de uma liminar que libertasse o “paciente” e o mantivesse fora da cadeia até que o mérito do HC fosse finalmente julgado. Depois essa gente ainda reclama quando é achincalhada nas manifestações de rua em favor da Lava-Jato e de Sérgio Moro.

Observação: A despeito do carnaval que se vem fazendo a propósito das conversas atribuídas a Moro, Dallagnol e outros procuradores da Lava-Jato, o material vazado por Gleen Greenwald carece de comprovação — tanto é que o processo administrativo disciplinar aberto contra o coordenador da força-tarefa no Paraná foi arquivado pelo corregedor nacional do MPF, Orlando Rochadel. Nas palavras do próprio Rochadel: "Ainda que as mensagens em tela fossem verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se verificaria nenhum ilícito funcional".

Outra ação julgada em primeira instância trata do folclórico sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Segundo o MPF, o ex-presidente foi um dos mentores e articuladores do pagamento de propina pela Odebrecht e OAS mediante um esquema envolvendo a nomeação de diretores da Petrobras orientados à prática de crimes em favorecimento das empreiteira. Entre os executivos indicados por ele — e também denunciados pelo MPF — figuram Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Nestor Cerveró. Na sentença, a juíza federal substituta Gabriela Hardt, que ficou à frente da 13ª Vara Federal do Paraná desde até o juiz Luiz Antonio Bonat fosse efetivado, condenou Lula a 12 anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro. Tanto os réus (são 9 ao todo) e o Ministério Público recorreram; a defesa de Lula busca anular a condenação e os procuradores, aumentar a pena aplicada pela magistrada.

Espera-se que a 8ª Turma do TRF-4 liquide esta fatura logo após o recesso do Judiciário. Se a condenação for confirmada, Lula verá pelo binóculo a possibilidade de deixar a prisão ainda este ano, ao menos sem depender da concessão de um habeas corpus pelo STF. E ainda que os togados supremos rediscutam a novela da prisão em segunda instância — Toffoli disse recentemente que isso pode ocorrer ainda neste ano, dependendo das “janelas” da pauta da Corte — e decidam que o cumprimento da pena só deverá ter início após a condenação em terceira instância, é bom lembrar que a 5ª Turma do STJ reconheceu por unanimidade a culpa do petista, embora tenha reduzido sua pena para 8 anos e 10 meses e 20 dias.

Observação: Apesar de o sítio estar em nome de “laranjas”, ficou sobejamente demonstrado que Lula era o proprietário de fato. Quanto a provas documentais, há que ter mente que “ninguém assina recibo de corrupção” — em outras palavras, a despeito de ser difícil haver provas diretas em casos de corrupção e lavagem de dinheiro, um conjunto robusto de indícios é, sim, suficiente para incriminar alguém, e no caso do sítio, a exemplo do tríplex, um conjunto gigantesco de provas indiciárias foram carreadas aos autos. Os petistas argumentam que, a exemplo do tríplex, o sítio “jamais pertenceu a Lula”, como comprava o registro da escritura em nome de Jonas Leite Suassuna Filho e Fernando Bittar. Ambos são (ou eram) sócios do “Ronaldinho dos Negócios” — como o ex-presidente se referia a seu primogênito — e teriam comprado a propriedade, segundo a defesa, para oferecer ao ex-presidente como uma “área de descanso”. Quanta gentileza!

Para não alongar demais este texto, o resto fica para uma próxima postagem.