quinta-feira, 4 de julho de 2019

A CAÇA ÀS BRUXAS — CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGUNDO EPISÓDIO DA SÉRIE


Interrompo a sequência sobre os processos de Lula para fazer mais algumas considerações sobre o “circo marimbondo” do Intercept e o show de horrores protagonizado na terça-feira por parlamentares de esquerda que, como eu disse no post anterior, não valem o que comem, muito menos o que lhes pagamos para, supostamente, nos representarem. E o mesmo raciocínio se aplica a alguns “monstros sagrados” da imprensa — esses, felizmente, não pagamos diretamente —, que botam lenha nessa fogueira insana, bem como a conspícuos membros da nossa mais alta corte — estes, infelizmente, são pagos por nós — que, a pretexto de homenagear a Constituição com seu garantismo de araque, contribuem para que criminalistas estrelados, regiamente pagos com dinheiro da corrupção, valem-se de todo tipo de chicanas procrastinatórias para eternizar os processos contra seus clientes.

Todo mundo tem direito a suas opiniões, mas não a seus próprios fatos. Elio Gaspari vem crucificando sistematicamente o ministro Sérgio Moro em suas colunas (bem escritas, mas claramente tendenciosas). Numa delas, e diz acreditar que a permanência do ex-juiz no Ministério da Justiça ofende a moral, o bom senso e a lei da gravidade, que suas conversas impróprias com o procurador Dallagnol enodoaram a Lava-Jato e fragilizaram a condenação imposta a Lula pelo tríplex do Guarujá, e que sua postura arrogante obriga muitos daqueles que gostariam de defendê-lo a fazer papel de bobos.

Josias de Souza nos oferece uma avaliação menos apaixonada e mais realista. Segundo ele, o sistema político brasileiro apodreceu e a Lava-Jato apressou o processo de degeneração. O PT e as legendas que gravitam na órbita de Lula mostram-se incapazes de lidar com o tema da moralidade. Estão fabricando um adversário político de grande potencial. Ao atacar o ex-juiz da Lava-Jato, o petismo e sua turma criam um pesadelo do qual talvez tenham dificuldades para acordar mais tarde. Moro voltou ao Congresso e repetiu na Câmara as explicações que dera dias atrás no Senado. Os deputados foram bem mais agressivos  do que os senadores. O bloco lulista equipou-se para constranger o interrogado. Em termos jurídicos, a inquirição da CCJ da Câmara, a exemplo do interrogatório do Senado, teve importância nula. A relevância da sessão foi política. Os deputados trataram Moro como um ex-juiz suspeito de parcialidade. Não se deram conta de que estavam diante de um potencial candidato.

Observação: O presidente da CCJ, Felipe Francischini, descartou convidar o ministro novamente a participar da comissão. “Na CCJ, nunca mais. Não vai ter Moro na CCJ nunca mais. “Qualquer pedido de convocação não vai prosperar na minha comissão. Eu estarei pessoalmente em cada comissão para tentar obstruir essa convocação.”

Para medir o efeito da agressividade dos deputados é preciso frequentar não o Congresso, mas o boteco. A reputação dos inquisidores de Moro é a soma dos palavrões que inspiram na mesa do bar. Ali, o ex-juiz vai ganhando a cada ataque a aparência de uma alternativa eleitoral.

O Antagonista resume a história de maneira magistral: Há a lanchonete de Gaspari, onde se fala mal de Sergio Moro, e o boteco de Josias de Souza. Os botecos são mais numerosos do que as lanchonetes.

A edição revista e atualizada da caça às bruxas no Senado, não só foi ineficaz para acuar o ministro pelo conteúdo das mensagens atribuídas a ele vazadas por Glenn Greenwald, mas também útil para o ministro falar sobre seu trabalho à frente da pasta e defender o pacote anticrime e anticorrupção que enviou ao Congresso. Houve até espaço para defender, por um breve instante, a reforma da Previdência. Moro foi ajudado pelos argumentos usados pelos senadores que quiseram encurralá-lo. E pelo passado dos senadores. Renan Calheiros, do MDB de Alagoas, tentou implicá-lo a casos em que ele não atuou, como o da JBS, em uma fala que irritou os colegas por ter se demorado mais do que devia. Paulo Rocha reclamou do julgamento do mensalão, em que Moro atuou como magistrado auxiliar, mas o senador do PT do Pará  foi absolvido — o que contraria a tese de perseguição da Justiça contra o partido de Lula. Jaques Wagner criticou a divulgação de gravações feitas de conversas telefônicas do ex-presidente e do sensacionalismo das ações da Lava-Jato. Para tanto, o senador do PT da Bahia teve de recordar que ele próprio foi alvo de uma mandado de busca e apreensão.

As comparações feitas pelo material do Intercept com as gravações de Lula e de outros casos famosos do jornalismo, como o escândalo de Watergate e dos papéis do Pentágono, na imprensa americana, também foi favorável ao juiz. Moro lembrou mais de uma vez que as conversas telefônicas foram autorizadas judicialmente, e o sigilo foi levantado em uma decisão em que ele justificou o ato, não “se escondendo atrás de hackers”, como acusou o site de fazer. Moro aproveitou a comparação com os casos mais famosos de investigação do jornalismo americano para lembrar que tanto a cobertura de atos ilegais do governo Nixon a partir de um arrombamento no conjunto Watergate quanto a divulgação de relatórios de um analista da CIA apontando a impossibilidade de os Estados Unidos derrotarem o Vietnã eram baseados em fontes de informação identificadas. E os jornalistas envolvidos publicavam as informações assim que as recebiam, não anunciando que iriam fazê-lo “a conta-gotas”, como lembrou ser a estratégia do Intercept.

Tendo estabelecido essas diferenças, o ministro repetiu que houve sensacionalismo na divulgação de mensagens que, se verdadeiras, não mostram irregularidades. Robusteceu a tese de que o problema não são as mensagens, mas o ataque de hackers contra integrantes da Lava-Jato, que atuam também para atingir outras autoridades e jornalistas. A defesa da Lava-Jato e de seus resultados acabou por levar a pedidos de atenção ao pacote anticrime que está no Senado. Os parlamentares chegaram a falar com o ministro de outras ações da pasta, como a violência nos presídios do Amazonas ou o problema da imigração venezuelana que estaria tendo impacto na violência em Roraima.

Foram buscar lã, mas saíram tosquiados.