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sexta-feira, 8 de março de 2019

O CARNAVAL ESCATOLÓGICO DO PRESIDENTE




Após o feriadão de Carnaval — o único “feriado” que os Bancos emendam, embora nem a terça-feira seja considerada como tal —, o Ibovespa fechou em baixa (3,74%, a mais expressiva queda diária desde a greve dos caminhoneiros, quando o índice recuou 4,48%). Contribuíram para isso cenário internacional as expectativas sobre a taxa Selic (que acabou mantida em 6,5%), naturalmente, mas o negativismo do mercado financeiro se deveu em grande medida à sucessão de pronunciamentos dessintonizados do governo sobre a reforma da Previdência e às frequentes pantomimas protagonizadas pelo presidente da República.

Ninguém é obrigado a gostar de Carnaval, mas cabe ao chefe do Executivo demostrar alguma simpatia — ou ao menos disfarçar sua antipatia — pela maior manifestação cultural deste país. Em vez disso, depois de elogiar o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, de editar uma medida provisória que altera as regras da contribuição sindical, de criar da chamada Lava-Jato da Educação, de bater boca com Daniela Mercury, Caetano Veloso e José de Abreu, Bolsonaro, a pretexto de rebater críticas que lhe foram endereçadas por diversos blocos carnavalescos, chegou ao cúmulo de publicar um vídeo escatológico e obsceno, devidamente acrescido da seguinte pérola: “É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”. 

Logo após o tuíte, muitos internautas pediram que o conteúdo fosse denunciado à rede social como impróprio, mas nem o Twitter, nem Bolsonaro excluíram a postagem (que acabou exibindo um aviso de que "pode conter material sensível"). Mais adiante, o Planalto divulgou uma nota afirmando que “o presidente não teve a intenção de criticar o Carnaval de forma genérica" ao divulgar o vídeo, mas sim de "caracterizar uma distorção clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa popular". Algumas ações, porém, não podem ser desfeitas. É o caso das flechas lançadas, das oportunidades perdidas e das palavras ditas.

Excessos durante o reinado de Momo são cometidos que o mundo é mundo, mas convenhamos: num momento em que há tantos assuntos mais importantes a tratar, não faz o menor sentido o presidente agir como fiscal dos costumes e se valer de um caso isolado para atribuir a pecha da perversão aos blocos carnavalescos em geral. O mais espantoso, porém, é que, ao misturar suas convicções pessoais com as da nação, Bolsonaro “cagou e andou” para decoro exigido pelo cargo que ocupa (a expressão não é lá muito polida, mas me parece adequada a toda essa baixaria).

É claro que Bolsonaro não foi o primeiro presidente a cagar no prato em que comeu (vide observação anterior): Collor se declarou “homem macho de colhão roxo”; Itamar se deixou fotografar ao lado de uma carnavalesca com a genitália à mostra (a dela, não a dele); Lula era useiro e vezeiro em fazer piada com homossexuais e chegou certa vez a chamar as mulheres de “grelo duro” a defendê-lo; FHC foi talvez o mais inglês entre os presidentes da última safra, mas sua carência de humor o distanciava do povo mais do que ele gostaria; Dilma... bem, essa senhora é um caso à parte, pois ela não somente desonrou a Presidência pelo simples fato de a ter exercido como legou para a história do estilo presidencial uma série de cacoetes que potencializaram seu impeachment. Torçamos, pois, para que Bolsonaro não lhe siga os passos.

Bolsonaro foi promovido de deputado do baixo-clero a presidente da República não só, mas também com os votos dos que o consideravam um mal menor (diante da alternativa, o próprio capeta seria um mal menor). Portanto, seria bom alguém lhe dizer que treino é treino e jogo é jogo, que a campanha terminou há quatro meses e governo começou há dois, e que, mesmo numa republiqueta de bananas como a nossa, o presidente eleito é o presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele, dos que seguem outras religiões e dos que gostam de Carnaval. O tal vídeo que ele (ou o filho Carlos, segundo se diz à boca pequena) tuitou, com direito a cenas de gente manipulando o ânus e recebendo um banho de urina, é mais que um atendado ao bom gosto e ao decoro do cargo que sua excelência ocupa.

Josias de Souza classifica esse episódio como um caso único de de difamação do Brasil por seu próprio presidente, que reputa a obscenidade exibida no vídeo como uma cena comum, repetida Brasil afora por milhares de brasileiros — o que até quem não gosta de Carnaval sabe que não é verdade. Comum, no reinado de Momo edição 2019, foi a associação que os foliões fizeram de Bolsonaro com o laranjal do PSL e com Fabrício Queiroz, mas irritação não dá ao presidente o direito de levar o Carnaval às manchetes internacionais como uma grande festa popular em que os brasileiros saem às ruas para sambar e mijar uns nos outros. 

A deseducação e a desinformação, afirma o jornalista, sempre fizeram parte da personalidade política de Bolsonaro, mas a Presidência lhe deu uma tribuna vitaminada, que ele deveria aproveitar para irradiar confiança e bons exemplos, mas vem usando para espalhar ódio e desinformação. Se não fizer uma concessão ao decoro, sua excelência vai acabar agigantando a vice-presidência, conferindo ao general Mourão, pelo contraste, um conteúdo de inusitada moderação. 

Para Merval Pereira, as cenas explicitas de pornografia — ou de obscenidade escatológica, melhor dizendo, pois pornografia vem do grego “pórne” (prostituta) e remete a algo que desperta pensamentos sexuais — e sua divulgação sob o pretexto de defender a moralidade foram “momentos deprimentes do triste cotidiano de um país que não consegue construir seu futuro”. 

Eu não vejo como discordar de nenhum dos dois.