Após o feriadão de Carnaval — o único
“feriado” que os Bancos emendam, embora
nem a terça-feira seja considerada como tal —, o Ibovespa fechou em baixa (3,74%, a mais
expressiva queda diária desde a greve dos caminhoneiros, quando o índice recuou
4,48%). Contribuíram para isso cenário internacional as expectativas sobre a
taxa Selic (que acabou mantida em
6,5%), naturalmente, mas o negativismo do mercado financeiro se deveu em grande medida à sucessão de pronunciamentos dessintonizados do governo sobre
a reforma da Previdência e às frequentes pantomimas protagonizadas pelo presidente da República.
Ninguém é obrigado a gostar de Carnaval, mas cabe ao chefe
do Executivo demostrar alguma simpatia — ou ao menos disfarçar sua antipatia —
pela maior manifestação cultural deste país. Em vez disso, depois de elogiar o
ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner,
de editar uma medida provisória que altera as regras da contribuição sindical,
de criar da chamada Lava-Jato da
Educação, de bater boca com Daniela
Mercury, Caetano Veloso e José de Abreu, Bolsonaro, a pretexto de
rebater críticas que lhe foram endereçadas por diversos blocos
carnavalescos, chegou ao cúmulo de publicar um vídeo escatológico e obsceno, devidamente acrescido da seguinte pérola: “É isto
que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”.
Logo após o tuíte, muitos internautas pediram que o conteúdo
fosse denunciado à rede social como impróprio, mas nem o Twitter, nem Bolsonaro
excluíram a postagem (que acabou exibindo um aviso de que "pode conter
material sensível"). Mais adiante, o Planalto divulgou uma nota afirmando que
“o presidente não teve a intenção de criticar o Carnaval de forma
genérica" ao divulgar o vídeo, mas sim de "caracterizar uma distorção
clara do espírito momesco, que simboliza a descontração, a ironia, a crítica
saudável e a criatividade da nossa maior e mais democrática festa
popular". Algumas ações, porém, não podem ser
desfeitas. É o caso das flechas lançadas,
das oportunidades perdidas e das palavras ditas.
Excessos durante o reinado de Momo são cometidos que o mundo é mundo, mas convenhamos:
num momento em que há tantos assuntos mais importantes a tratar, não faz o
menor sentido o presidente agir como fiscal dos costumes e se valer de
um caso isolado para atribuir a pecha da perversão aos blocos carnavalescos em
geral. O mais espantoso, porém, é que, ao misturar suas convicções pessoais com
as da nação, Bolsonaro “cagou e andou” para decoro exigido pelo cargo que ocupa
(a expressão não é lá muito polida, mas me parece adequada a toda essa
baixaria).
É claro que Bolsonaro
não foi o primeiro presidente a cagar no prato em que comeu (vide observação
anterior): Collor se declarou “homem
macho de colhão roxo”; Itamar se
deixou fotografar ao lado de uma carnavalesca com a genitália à mostra (a dela,
não a dele); Lula era useiro e
vezeiro em fazer piada com homossexuais e chegou certa vez a chamar as mulheres
de “grelo duro” a defendê-lo; FHC
foi talvez o mais inglês entre os presidentes da última safra, mas sua carência
de humor o distanciava do povo mais do que ele gostaria; Dilma... bem, essa senhora é um caso à parte, pois ela não somente
desonrou a Presidência pelo simples fato de a ter exercido como legou para a
história do estilo presidencial uma série de cacoetes que potencializaram seu
impeachment. Torçamos, pois, para que Bolsonaro
não lhe siga os passos.
Bolsonaro foi promovido
de deputado do baixo-clero a presidente da República não só, mas também com os
votos dos que o consideravam um mal menor (diante da alternativa, o próprio
capeta seria um mal menor). Portanto, seria bom alguém lhe dizer que treino é
treino e jogo é jogo, que a campanha terminou há quatro meses e governo começou
há dois, e que, mesmo numa republiqueta de bananas como a nossa, o presidente eleito
é o presidente de todos, inclusive dos que não votaram nele, dos que seguem
outras religiões e dos que gostam de Carnaval. O tal vídeo que ele (ou o filho Carlos, segundo se diz à boca pequena) tuitou,
com direito a cenas de gente manipulando o ânus e recebendo um banho de urina,
é mais que um atendado ao bom gosto e ao decoro do cargo que sua excelência
ocupa.
Josias de Souza
classifica esse episódio como um caso único de de difamação do Brasil por seu
próprio presidente, que reputa a obscenidade exibida no vídeo como uma cena
comum, repetida Brasil afora por milhares de brasileiros — o que até quem não
gosta de Carnaval sabe que não é verdade. Comum, no reinado de Momo edição 2019, foi a associação que os foliões
fizeram de Bolsonaro com o laranjal do PSL
e com Fabrício Queiroz, mas
irritação não dá ao presidente o direito de levar o Carnaval às manchetes
internacionais como uma grande festa popular em que os brasileiros saem às ruas
para sambar e mijar uns nos outros.
A deseducação e a desinformação, afirma o jornalista, sempre
fizeram parte da personalidade política de Bolsonaro,
mas a Presidência lhe deu uma tribuna vitaminada, que ele deveria aproveitar para
irradiar confiança e bons exemplos, mas vem usando para espalhar ódio e
desinformação. Se não fizer uma concessão ao decoro, sua excelência vai acabar
agigantando a vice-presidência, conferindo ao general Mourão, pelo contraste,
um conteúdo de inusitada moderação.
Para Merval
Pereira, as cenas explicitas de
pornografia — ou de obscenidade escatológica, melhor dizendo, pois pornografia vem do grego “pórne” (prostituta) e remete a algo
que desperta pensamentos sexuais — e sua divulgação sob o pretexto de defender
a moralidade foram “momentos deprimentes do triste cotidiano de um país que não
consegue construir seu futuro”.
Eu não vejo como discordar de nenhum dos dois.