A situação do primogênito do presidente Jair Bolsonaro se complica a cada dia, mas não tanto quanto a vida dos
funcionários da Vale que trabalham (ou trabalhavam até anteontem) na mina Feijão, em Brumadinho, depois que o rompimento de duas barragens matou 34 pessoas e deixou cerca de 300 desaparecidas. Somada à cirurgia a que Bolsonaro pai será submetido nesta segunda-feira, o tsunami de 13 milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração da Vale certamente garantirá uma trégua temporária a Bolsonaro filho, de modo que resolvi deixar para amanhã a
continuação do post de ontem e ocupar o espaço reservado para hoje com um texto
do cineasta Fernando
Grostein Andrade, publicado originalmente na edição impressa de Veja desta semana.
Quem não gosta de saber que os papéis de empresas brasileiras estão se valorizando no exterior? Ou que o dólar está caindo? Ou que o investimento está subindo e a perspectiva de crescimento se fortalecendo? É falso, porém, acreditar que, para tudo isso acontecer, seja necessário sufocar críticas ou mesmo destruir conquistas civilizatórias.
“Você gosta tanto de fazer discurso lacrador que vai acabar
tendo velório com caixão lacrado” — mensagens nesse tom agressivo têm sido
disparadas na internet de forma covarde e anônima para calar vozes dissonantes
e restringir o debate público à profundidade de um pires. Reportagens e
notícias falsas são divulgadas com um objetivo: destruir a credibilidade de
pessoas acusadas de “torcer contra o país”. Em alguns casos, usa-se o batido
artifício de pegar uma operação financeira complexa e totalmente lícita de
alguém que vai contra a nova ordem para vesti-la como se fosse um grande
esquema de corrupção.
Tira-se proveito, enfim, da ignorância alheia e da
disponibilidade mental para aceitar qualquer coisa. O modus operandi às vezes
beira o absurdo. Exemplo recente: em um vídeo que circula na internet, uma
proeminente política religiosa, hoje em Brasília, alerta os fiéis sobre os
livros de feitiçaria do diabo distribuídos pelos professores. Exemplo mais antigo:
parlamentares postos na luz da ribalta incitam o ódio pedindo a alunos que
gravem as aulas de professores não alinhados com suas ideias. Estudei numa boa
escola particular de São Paulo em que a maior parte dos professores era de
esquerda e os alunos, majoritariamente, de direita. E daí? Que influência
tiveram aqueles ótimos mestres? A meu ver, prepararam os jovens de direita para
trabalhar suas ideias com maior consistência.
Se ainda restasse dúvida quanto aos ventos que sopram no
Brasil, uma emissora de televisão, famosa por bajular e adular poderosos para
gozar de benefícios e varrer para debaixo do tapete os próprios escândalos no
sistema financeiro, ressuscitou o velho slogan excludente da ditadura: “Brasil,
ame-o ou deixe-o”. De um tempo para cá, forças diversas se aglutinaram no país
pelo fim da corrupção e das regalias com dinheiro público e pela justa e óbvia
racionalidade econômica. Parte dessas forças utiliza agora essas bandeiras como
biombo de uma pauta obscurantista, de cunho religioso “em nome da pátria” — o
que inclusive prejudica a reputação dos religiosos iluministas brasileiros e
até de parcela da direita esclarecida.
Àqueles que consideram esse tipo de expediente nacionalista
“necessário”, recomendo uma visita aos Estados Unidos, não só à Disney e a
Miami, mas também à Califórnia e a Nova York, lugares mais miscigenados e
cosmopolitas, onde há um enorme desenvolvimento humano e financeiro, com amplo
espaço não só para a liberdade de expressão, mas também para a liberdade civil.
Quem se lembra da “caça aos marajás” promovida por um presidente brasileiro,
enquanto este escondia a sua corrupção e a de seus pares? Muitas vezes, quando
alguém grita “pega ladrão!”, é bom
saber se não é o ladrão quem está gritando.
Para concluir (e descontrair, que ninguém é de ferro), assista ao vídeo onde os Originais do Samba interpretam "Reunião de Bacana", do impagável Ary do Cavaco.
Para concluir (e descontrair, que ninguém é de ferro), assista ao vídeo onde os Originais do Samba interpretam "Reunião de Bacana", do impagável Ary do Cavaco.