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segunda-feira, 13 de maio de 2019

DE EX-JUIZ DE SUCESSO, MORO PASSA A MINISTRO FRUSTRADO



A roubalheira não atingiu o estágio epidêmico no Brasil por acaso. A oligarquia política e empresarial tornou-se corrupta porque a corrupção tem defensores poderosos no país. Feridos, os paladinos da imoralidade estavam recolhidos. Jogavam com o tempo. Festejaram em silêncio a volta das ruas para casa. E passaram a sonhar com a chegada do momento em que a Lava-Jato se tornaria um assunto chato.

A julgar pelo rebuliço que se observa em Brasília, o grande dia chegou. Os cavaleiros da velha ordem estão de volta. Movem-se com desenvoltura incomum. É como se planejassem tirar o atraso. Já nem se preocupam em maneirar. Perderam o recato. Há poucos, muito poucos, pouquíssimos inocentes em cena. Juntos, culpados e cúmplices compõem a maioria.

Na comissão especial que se incumbiu de examinar a medida provisória 870, que remodelou os ministérios ao gosto de Jair Bolsonaro, o esforço anticorrupção recebeu duas pauladas. Primeiro, deslocou-se o Coaf da Justiça para a Economia. Poder-se-ia alegar que a volta atrás seria tecnicamente justificável. Mas a segunda cacetada deixou evidente o que se passava na comissão.

Aprovou-se uma emenda-jabuti que restringe a atuação dos auditores da Receita Federal, afastando-os do Ministério Público. A turma do Fisco terá de se ater aos crimes tributários. Se esbarrarem em indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e toda sorte de delitos, não poderão se reportar diretamente ao Ministério Público, como fazem hoje. O compartilhamento dos dados só será admitido mediante autorização judicial.

ObservaçãoEm entrevista à rádio Bandeirantes, Jair Bolsonaro afirmou neste domingo que devolver o Coaf ao Ministério da Economia é uma “medida inócua”. Segundo o presidente, Paulo Guedes tem boa interlocução com Sergio Moro. Antes de aceitar a oferta de comandar a pasta e deixar para trás 22 anos de magistratura, Moro e Bolsonaro negociaram dois pontos. Um deles seria o comando sobre o Coaf. O outro, a possibilidade de tornar-se ministro do STF. No anúncio deste domingo, o presidente deixou claro que, mesmo com o primeiro ponto comprometido por vontade dos parlamentares, manterá sua palavra em relação ao segundo. Moro havia dito a interlocutores que deixaria o governo se perdesse o controle do Coaf, mas reconsiderou e resolveu ficar. A meu ver, pesou em sua decisão a perspectiva de ser alçado à nossa mais alta Corte dentro de 1 ano e meio, na vaga aberta pela aposentadoria do decano Celso de Mello. Mas não custa reproduzir o que o ministro disse à Jovem Pan: "Fico honrado com o que presidente falou, mas não tem a vaga no momento. Quando surgir, ele vai avaliar se vai manter convite, eu vou avaliar se vou aceitar, se for feito efetivamente o convite." Para restabelecer a aura de respeitabilidade do STF não basta substituir um de seus membros. O Tribunal, hoje presidido por um ex-militante petista reprovado duas vezes seguidas em concurso para juiz de primeira instância, conta com outros sete magistrados indicados nas gestões de Lula e de Dilma, e três egressos dos governos Sarney, FHC Temer. Esperar o que de uma confraria dessas?

Ah, que maravilha! A corrupção passa pelo portão dos fundos, sobe pelo elevador privativo, encontra a porta aberta e entra sem bater. A fiscalização marca hora e toma chá de cadeira na antessala. Esbarrando em algum crime, fica de bico calado, redige um requerimento à chefia, que envia um ofício ao Departamento Jurídico, que protocola uma petição ao juiz, que produz um despacho qualquer quando bem entender.

O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, chamou a manobra pelo nome próprio numa postagem no Twitter: "Mordaça", ele anotou. "É incrível uma lei proibir um auditor fiscal de comunicar ao Ministério Público a suspeita de um crime, conexo ou não a um crime tributário investigado. Isso é uma obrigação de qualquer cidadão. Uma mordaça está sendo colocada na Receita Federal…"

Na outra ponta da Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as Assembleias Legislativas, a exemplo do que sucede com o Congresso Nacional, têm poder para reverter decisões judiciais desfavoráveis aos deputados estaduais. Podem anular ordens de prisão, rever medidas cautelares e até suspender ações penais. Na prática institucionalizou-se o modelo baseado na regra número um do corporativismo: uma mão suja a outra.

Como se fosse pouco, o Supremo validou o decreto de indulto natalino assinado por Michel Temer em 2017. Coisa fina: inclui no rol dos beneficiários condenados por corrupção, peculato, concussão, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, etc. Coisa generosa: perdão de 80% da pena e 100% das multas. Tudo isso no mesmo dia em que Temer foi recolhido à prisão pela segunda vez no âmbito de um processo em que é acusado de chefiar organização criminosa.

Aos pouquinhos, o pedaço do mapa de Brasília por onde transita o Poder vai recuperando aquele velho formato de forno —um forno de assar pizzas. Eleito como capitão de uma nova ordem, Jair Bolsonaro diverte-se distribuindo portes de arma. Simultaneamente, divide ministérios em dois para tentar, sem sucesso, saciar o apetite de aliados. Quem olha de longe fica com a impressão de que Brasília é movida pelo desejo inconsciente de acordar a rua. Tomara que consiga. Só o meio-fio pode salvar o Brasil dos defensores da imoralidade.


Com Josias de Souza

domingo, 12 de maio de 2019

BILHETE A JAIR



Jânio Quadros implicava com o biquíni; Jair Bolsonaro implica com os gays. Jânio distribuía bilhetinhos e Jair posta tuítes. Jânio não gostava de negociar com o Congresso e Jair também não gosta. Jânio se incomodava com os constrangimentos institucionais. Certa vez lançou uma provocação a seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco: “Creio que a maioria dos ingleses pegaria em armas para defender o seu Parlamento. E o senhor, ministro, pegaria em armas para defender o Congresso brasileiro?”. Bolsonaro, em evento organizado por VEJA na pré-campanha em 2017, disse: “Se o Kim Jong-Un lançasse uma bomba H que só atingisse o Parlamento (brasileiro), você acha que alguém ia chorar aqui?”. Os paralelos entre o efêmero presidente de 1961 e o atual são numerosos. Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar a política do país.

Entenda-se por “fantasma de Jânio” a herança de despreparo, aventureirismo e pouco-caso com as instituições que com indesejável frequência se tem reencarnado nos ocupantes da cadeira presidencial. Fernando Collor foi o primeiro a vestir o modelo. Ao despreparo e ao aventureirismo juntava-se, nele, a mistificação de apresentar-se como “o caçador de marajás”, tal qual o outro empunhava a vassoura que varreria a corrupção. Faltava a Collor, no entanto, o vezo de fiscal de costumes que aproxima o atual presidente de seu remoto antecessor. Bolsonaro proibiu anúncio do Banco do Brasil que apresentava jovens de cores da pele, penteados, trajes e trejeitos diversos, e ainda comentou: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay”. Antes, havia proibido livro didático que expunha desenho da genitália feminina e feito circular, a título de alerta, vídeo com aberração sexual. Jânio, em sete meses de governo, proibiu, ou tentou proibir: biquínis nas praias; maiôs mais atrevidos nos desfiles de miss; anúncios na TV de maiôs e peças íntimas femininas; corridas de cavalo nos dias de semana; brigas de galo; lança-perfume; e — para culminar — espetáculos “de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio e de televisão”.

O Jânio de outrora e o Jair de hoje partilham as tendências: (1) de ocupar-se de coisas pequenas, mais próprias de delegados de polícia, juízes ou, no máximo, prefeitos; e (2) de acreditar que uma canetada muda tendências comportamentais. O biquíni, a despeito de Jânio, prosseguiu sua gloriosa carreira até o fio-dental, e promete ir além. O turismo de homossexuais, consolidado graças ao Carnaval e às paradas gay, não há de ser estancado pela bronca do chefe de governo. Diga-se a favor de Jânio que nunca foi desatinado como Bolsonaro ao acrescentar, quando falou sobre o turismo gay: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”. Na constrangedora afirmação, o machismo mais tóxico se punha a serviço do mais predador dos turismos sexuais. Em outro plano, Jânio nunca cometeu o despautério de assacar contra o ensino da filosofia e da sociologia, nem a barbaridade de prometer aos fazendeiros licença para matar os invasores (uma inspirada reação na internet perguntou: “Índio também vai poder matar o invasor de suas terras?”).

Jornalistas do período e historiadores registraram as insuficiências do presidente de 1961. “Era evidente a má vontade de Jânio para com o Legislativo. (…) Elegera-se sempre ‘contra os políticos’, ainda que fosse um dos maiores”, escreveu o jornalista Carlos Chagas. O historiador Thomas Skidmore, no conhecido Brasil: de Getúlio a Castelo, afirma que faltavam a Jânio “discernimento e tenacidade para governar”, e, ao comentar suas dificuldades no dia a dia da administração, acrescenta: “Talvez estivesse agindo como alguém que sobe muito depressa e muito alto para sua capacidade”. Um autor de hoje, encarregado de analisar Bolsonaro, pode aplicar a semelhantes considerações um simples “copia e cola”. E com mais razão ainda pode fazê-lo socorrendo-se das brincadeiras que o jornalista Pompeu de Sousa estampava nas páginas do Diário Carioca. Assim como Jânio expedia seus bilhetinhos aos assessores, Pompeu publicava bilhetinhos ao presidente. O do dia 18 de março de 1961 vale para o Jair sem tirar nem pôr: 

“Assim é seu governo, Excelência. Cada dia uma decisão, uma orientação, uma revogação do dia anterior. Uma revogação de si mesmo. Governo, Excelência, é exatamente o contrário disso. Por isso é que continuamos à espera de que Vossa Excelência comece a governar”.

Texto de Roberto Pompeu de Toledo

quarta-feira, 8 de maio de 2019

COISAS DO BRASIL



Jair Bolsonaro atribui sua vitória a Carluxo, que a credita a Olavo de Carvalho, quando na verdade ela se deveu a uma conjunção de fatores, dentre os quais o antipetismo, a facada de Adélio, a indignação popular contra o establishment e o apoio dos evangélicos, apenas para ficar nos principais.

A questão é que o capitão foi empossado há 16 semanas e ainda não começou a governar de fato — ao contrário do diligente príncipe herdeiro 02, que “vem se matando literalmente” para fazer Brasil dar certo, com milhares de tuítes disparados a partir da conta do pai. Com seu poderoso iPhone nas mãos, o pitbull palaciano provocou a demissão de Gustavo Bebianno, semeou a cizânia entre o Planalto e a presidência da Câmara, atacou duramente general Hamilton Mourão e, mais recentemente, passou a bater também no general Santos Cruz — dizem que por influência do guru do clã dos Bolsonaro, que puxa os cordéis lá da Virgínia (EUA) enquanto chupa alegremente seu cachimbo (não me pergunte o que ele coloca no fornilho).

Em março, Santos Cruz chamou o ex-astrólogo e autodeclarado filósofo de “desequilibrado” por criticar o vice-presidente e dizer que os militares do governo têm “mentalidade golpista”. Em resposta, Olavo disse que o general “simplesmente não presta.” Em abril, zero dois chancelou a indicação do empresário Fabio Wajn­garten para o comando da Secretaria de Comunicação, derrubando Floriano Amorim, com quem Santos Cruz mantinha um bom relacionamento. A troca produziu — e ainda produz — faísca no setor. 

O ex-comandante do Exército e assessor especial do Gabinete Institucional de Presidência, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do colega de Santos Cruz depois de Santos Cruz sido chamado de “merda” por Olavo de Carvalho, para quem "ninguém votou para ter um governo de generais tucanos". No meio do tiroteio, Bolsonaro, pusilânime, dá uma no cravo e outra na ferradura mas precisa mostrar sem rodeios com qual dos blocos se alinha. Ontem, em São Paulo, o filho Eduardo reputou “normais” as críticas feitas a militares aliados do presidente da República por ele próprio, pelo irmão Carluxo e, sobretudo, por Olavo de Carvalho.

Segundo o zero três, é natural que quem não esteja alinhado com o papai presidente fique sujeito a qualquer tipo de ataque. Também adepto à prática do “tiro ao general”, ele mirava em Mourão e em Santos Cruz, mas acertou Eduardo Villas Bôas — torpemente rebaixado pelo guru presidencial a “um doente numa cadeira de rodas” — e, por tabela, Augusto Heleno. Segundo Augusto Nunes, Villas Bôas teve uma participação fundamental na caminhada que o levou Bolsonaro ao Planalto, e ambos dividem segredos de tão grosso calibre que o capitão prefere levá-los para o túmulo. Por tudo isso e muito mais, o presidente precisa decidir se está com os atacantes ou com os agredidos.

Militares com cargos no primeiro escalão do governo disseram ao Estadão que estão apreensivos com a “falta de pulso” do chefe do Executivo para enquadrar seus filhos e seu guru, que a situação chegou “no limite” e que eles só não deixam o governo com receio do que pode acontecer no País (clique aqui para ler a matéria completa). Bolsonaro & Filhos depositam no "professor Olavo" um poder que, na prática, ele nunca teve, mas que lhe infla o ego e reforça a narrativa de constante combate contra “terríveis forças do mal”. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país. O PT foi derrotado; Bolsonaro está no poder. Agora, a prioridade é outra, a pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não se dar conta disso, e o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo. 

Bolsonaro vem tentando minimizar as rusgas com o vice-presidente — visto pela prole real como potencial usurpador, embora o que ele tem feito seja apenas preencher as lacunas deixadas em aberto pelo menos preparado titular (vale lembrar que o poder abomina o vácuo). O clima é de bagunça geral, graças, sobretudo, aos pimpolhos de ouro, com destaque para o 02, que é o mais incisivo nos ataques. Enquanto isso — e talvez até por isso — a reforma previdenciária patina, a proposta anticrime e anticorrupção não avança (e como poderia avançar se não existe articulação política e o Congresso está infestado de corruptos?) e os índices de aprovação da atual gestão despencam, já que a população precisa de emprego, não de assistir impotente a templários travando uma batalha no Twitter. Isso me faz lembrar de um velho adágio dos marinheiros, segundo o qual “um comandante pilota o navio, mas dois comandantes afundam o navio”.

ObservaçãoO alto comando militar do governo fechou um acordo nesta terça-feira, 7, em almoço com o presidente, de não responder mais a Olavo de Carvalho. No entendimento dos participantes do encontro, a nota do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas foi suficiente para responder às provocações do escritor. E se o guru do presidente faz muito barulho nas redes sociais, não chega a afetar na prática o andamento do governo. 

A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez mais seus apoiadores se resumem a bolsomínions — seleta confraria de baba-ovos que agem tal e qual os militantes de esquerda, só que com o sinal trocado. Há até quem chegue a dizer que seria melhor termos o general Mourão como presidente, o que chega a ser espantoso, sobretudo porque muitos brasileiros votaram em Bolsonaro porque não queriam a volta da esquerda ao poder, a despeito do receio de, em elegendo o capitão, estariam abrindo as portas para a volta da ditadura militar. Curiosamente, é justamente o núcleo militar que menos problemas tem criado para o presidente. Coisas do Brasil, que há décadas avança aos trancos e barrancos, não graças a seus governantes, mas apesar deles.

Segundo Dora Kramer, este não é o primeiro e talvez não seja o último ignorante a ocupar a Presidência. O atual mandatário tampouco pode ser visto como pioneiro no exercício insolente da incultura. O que o diferencia de antecessores e de possíveis sucessores é a tendência a fazer as coisas para só depois ver como é que ficam. A questão é que o problema, com as consequências, é que elas vêm depois. Bolsonaro parece não saber como as coisas funcionam. Não sabia, por exemplo, que os árabes, donos de negócios bilionários com o Brasil, não podiam ser ofendidos impunemente. Ou que dos chineses depende boa parte do equilíbrio de nossa balança comercial. Pela cabeça do presidente não passava a evidência de que universidades fossem autônomas para decidir sobre a continuidade dos respectivos cursos, tampouco havia no chip dele a existência de uma lei que afasta as empresas estatais da alçada do Planalto.

Jair Bolsonaro, na condição de deputado do baixo clero, não sabia de muita coisa. Normal. Só que Jair Bolsonaro, como presidente da República, precisa saber de tudo. Entre outros motivos para não acabar como seu antípoda que alegadamente não sabia de nada. De tanto errar, provocar, e com isso abrir espaço para as questões das quais discorda, vai acabar mostrando e provando pela via do contraponto que o Brasil é um país mais plural, mais adepto à diversidade, mais moderno do que aquele que acredita governar. Por ignorância, arrisca surpreender-se.

sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tournedos de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?

sexta-feira, 3 de maio de 2019

DUAS SUPREMAS NULIDADES


É fato sabido que o STF, pelo comportamento pessoal de parte dos seus membros, se transformou há tempos no principal causador da instabilidade jurídica no Brasil. É uma aberração. O Supremo é justamente o órgão que deveria garantir o principal atributo da aplicação da justiça numa sociedade civilizada a previsibilidade das decisões judiciais, elemento indispensável para dar aos cidadãos a segurança de saber que os magistrados vão proceder sempre da mesma forma na aplicação das leis. Sem isso não há justiça de verdade; há apenas os caprichos, as neuroses e os interesses materiais de quem está com o martelinho de juiz na mão.

Não é apenas a estabilidade jurídica que está indo para o saco. A conduta degenerada de diversos membros da Corte acaba sendo, também, uma ameaça constante à própria estabilidade política do país, com a produção irresponsável, incompreensível ou inútil de crises com os poderes Executivo e Legislativo, conflitos com porções diversas da sociedade e agressões à lógica comum. Tudo isso, nos últimos dias, ficou ainda pior. Dois ministros, o presidente Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, mergulharam num surto de decisões extravagantes, totalitárias e denunciadas como puramente ilegais por muitos dos juristas mais respeitados do país. Resultado: tornaram-se uma ameaça direta às instituições brasileiras. São eles, mais que quaisquer outros indivíduos, quem mais se esforçam hoje para destruir um dos três pilares da democracia que existe por aqui o Poder Judiciário.

Toffoli e Moraes são duas nulidades; não irão a lugar nenhum com seus acessos de furor ditatorial e não vão, no fim, conseguir o que querem. Na verdade, já não conseguiram. Sua história, como todo o Brasil ficou sabendo, é rasa, escura e miserável. A revista digital Crusoé, parte da organização jornalística O Antagonista, publicou um trecho da delação do empreiteiro Marcelo Odebrecht, réu confesso de corrupção maciça no governo Lula, condenado e cumprindo hoje pena de prisão domiciliar. Nessas declarações, que integram um documento oficial da Justiça como parte inseparável do seu longo processo de delação, Odebrecht se refere a Toffoli descrito por ele como o amigo do amigo do meu pai, ou seja, como amigo de Lula numa sombria conversa envolvendo construção de usinas e a Advocacia-Geral da União, à época dirigida pelo atual presidente do STF. Pronto. Toffoli entrou imediatamente em modo de Rei da Babilônia e mandou o colega Moraes se lançar à expedição de uma bateria de ordens dementes suspensão da publicação da revista, multas diárias de 100.000 reais, censura, ameaça a outros meios digitais e por aí afora.

O resultado foi um desastre integral. O STF conseguiu, ao mesmo tempo, violar a liberdade de imprensa, aplicar punições sem a conclusão de processo legal e sem a produção de uma única prova, ignorar a decisão da Procuradoria-Geral da República de arquivar o caso (cabe à PGR, legalmente, investigar os supostos delitos cometidos pela revista), exercer abuso de poder e incorrer na suspeita de praticar outros crimes um horror, quando essa série de ações é cometida não por criminosos do PCC, mas por ministros da mais alta corte deste país. Pior que tudo, a dupla conseguiu exatamente o oposto do que pretendia com a sua blitz proibitória e punitiva: a reportagem da Crusoé, que ambos quiseram deletar do mundo real, foi reproduzida de forma massiva e incontrolável por centenas de órgãos de comunicação, de todos os tamanhos e plataformas, espalhados pelo Brasil e mesmo no exterior. Toffoli, que já carrega na testa a marca de repetente (por duas vezes) em concursos para juiz de direito, passou a carregar agora, também, o lamentável apelido de “amigo do pai do meu pai”. Não vai se livrar disso.

Os dois serão detidos dentro do próprio STF, que não os deixará obter o que queriam. Sua tela está mostrando: “You lost“. Mas conseguiram, sim, cometer um atentado de primeira grandeza contra as instituições.

Texto de J.R. Guzzo

quarta-feira, 1 de maio de 2019

ZERO ZERO, ZERO DOIS E A GUERRA CIVIL NA VENEZUELA



Carlos Bolsonaro, dublê de pitbull palaciano e franco-atirador das redes sociais, tuitou que o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, exerceu com competência máxima sua incompetência na área de comunicação ao perder as chances claríssimas de trombetear o "bom trabalho" do seu pai, embora não tenha especificado quais feitos notáveis do presidente mereceriam um rufar de tambores. 

A exemplo de Mourão, Santos Cruz não é fã de carteirinha do polemista Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro e grande herói daquele que, ao incluir outro general no seu rol de alvos, deixou claro que o tiro ao general se tornou seu esporte predileto, enquanto seu papai presidente, ao permitir que o pimpolho ocupe todos os espaços da oposição, consolida sua inequívoca vocação para um esporte ainda mais radical: o tiro no próprio pé.

A frequência com que vem interferindo na administração de estatais e bancos públicos não só causa arrepios na equipe econômica como já garantiu ao presidente-capitão o apelido nada elogioso de “Dilmo”. Menos de uma semana depois de ordenar ao Banco do Brasil a suspensão de uma peça publicitária (que custou R$ 17 milhões) e demitir o diretor de marketing da instituição, o boquirroto, visando à redução dos juros para empréstimos ao setor rural, apelou publicamente “ao coração e ao patriotismo” do presidente da instituição, que, ao ser empossado no cargo, afirmou que o banco não voltaria a ser usado para baixar artificialmente os juros, como aconteceu no governo Dilma, cujo intervencionismo levou o país para o buraco.

Para desassossego de seu ministro e da equipe econômica, Bolsonaro vem se revelando um liberal de gogó. Ao repetir no Banco do Brasil o que tentou fazer na Petrobras, o capitão derrubou o valor das ações da instituição, justificou o apelido que recebeu dos parlamentares do centrão e demonstrou ser incapaz de aprender com os próprios erros, pois imaginava-se que a tentativa atabalhoada de controlar os preços do diesel na Petrobras a golpes de gogó lhe tivesse lhe ensinado que o órgão a ser governado nas empresas — estatais ou privadas— é a cabeça, e que não se melhora um balanço com o coração. E governante que demora a perceber algo tão trivial estimula o eleitor a acreditar que a República já não precisa de um presidente, mas de um médico-legista.

Enquanto escrevo este texto (no final da tarde de terça-feira, 30), o caldeirão ferve como nunca na Venezuela. Se as imagens transmitidas pela TV não são de uma guerra civil, então eu não sei o que seriam. Graças ao bolivarianismo tão admirado por Gleisi, Haddad e outros esquerdopatas, e insuflado com dinheiro do BNDES (nosso dinheiro, portanto) durante os governos de Lula, de sua imprestável pupila e sucessora e de seu "bando de maluco", o país vizinho chegou ao ponto que chegou, e só se salvará com a queda — ou o extermínio, que assim não fica dando despesa na prisão — do ditador sanguinário que se agarra ao poder como carrapato em lombo de boi. Que Maduro caia rápida e definitivamente, livrando a América Latina de mais essa aberração populista de esquerda.

O Planalto, que foi pego de surpresa pelos acontecimentos (pelo menos, foi essa a impressão que deu), afirmou que o desfecho do imbróglio depende do comportamento das Forças Armadas. A sensação de que a adesão a Guaidó poderia ser mais densa foi potencializada pelas imagens em que ele se exibia ao lado de militares fardados e de outro líder oposicionista, Leopoldo López, que estava em prisão domiciliar, sob forte vigilância, desde 2014, mas a repressão que veio na sequência, com a imagem chocante de um blindado atropelando manifestantes, levou o governo brasileiro a moderar seu entusiasmo.

Segundo Josias de Souza, a impressão que vigora no momento é a de que a crise mudou de patamar, pois um pedaço da estrutura militar migrou para o lado de Guaidó. Entretanto, o Planalto concluiu que a migração pode ter relevo apenas quantitativo. Em termos qualitativos, a cúpula militar se mantém leal a Maduro. Foi essa a principal avaliação feita durante reunião de emergência convocada por Jair Bolsonaro, na manhã de ontem, para analisar o recrudescimento da crise venezuelana.

O PT sustenta em nota oficial que não há ditadura na Venezuela — os blindados que atropelaram manifestantes nas ruas de Caracas decerto são fruto de um complô de cenas irreais com as lentes das câmeras. Aos esquerdopatas fanáticos, pouco importa que Maduro tenha sido reeleito em 2018 numa votação contestada e tisnada pelas fraudes, que o pleito foi antecipado e os principais opositores do regime, acomodados na cadeia. Para eles, o que houve foi uma "tentativa de golpe levada a cabo pela oposição da direita golpista e antichavista." A cúpula militar que segura Maduro no poder para salvar seus privilégios talvez seja fruto de alucinação coletiva.

Na avaliação imprestável dos seguidores da seita do inferno e postulantes do Lula-Livre, os golpistas "tentam há anos derrubar o governo democraticamente eleito do Partido Socialista Unido da Venezuela", mas fracassam por causa do "apoio que o partido e seu governo têm junto às pessoas, após anos de políticas voltadas ao bem-estar da população e contrárias à exploração imperialista e das elites locais." A miséria, a hiperinflação, os milhões de venezuelanos fugindo do país… Tudo isso é efeito especial produzido pelo império nos estúdios de Hollywood. 

A certa altura, a nota faz uma concessão à realidade, admitindo a existência de "problemas" na Venezuela. O texto não especifica as encrencas, mas apresenta a solução: basta "levantar o embargo econômico internacional de que o país e, principalmente, sua população, são vítimas." Para que a coisa funcione, o PT ensina que "é importante que as forças democráticas busquem o caminho do diálogo e levem em consideração a vontade expressa no voto popular." Diante dessa conjuntura, o PT precisa definir o que entende por "vontade popular". Refere-se aos anseios das urnas fraudadas ou ao desejo das ruas sublevadas e das legiões que fogem do inferno e buscam refúgio em países vizinhos?

Sem rumo, com seu principal líder na cadeia e com um inimigo no Planalto, o PT enfiou-se em algo muito parecido com um buraco. A legenda podia celebrar o fato de que, pelo menos, ainda não havia terra em cima. Mas a nota sobre a Venezuela revela a existência de um plano secreto do petismo: a organização do próprio funeral. Assinam a nota do PT quatro coveiros: a presidente Gleisi Hoffmann; os líderes Humberto Costa (Senado) e Paulo Pimenta (Câmara) e a secretária de Relações Internacionais Mônica Valente.

Para o deputado federal Rubens Bueno, membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e que é contra uma intervenção militar no país vizinho, o Brasil e a grande maioria das democracias do mundo vêm defendendo a saída de Maduro do poder. De acordo com o parlamentar, "Maduro insiste em manter sua ditadura, fraudou todas as últimas eleições, mergulhou o país na mais grave crise econômica de sua história e agora quer jogar o país em uma guerra civil. Nós reconhecemos a legitimidade de Guaidó para promover a retomada da democracia na Venezuela e repudiamos a postura de Maduro de atacar seu próprio povo. O que acontece hoje naquele país é uma revolta contra um governo déspota. Sempre defendemos uma saída negociada para a crise, com a convocação de novas eleições. Pelo que estamos assistindo, a população cansou de esperar. É lamentável que Maduro continue resistindo e levando o país a um caos generalizado". Há como discordar?

O líder da oposição e autoproclamado presidente interino da Venezuela fez um novo apelo para que as pessoas saiam às ruas para protestar neste feriado mundial de 1 de maio. Segundo Guaidó, hoje é a “fase definitiva da Operação Liberdade”. Vamos continuar acompanhado e torcendo para que Maduro, o tiranete de merda, seja devidamente despachado para o quinto dos infernos. E Lula lá.

terça-feira, 30 de abril de 2019

O BRASIL NÃO É PARA PRINCIPIANTES



A frase que intitula esta postagem é atribuída ao saudoso maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — brasileiro até no nome —, mas eu vou mais além: governar este país é para poucos, e governá-lo bem, então, para muito poucos. Se Bolsonaro se enquadra nesta seleta confraria, bem, prefiro deixar o leitor tirar suas próprias conclusões. Vamos aos fatos.

Dentre outras coisa, o 38.º presidente do Brasil já nos deu a saber que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política, para a qual entrou como vereador e se elegeu deputado federal sete vezes consecutivas. Ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar, ele apresentou 172 projetos, relatou 73 e aprovou apenas dois, mas isso não vem ao caso. Na eleição de 2014, ao ver a calamidade em forma de gente derrotar o tucano corrupto, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência — antes disso ele havia colocado seu nome à disposição do PP para concorrer com “a cara da direita”, mas foi ignorado pela própria legenda, que apoiou a campanha de Dilma. Durante a convenção partidária, lançou seu ultimato: “Ou o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, o PP afundou de vez; graças a sua pregação antipetista, o hoje presidente se reelegeu como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.

No final de 2014, o hoje presidente rodou o país em carreatas, estampou camisetas e adesivos, posou para “selfies” com eleitores e ganhou um público jovem e ligado nas redes sociais — os “bolsomínions”, que são uma espécie de militantes petistas com o sinal político trocado. E o resto é história recente: com a população dividida em petistas-lulistas e antipetistas-antilulistas, o candidato de extrema direita obteve 55% dos votos válidos, derrotando a marionete de Lula por uma vantagem de quase 11 milhões de votos — que não vieram somente de bolsomínions, simpatizantes e admiradores, mas também de eleitores que não queriam (e continuam não querendo) ver o Brasil governado por um fantoche controlado remotamente por um presidiário. E isso com uma campanha espartana (que não usou o dinheiro do fundo partidário), feita por uma coligação raquítica e que dispunha de míseros 8 segundos de exposição diária no horário político obrigatório.

De estatista, o deputado-capitão passou a defensor da liberdade de mercado, selou pareceria com o economista liberal Paulo Guedes (seu Posto Ipiranga). Para compor a chapa como vice, convidou o senador Magno Malta, que errou feio ao declinar, pois não conseguiu se reeleger — mesmo com a maior verba partidária da sigla em seu estado, Malta obteve menos da metade dos 1.500 mil votos que esperava. A lista seguiu pelo general Augusto Heleno (que aceitou, mas não obteve sinal verde do PRP), pela advogada Janaína Paschoal (que recusou e acabou se elegendo a deputada estadual mais votada de São Paulo), pelo príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança (que foi desconvidado quando se divulgou que teria sido filmado agredindo um morador de rua), chegando afinal ao general da reserva Hamilton Mourão — aquele que defendeu numa loja maçônica em Brasília, em 2017, a intervenção militar no caso de o Judiciário não conseguir expurgar os corruptos da política nacional (voltaremos ao general mais adiante).

Bolsonaro começou a campanha liderando as pesquisas — atrás somente do ex-presidente presidiário, cuja candidatura nunca passou de uma quimera. Houve um consenso de que o capitão teria atingido o ápice da popularidade e que a tendência natural seria de desidratação, mas o cenário mudou com o atentado em Juiz de Fora, que quase lhe custou a vida. No segundo turno, debilitado por duas cirurgias, permaneceu recluso no condomínio na Barra da Tijuca (onde morava antes de se mudar para Brasília), mas continuou subindo nas pesquisas. Mesmo liberado pelos médicos, preferiu (sabiamente) não participar de debates — algo inédito no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil —, e mesmo entrincheirado em casa, com uma bolsa de colostomia presa ao abdome, defendendo-se e atacando através das redes sociais, alcançou a vitória mais improvável da história da democracia tupiniquim.

Para gáudio dos bolsomínions e apreensão dos que ajudaram a eleger o capitão por absoluta falta de opção, Bolsonaro vestiu a faixa e subiu a rampa do Palácio do Planalto sem tirar os pés do palanque. Seus primeiros 100 dias no cargo foram decepcionantes, sobretudo no que tange à reforma previdenciária (indispensável para o país e para a sustentabilidade do atual governo). Com o PT debilitado pela derrota, o presidente, três de seus filhos e alguns ministros de Estado pinçados lá do fundo baú da incompetência vem tomando para si a função da oposição, transformando o Planalto e se entorno numa usina de crises sem capacidade ociosa. O combustível da autossabotagem do governo é o caldeirão ideológico em que ele está mergulhado, no qual múltiplas correntes de direita se engalfinham por hegemonia e pelo controle da administração federal, ou setores dela. Seu lema: "se está ficando bom para todos, alguém precisa estragar algo".

O “caso Queiroz” é um bom exemplo — que ainda não produziu efeitos ainda mais deletérios porque novos fatos vêm se sobrepondo dia sim, outro também. Outro é a demissão de Gustavo Bebianno — o grande articulador da campanha do capitão — da secretaria-geral da Presidência, cuja permanência no governo se tornou insustentável depois de ter sido chamado publicamente de mentiroso pelo filho zero dois. Outro, ainda, remete ao “laranjal do PSL”, e haveria muitos mais, sem mencionar as estultices de um presidente que parece escolher os momentos mais impróprios para dizer o que não deve (haja vista a estúpida, despropositada e escandalosa queda de braço com o presidente da Câmara, que dificultou ainda mais a tramitação da PEC da Previdência).

Abril se despede e maio começa com um feriado prolongado no Congresso Nacional e um céu carrancudo, toldado pelas nuvens da indefinição. E as ingerências palacianas, como a que suspendeu o reajuste do preço do diesel a pretexto de evitar uma nova greve de caminhoneiros, e, mais recentemente, uma campanha publicitária do Banco do Brasil, não tem ajudado em nada, antes pelo contrário: há quem especule se não estaríamos numa situação melhor se o vice assumisse o comando desta nau de insensatos — o que não seria novidade, haja vista os governos de José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer, mas seria a ironia das ironias, na medida em que muita gente se preocupava com a possibilidade de a vitória do capitão ressuscitar a ditadura militar (aquela que hoje sabemos nunca ter existido no Brasil). Igualmente curioso é o fato de o presidente ter recheado seu ministério de generais, e estes serem os ministros que menos têm dado motivos para preocupação. Coisas do Brasil.

Para muitos analistas, a incompatibilidade entre Bolsonaro e o cargo de presidente, com combinada com a atuação deletéria de sua prole, responde pelo fiasco do governo em seus primeiros 100 dias. Sobre a crise da vez — que envolve o general Mourão e Carlos Bolsonaro (sempre ele, embora não somente ele) —, há que ter em conta que ministros podem ser exonerados, bastando para isso uma simples publicação no diário oficial, mas nem filhos nem vice-presidentes são passíveis de demissão

Talvez por isso o capitão e o general tentam passar a impressão de que vivem um casamento sólido, visitado apenas por desavenças ocasionais e amenas, próprias das uniões estáveis e felizes. “Esse casamento é até 2022, no mínimo”, disse Bolsonaro em café da manhã com a imprensa na quinta-feira 25, no Palácio do Planalto. “Continuamos dormindo na mesma cama. Só tem briga para saber quem vai arrumar a cozinha”, divertiu-se Bolsonaro. “Ou cortar a grama”, emendou Mourão. Por trás das alegres metáforas matrimoniais, porém, a realidade que se esconde nos bastidores mostra que, das crises políticas que o governo enfrentou até aqui, a mais grave é esta, com hostilidades entre o presidente e o vice, ainda que amenizadas em público, se mostram em franca ebulição no âmbito privado.

Para além de zero dois, o pivô de mais essa controvérsia é o autodeclarado “intelectual” Olavo de Carvalho, ex-astrólogo, esotérico e ultraconservador famoso não só pelas teorias delirantes que oferece em um curso virtual de filosofia, mas por ser uma espécie de guru do clã Bolsonaro e de eminência parda neste governo. Dentre outros prodígios, o "professor" foi responsável pela indicação dos ministros Eduardo Araújo, das Relações Exteriores (que “balança mas não cai”) e Ricardo Vélez, da Educação (que felizmente já caiu). É certo que, pela essência da pregação e pelo histrionismo do pregador, o guru de botequim e seus apóstolos (olavetes) mas cedo ou mais tarde voltarão para o ostracismo com certas curiosidades folclóricas de onde vieram. Mas as rusgas entre o presidente e o vice podem ensejar situações delicadas e produzir efeitos nefastos, sobretudo num governo instável, incerto, que claudica com sérias dificuldades.

As divergências entre zero dois e o vice vieram à tona quando Carluxo postou um vídeo na conta do pai no YouTube — pois é, a versão bolsonariana do “menino de ouro” de Lula é fiel depositário das senhas do papai e de outros integrantes do clã —, onde o guru araque desfia críticas impiedosas aos militares, mas que tem como alvo o general Mourão, a quem o proselitista já chamou de “adolescente desqualificado”. Bolsonaro pediu que o vídeo fosse retirado do ar, mas aí o estrago já estava feito: tinha sido aberta a temporada de ataques ao vice-presidente. 

Na saraivada de tuítes que se seguiu ao episódio, Mourão foi acusado de se opor às propostas do presidente, de se aliar a adversários, de se aproximar de empresários importantes, de bajular a mídia, de se apresentar como sensato e transigente — tudo isso, segundo zero dois, planejado para se viabilizar como alternativa de poder. Para piorar, a exemplo do que se deu no episódio Bebianno, o presidente endossa as críticas públicas que o filho tem feito ao general. Ele não concorda com tudo, mas acha que seu rebento está mirando no alvo certo.

Desde a postagem do vídeo, Mourão começou a desconfiar de que os ataques tinham o aval do presidente. Contrariado, disse que, se aquilo continuasse, não descartava a saída extrema de renunciar. No governo, afirmou o general, tudo o que tem feito é tentar ajudar o presidente, e não o contrário. Mas Bolsonaro parece estar convencido do oposto. 

Na terça-feira 23, durante a reunião do Conselho de Governo, alguém elogiou o presidente e declarou que ele vencera sozinho uma eleição difícil, sem a ajuda dos políticos. “Não, teve o Mourão comigo”, ironizou Bolsonaro. Semanas atrás, irritado com algo que não deixou muito claro aos interlocutores, o presidente voltou a censurar o vice: “O negócio é o seguinte: o Mourão é general lá no Exército. Aqui quem manda sou eu. Eu sou o presidente”. E tampouco freou os filhos. Ao contrário, Carluxo, depois do vídeo de Olavo de Carvalho, intensificou os ataques. Eduardo também entrou na roda, declarando que o Mourão enseja a desconfiança de que poderia almejar um cargo mais alto da República. “No começo eu ouvia esse papo e achava besteira. Agora, já não sei mais”, afirmou o pimpolho de número 3.

Em um governo tão sectário na política e na ideologia, o amplo leque de ações do vice-presidente soa como provocação — ou, o que é pior, como conspiração. E os petardos que mantêm o fogo alto costumam ser disparados por assessores que, às vezes mais realistas que o rei, apostam no confronto. Tanto que foi zero dois quem publicou o vídeo na conta do pai, e foi o coronel Itamar, que cuida da rede social do vice, quem curtiu um comentário da jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, que enfureceu Carluxo.

Observação: Na postagem do último dia 22, eu comentei que o vice-líder do governo na Câmara, por influência do guru de meia pataca, apresentou um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, alegando “conduta indecorosa, desonrosa e indigna” e “conspiração para conseguir o cargo de Bolsonaro”. Um dos argumentos sustentados pelo congressista patarateiro é um like de Mourão na publicação em que a jornalista Rachel Sheherazade dirigiu elogios ao vice-presidente e críticas ao titular. O general classificou como “bobagem” o pedido de impeachment e afirmou que "se prosperar, ele volta para a praia". Quanto ao dublê de pensador e astrólogo, talvez fosse melhor ele voltar a fazer mapa astral, chupar seu cachimbo lá em Richmond, na Virgínia, e palpitar menos no governo tupiniquim. Todo mundo sairia ganhando.

Se Carlos Bolsonaro fosse mulher, teríamos um caso clássico de Complexo de Édipo. No afã de proteger o papai, o filhote-pitbull extrapola, exorbita e ultrapassa todos os limites, começando pelo do bom senso. Sua cisma com Mourão começou no ano passado, depois do atentado contra Bolsonaro, quando insinuou que a morte do pai interessaria ao general. De lá para cá, vire e mexe ele volta à carga.

No domingo de Páscoa, zero dois postou um vídeo em que o guru do clã ataca os militares; no dia seguinte, Mourão ironizou as críticas e disse que Olavo deveria focar o que entende — astrologia. Na sequência, o pimpolho mostrou que o general curtiu um post da jornalista que classificou o presidente de “vinagre” e o vice de “vinho”. Depois postou o convite de uma palestra nos Estados Unidos para a qual o Mourão foi convidado e insinuou que o general foi chamado com a missão de falar mal do governo; em outro post, escarneceu de uma fala de Mourão sobre a crise na Venezuela (o general disse que a população do país tinha de estar desarmada para evitar uma guerra civil — “uma pérola!”, ironizou zero dois). Na sequência, compartilhou um vídeo que fala de uma suposta articulação política do PRTB, partido de Mourão, para ter independência do governo, e, poucas horas depois, uma entrevista em que Mourão diz que não iria comentar a decisão da Justiça de reduzir a pena de Lula, e um comentário do vice criticando o processo de “despetização” promovido no governo pelo ministro Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, criticado pela ofensiva, zero dois escreveu candidamente que não se trata de atacar o general, mas apenas de estabelecer os fatos. E por aí segue a procissão.

No café da manhã da última quinta-feira, presidente e vice sentaram-se lado a lado, em cena de harmonia. Fizeram questão de dizer que Carlos tem o direito de expressar sua opinião. Mourão chegou a comentar que o fato de Carlos ser filho do presidente não o obriga a ficar “de bico calado”. Mas é uma ingenuidade achar que a crítica de zero dois seja comparável à de qualquer político, ainda mais quando o dito-cujo teve papel fundamental na campanha e exerce influência indiscutível sobre o papai presidente.

Conflitos entre titular e vice permeiam a história desta república desde as mais priscas eras. O primeiro presidente do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, desconfiava de Floriano Peixoto, que assumiria seu lugar nove meses depois da posse. Café Filho conspirava contra Getúlio Vargas. João Goulart não dava trégua a Jânio Quadros. Na redemocratização, Itamar Franco voltou-se contra Collor e Dilma, vejam só, acreditava que Michel Temer era o vice mais discreto e servil com que um presidente poderia contar — e deu no que deu. 

Para evitar novas crises, há que lavar a roupa suja em casa. A nação agradece.

segunda-feira, 29 de abril de 2019

AINDA SOBRE O JULGAMENTO DO REsp DE LULA E A CONTROVÉRSIA SOBRE O CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Ao dar provimento parcial ao REsp de Lula, o STJ quebrou um paradigma, antecipou a possibilidade de progressão para o regime semiaberto e botou água na fervura do caldeirão do STF, que agora pode cozinhar em fogo brando a questão da prisão após condenação em segunda instância. De resto, quase nada mudou.

Por unanimidade — ou melhor, com os votos de quatro dos cinco integrantes da 5ª Turma, já que o ministro Joel Paciornik havia se declarado impedido e não participou do julgamento — a pena de Lula foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias, ficando mais próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (9 anos e 6 meses), mas que o TRF-4 aumentaria para 12 anos e 1 mês. Já a culpabilidade tachada do réu foi (mais uma vez) reconhecida, e o dito-cujo continua hospedado compulsoriamente em sua cela VIP — regalia que já nos custou inacreditáveis R$ 3,6 milhões.

Observação: Por quebra de paradigma, entenda-se a mudança do comportamento da Turma, que até então vinha mantendo a maioria das decisões do TRF-4 nos recursos oriundos de processos da Lava-Jato. De se estranhar a “mudança de entendimento” do ministro Felix Fisher, que no final do ano passado negou monocraticamente o mesmo recurso que agora acolheu parcialmente — diz O Antagonista que isso se deveu à pressão de togados supremos, e o fato de os demais ministros terem acompanhado o voto do relator, divergindo somente quanto aos dias-multa e a reparação de danos (cada dia-multa equivale a 5 salários-mínimos), leva a crer que a suspeita faz sentido.

Nem Lula, nem seus advogados, nem o PT, nem os cerca de 60 gatos pingados que participaram da chamada vigília Lula-Livre comemoraram o resultado, pois esperavam (ou desejavam) a anulação da condenação ou a remessa do processo para a Justiça Eleitoral. Aliás, para a choldra petista, que não veria provas contra o seu amado líder nem que elas lhes mordessem a bunda, a absolvição seria a única decisão justa e acertada. Só que não. O ex-presidente, nunca é demais lembrar, não é um preso político, mas um político preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No mais, não havia, mesmo, o que comemorar. Agora, são oito magistrados de três instâncias a chegar ao mesmo veredicto, o que aniquila a fantasia de que o petista é vítima de perseguição política e reduz a zero uma das últimas esperanças da defesa no processo do tríplex. Os advogados sabiam que a possibilidade de absolvição era considerada remotíssima e trabalharam ao longo de meses para conseguir pelo menos um voto favorável, visando abrir caminho para uma discussão no Supremo. Mas nem isso deu certo. A defesa levantou dezoito teses jurídicas para tentar anular a condenação, incluindo a suspeição do ex-juiz Moro e dos procuradores da Lava-Jato, uma suposta falta de provas, a prescrição do caso, o cerceamento de defesa e a dupla condenação pelo mesmo crime. Todas foram rejeitadas.

A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.

ObservaçãoTão logo o TRF-4 confirmar a sentença da juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o sítio em Atibaia, Lula deixará de ser réu primário, e a somatória das penas postergará a progressão para semiaberto. Isso sem falar nos outros processos a que ele responde (clique aqui para mais detalhes sobre as demais ações que tramitam contra ele na Justiça Federal do Paraná, do Distrito Federal e de São Paulo).

Após a condenação no STJ, uma eventual mudança na jurisprudência do Supremo sobre o cumprimento antecipado da pena após a condenação em segunda instância deixa de favorecer o criminoso. Esse assunto já deu no saco, mas não há como evitá-lo, até porque as três ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que se encontram sob relatoria do ministro Marco Aurélio, defensor atávico da prisão somente após o trânsito em julgado, deverão voltar à pauta do Supremo no segundo semestre. Mas é indiscutível que a decisão da última terça-feira contribuiu para reduzir a pressão. Além disso, é possível que o Congresso pacifique essa questão antes mesmo de a Corte julgar as tais ADCs, já que a aprovação de um projeto de lei dispondo sobre o tema faria com que elas perdessem o objeto — e evitariam um desgaste ainda maior do STF, que não tem como agradar simultaneamente as alas punitivista e garantista. 

Em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que os deputados devem votar a prisão após a condenação em segunda instância ainda em 2019. “Nós não temos por que, depois de agora a terceira instância ter decidido sobre o presidente Lula, a gente não precisa fugir desse debate mais, porque esse debate era um debate muito acalorado. Agora, eu acho que a razão vai prevalecer em um tema que a sociedade demanda do Parlamento, uma decisão definitiva sobre o assunto”, disse ele.

No Legislativo, o assunto tramita em formatos diferentes. O pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro é um projeto de lei, e as propostas do deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro-chefe da Casa Civil, e do deputado Alex Manente, do Cidadania de São Paulo, preveem a mesma mudança por PEC. Alguns deputados entendem que aprovar a prisão após a condenação em segunda depende de uma mudança na Constituição, mas Moro afirma ser possível implementá-la via projeto de lei, porque já há decisão do Supremo sobre a segunda instância. A conferir.

Muito já foi dito e repetido aqui no Blog sobre essa controvérsia, mas vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 a 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Em 2009, no frigir dos ovos do julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para saber mais sobre essa mixórdia, clique aqui).

Tudo somado e subtraído, nos últimos setenta anos — excetuando-se o período de 2009 a 2016 — os criminosos eram presos depois de condenados em primeira ou em segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de meliantes com cacife para contratar criminalistas renomados, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. Vale lembrar que a defesa de Luis Estevão apresentou nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos.

Curiosamente, Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. Sete meses depois, no entanto, o próprio Mendes passou a acolher os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese ora defendida por Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste vídeo).

Observação: A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Salvo melhor juízo, duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final.

Quando essa polêmica se instalou no Supremo, em 2016, as condenações envolvendo crimes do colarinho branco revelados pela Lava-Jato ficaram sob as luzes da ribalta, e o ator principal sempre foi Lula, ora condenado em terceira instância. A diminuição de sua sombra sobre esse debate enseja o enfrentamento da questão em todos os seus aspectos, quais sejam a solução da controvérsia jurídica, a gestão eficiente do sistema de Justiça e o fim de um impasse institucional que paralisa a suprema corte. Agora, porém, decida o STF manter a jurisprudência atual ou passar a admitira prisão somente após a condenação em terceira instância, nada mudará para o petralha.

É natural, portanto, que a recente decisão do STJ seja vista com preocupação pelos petistas. Mesmo com a determinação da defesa de recorrer da decisão, ficou ainda mais remota a chance de uma reversão da pena, seja no próprio STJ, seja no STF. Confirmou-se, pois, o pior cenário para os petistas: depois de ser condenado por Moro, depois pelo TRF-4 e agora pelo STJ, “narrativa do PT” de que Lula é um perseguido político da Justiça no Brasil, que queria impedir a candidatura dele em 2018, já não se sustenta (se é que um dia se sustentou). Como no TRF-4, o ex-presidente foi condenado na terceira instância por unanimidade, e os ministros também rejeitaram alegações de falta de provas e de que a defesa teria sido cerceada. Como já foi dito, a progressão para o regime semiaberto ainda neste ano periclita ante a possibilidade de futuras condenações — Lula responde a outro seis processos na Justiça Federal do Paraná, Brasília e São Paulo —, sobretudo se o TRF-4 ratificar sua condenação no caso do sítio em Atibaia.

E Lula lá!