Ao dar provimento parcial ao REsp de Lula, o STJ quebrou um paradigma, antecipou a possibilidade de
progressão para o regime semiaberto e botou água na fervura do caldeirão do STF, que agora pode cozinhar em fogo
brando a questão da prisão após condenação em segunda instância. De resto,
quase nada mudou.
Por unanimidade — ou melhor, com os votos de quatro dos cinco
integrantes da 5ª Turma, já que o ministro Joel Paciornik havia se declarado impedido e não participou do
julgamento — a pena de Lula foi
reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias, ficando mais próxima da que foi
aplicada pelo então juiz Sérgio Moro
(9 anos e 6 meses), mas que o TRF-4 aumentaria para 12 anos e 1 mês. Já a culpabilidade tachada do réu foi (mais
uma vez) reconhecida, e o dito-cujo continua hospedado compulsoriamente em sua
cela VIP — regalia que já
nos custou inacreditáveis R$ 3,6
milhões.
Observação: Por quebra de paradigma, entenda-se a
mudança do comportamento da Turma, que até então vinha mantendo a maioria das
decisões do TRF-4 nos recursos
oriundos de processos da Lava-Jato. De
se estranhar a “mudança de entendimento” do ministro Felix Fisher, que no final do ano passado negou monocraticamente o
mesmo recurso que agora acolheu parcialmente — diz O Antagonista que isso se deveu à pressão de togados supremos,
e o fato de os demais ministros terem acompanhado o voto do relator, divergindo
somente quanto aos dias-multa e a reparação de danos (cada dia-multa equivale
a 5 salários-mínimos), leva a crer que a suspeita faz sentido.
Nem Lula,
nem seus advogados, nem o PT, nem os
cerca de 60 gatos pingados que participaram da chamada vigília Lula-Livre comemoraram o
resultado, pois esperavam (ou desejavam) a anulação da condenação ou a remessa
do processo para a Justiça Eleitoral. Aliás, para a choldra petista, que não
veria provas contra o seu amado líder nem que elas lhes mordessem a bunda, a
absolvição seria a única decisão justa e acertada. Só que não. O ex-presidente,
nunca é demais lembrar, não é um preso político, mas um político preso por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
No mais, não havia, mesmo, o que comemorar. Agora, são oito magistrados de três instâncias a chegar ao
mesmo veredicto, o que aniquila a fantasia de que o petista é vítima de
perseguição política e reduz a zero uma das últimas esperanças da defesa no
processo do tríplex. Os advogados sabiam que a possibilidade de absolvição era
considerada remotíssima e trabalharam ao longo de meses para conseguir pelo
menos um voto favorável, visando abrir caminho para uma discussão no Supremo.
Mas nem isso deu certo. A defesa levantou dezoito teses jurídicas para tentar
anular a condenação, incluindo a suspeição do ex-juiz Moro e dos procuradores da Lava-Jato,
uma suposta falta de provas, a prescrição do caso, o cerceamento de defesa e a
dupla condenação pelo mesmo crime. Todas foram rejeitadas.
A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.
A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.
Observação: Tão logo o TRF-4 confirmar a sentença da juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o
sítio em Atibaia, Lula deixará
de ser réu primário, e a somatória das penas postergará a progressão para
semiaberto. Isso sem falar nos outros processos a que ele responde
(clique aqui para mais detalhes sobre as demais
ações que tramitam contra ele na Justiça
Federal do Paraná, do Distrito Federal e de São Paulo).
Após a condenação no STJ, uma eventual mudança na jurisprudência do Supremo sobre o cumprimento
antecipado da pena após a condenação em segunda instância deixa de favorecer o
criminoso. Esse assunto já deu no saco, mas não há como evitá-lo, até porque as
três ADCs (ações
declaratórias de constitucionalidade) que se encontram sob relatoria do
ministro Marco Aurélio,
defensor atávico da prisão somente após o trânsito em julgado, deverão voltar à
pauta do Supremo no
segundo semestre. Mas é indiscutível que a decisão da última terça-feira contribuiu
para reduzir a pressão. Além disso, é
possível que o Congresso pacifique essa questão antes mesmo de a Corte julgar
as tais ADCs, já que a aprovação de
um projeto de lei dispondo sobre o tema faria com que elas perdessem o objeto —
e evitariam um desgaste ainda maior do STF, que não tem como agradar simultaneamente as alas punitivista e
garantista.
Em entrevista à GloboNews,
o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou
que os deputados devem votar a prisão após a condenação em segunda instância
ainda em 2019. “Nós não temos por que,
depois de agora a terceira instância ter decidido sobre o presidente Lula, a gente não precisa fugir desse
debate mais, porque esse debate era um debate muito acalorado. Agora, eu acho
que a razão vai prevalecer em um tema que a sociedade demanda do Parlamento,
uma decisão definitiva sobre o assunto”, disse ele.
No Legislativo,
o assunto tramita em formatos diferentes. O pacote anticrime apresentado pelo
ministro Sérgio Moro é um
projeto de lei, e as propostas do deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro-chefe da Casa Civil, e do
deputado Alex Manente, do Cidadania de São Paulo, preveem a mesma
mudança por PEC. Alguns
deputados entendem que aprovar a prisão após a condenação em segunda depende de
uma mudança na Constituição, mas Moro afirma
ser possível implementá-la via projeto de lei, porque já há decisão do Supremo sobre a segunda instância.
A conferir.
Muito já foi dito e repetido aqui no Blog sobre essa controvérsia,
mas vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 a 1973, quando
então a Lei Fleury ― criada sob medida para beneficiar o delegado
do DOPS e notório
torturador homônimo ― passou a garantir a réus primários
e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância.
Em 2009, no frigir dos ovos do julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência
de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria
obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão
antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar.
Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a possibilidade de início da
execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em
segundo grau não ofende o princípio
constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz
interpretativa, a manutenção da
sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que
assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena
(para saber mais sobre essa mixórdia, clique aqui).
Tudo somado e subtraído, nos últimos setenta anos —
excetuando-se o período de 2009 a 2016 — os criminosos eram presos depois de
condenados em primeira ou em segunda
instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão
após trânsito em julgado vigeu
por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de meliantes com cacife
para contratar criminalistas renomados, visando empurrar o processo com a
barriga até o advento da prescrição.
Vale lembrar que a defesa de Luis
Estevão apresentou nada
menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e
a de Paulo Maluf protelou
a prisão do réu por quase 40 anos.
Curiosamente, Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em
segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que
mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações
civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. Sete meses depois, no entanto, o
próprio Mendes passou a acolher os
pedidos de habeas corpus que
lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese ora defendida por Dias Toffoli, que também era
favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste
vídeo).
Observação: A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser
condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Salvo melhor
juízo, duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e
bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em
primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é
porque não houve erro, e ponto final.
Quando essa polêmica se instalou no Supremo, em 2016, as condenações envolvendo crimes do colarinho
branco revelados pela Lava-Jato ficaram
sob as luzes da ribalta, e o ator principal sempre foi Lula, ora condenado em terceira
instância. A diminuição de sua sombra sobre esse debate enseja o enfrentamento
da questão em todos os seus aspectos, quais sejam a solução da controvérsia
jurídica, a gestão eficiente do sistema de Justiça e o fim de um impasse
institucional que paralisa a suprema corte. Agora, porém, decida o STF manter a jurisprudência atual ou passar
a admitira prisão somente após a condenação em terceira instância, nada mudará
para o petralha.
É natural, portanto, que a recente decisão do STJ seja vista com preocupação pelos
petistas. Mesmo com a determinação da defesa de recorrer da decisão, ficou ainda
mais remota a chance de uma reversão da pena, seja no próprio STJ, seja no STF. Confirmou-se, pois, o pior cenário para os petistas: depois de
ser condenado por Moro, depois pelo TRF-4
e agora pelo STJ, “narrativa do PT” de que Lula é um perseguido político da Justiça no Brasil, que queria
impedir a candidatura dele em 2018, já não se sustenta (se é que um dia se
sustentou). Como no TRF-4, o
ex-presidente foi condenado na terceira instância por unanimidade, e os
ministros também rejeitaram alegações de falta de provas e de que a defesa
teria sido cerceada. Como já foi dito, a progressão para o regime
semiaberto ainda neste ano periclita ante a possibilidade de futuras
condenações — Lula responde a outro seis processos na Justiça Federal do Paraná, Brasília e São Paulo —, sobretudo se o TRF-4 ratificar sua condenação no caso do sítio em Atibaia.
E Lula lá!