Mostrando postagens com marcador condenação em terceira instância. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador condenação em terceira instância. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 29 de abril de 2019

AINDA SOBRE O JULGAMENTO DO REsp DE LULA E A CONTROVÉRSIA SOBRE O CUMPRIMENTO ANTECIPADO DA PENA APÓS A CONDENAÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Ao dar provimento parcial ao REsp de Lula, o STJ quebrou um paradigma, antecipou a possibilidade de progressão para o regime semiaberto e botou água na fervura do caldeirão do STF, que agora pode cozinhar em fogo brando a questão da prisão após condenação em segunda instância. De resto, quase nada mudou.

Por unanimidade — ou melhor, com os votos de quatro dos cinco integrantes da 5ª Turma, já que o ministro Joel Paciornik havia se declarado impedido e não participou do julgamento — a pena de Lula foi reduzida para 8 anos, 10 meses e 20 dias, ficando mais próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (9 anos e 6 meses), mas que o TRF-4 aumentaria para 12 anos e 1 mês. Já a culpabilidade tachada do réu foi (mais uma vez) reconhecida, e o dito-cujo continua hospedado compulsoriamente em sua cela VIP — regalia que já nos custou inacreditáveis R$ 3,6 milhões.

Observação: Por quebra de paradigma, entenda-se a mudança do comportamento da Turma, que até então vinha mantendo a maioria das decisões do TRF-4 nos recursos oriundos de processos da Lava-Jato. De se estranhar a “mudança de entendimento” do ministro Felix Fisher, que no final do ano passado negou monocraticamente o mesmo recurso que agora acolheu parcialmente — diz O Antagonista que isso se deveu à pressão de togados supremos, e o fato de os demais ministros terem acompanhado o voto do relator, divergindo somente quanto aos dias-multa e a reparação de danos (cada dia-multa equivale a 5 salários-mínimos), leva a crer que a suspeita faz sentido.

Nem Lula, nem seus advogados, nem o PT, nem os cerca de 60 gatos pingados que participaram da chamada vigília Lula-Livre comemoraram o resultado, pois esperavam (ou desejavam) a anulação da condenação ou a remessa do processo para a Justiça Eleitoral. Aliás, para a choldra petista, que não veria provas contra o seu amado líder nem que elas lhes mordessem a bunda, a absolvição seria a única decisão justa e acertada. Só que não. O ex-presidente, nunca é demais lembrar, não é um preso político, mas um político preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

No mais, não havia, mesmo, o que comemorar. Agora, são oito magistrados de três instâncias a chegar ao mesmo veredicto, o que aniquila a fantasia de que o petista é vítima de perseguição política e reduz a zero uma das últimas esperanças da defesa no processo do tríplex. Os advogados sabiam que a possibilidade de absolvição era considerada remotíssima e trabalharam ao longo de meses para conseguir pelo menos um voto favorável, visando abrir caminho para uma discussão no Supremo. Mas nem isso deu certo. A defesa levantou dezoito teses jurídicas para tentar anular a condenação, incluindo a suspeição do ex-juiz Moro e dos procuradores da Lava-Jato, uma suposta falta de provas, a prescrição do caso, o cerceamento de defesa e a dupla condenação pelo mesmo crime. Todas foram rejeitadas.

A possível antecipação do regime semiaberto em setembro, quando Lula terá cumprido 1/6 da pena redefinida pela terceira instância, vai depender da decisão do TRF-4, a quem caberá apreciar o recurso contra a condenação no processo do sítio de Atibaia. Além disso, como que para comprovar sua total ruptura com a realidade, o molusco rejeita qualquer decisão que não seja o reconhecimento de sua inocência; diz que fica preso por mais 100 anos, mas não troca dignidade por liberdade. Como bem observou Josias de Souza, suspeita-se que o banheiro da cela especial de Curitiba não tenha um espelho, ou sua insolência já teria enxergado no seu reflexo o semblante de um culpado.

ObservaçãoTão logo o TRF-4 confirmar a sentença da juíza substituta Gabriela Hardt no processo sobre o sítio em Atibaia, Lula deixará de ser réu primário, e a somatória das penas postergará a progressão para semiaberto. Isso sem falar nos outros processos a que ele responde (clique aqui para mais detalhes sobre as demais ações que tramitam contra ele na Justiça Federal do Paraná, do Distrito Federal e de São Paulo).

Após a condenação no STJ, uma eventual mudança na jurisprudência do Supremo sobre o cumprimento antecipado da pena após a condenação em segunda instância deixa de favorecer o criminoso. Esse assunto já deu no saco, mas não há como evitá-lo, até porque as três ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que se encontram sob relatoria do ministro Marco Aurélio, defensor atávico da prisão somente após o trânsito em julgado, deverão voltar à pauta do Supremo no segundo semestre. Mas é indiscutível que a decisão da última terça-feira contribuiu para reduzir a pressão. Além disso, é possível que o Congresso pacifique essa questão antes mesmo de a Corte julgar as tais ADCs, já que a aprovação de um projeto de lei dispondo sobre o tema faria com que elas perdessem o objeto — e evitariam um desgaste ainda maior do STF, que não tem como agradar simultaneamente as alas punitivista e garantista. 

Em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que os deputados devem votar a prisão após a condenação em segunda instância ainda em 2019. “Nós não temos por que, depois de agora a terceira instância ter decidido sobre o presidente Lula, a gente não precisa fugir desse debate mais, porque esse debate era um debate muito acalorado. Agora, eu acho que a razão vai prevalecer em um tema que a sociedade demanda do Parlamento, uma decisão definitiva sobre o assunto”, disse ele.

No Legislativo, o assunto tramita em formatos diferentes. O pacote anticrime apresentado pelo ministro Sérgio Moro é um projeto de lei, e as propostas do deputado Onyx Lorenzoni, hoje ministro-chefe da Casa Civil, e do deputado Alex Manente, do Cidadania de São Paulo, preveem a mesma mudança por PEC. Alguns deputados entendem que aprovar a prisão após a condenação em segunda depende de uma mudança na Constituição, mas Moro afirma ser possível implementá-la via projeto de lei, porque já há decisão do Supremo sobre a segunda instância. A conferir.

Muito já foi dito e repetido aqui no Blog sobre essa controvérsia, mas vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância vigeu no Brasil de 1941 a 1973, quando então a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância

Em 2009, no frigir dos ovos do julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para saber mais sobre essa mixórdia, clique aqui).

Tudo somado e subtraído, nos últimos setenta anos — excetuando-se o período de 2009 a 2016 — os criminosos eram presos depois de condenados em primeira ou em segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de meliantes com cacife para contratar criminalistas renomados, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. Vale lembrar que a defesa de Luis Estevão apresentou nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos.

Curiosamente, Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. Sete meses depois, no entanto, o próprio Mendes passou a acolher os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese ora defendida por Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste vídeo).

Observação: A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Salvo melhor juízo, duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final.

Quando essa polêmica se instalou no Supremo, em 2016, as condenações envolvendo crimes do colarinho branco revelados pela Lava-Jato ficaram sob as luzes da ribalta, e o ator principal sempre foi Lula, ora condenado em terceira instância. A diminuição de sua sombra sobre esse debate enseja o enfrentamento da questão em todos os seus aspectos, quais sejam a solução da controvérsia jurídica, a gestão eficiente do sistema de Justiça e o fim de um impasse institucional que paralisa a suprema corte. Agora, porém, decida o STF manter a jurisprudência atual ou passar a admitira prisão somente após a condenação em terceira instância, nada mudará para o petralha.

É natural, portanto, que a recente decisão do STJ seja vista com preocupação pelos petistas. Mesmo com a determinação da defesa de recorrer da decisão, ficou ainda mais remota a chance de uma reversão da pena, seja no próprio STJ, seja no STF. Confirmou-se, pois, o pior cenário para os petistas: depois de ser condenado por Moro, depois pelo TRF-4 e agora pelo STJ, “narrativa do PT” de que Lula é um perseguido político da Justiça no Brasil, que queria impedir a candidatura dele em 2018, já não se sustenta (se é que um dia se sustentou). Como no TRF-4, o ex-presidente foi condenado na terceira instância por unanimidade, e os ministros também rejeitaram alegações de falta de provas e de que a defesa teria sido cerceada. Como já foi dito, a progressão para o regime semiaberto ainda neste ano periclita ante a possibilidade de futuras condenações — Lula responde a outro seis processos na Justiça Federal do Paraná, Brasília e São Paulo —, sobretudo se o TRF-4 ratificar sua condenação no caso do sítio em Atibaia.

E Lula lá!