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segunda-feira, 3 de junho de 2019

SOBRE LULA E O PAPA CHICO



COMO NOS PARECEM MARAVILHOSAS AS PESSOAS QUE NÃO CONHECEMOS BEM.

Por que o papa Francisco gosta tanto de políticos como Lula? A frase acima responderia essa pergunta, não fosse o fato de Jorge Mario Bergoglio ter acompanhado os ciclos de populistas dos anos 1950/60 na América Latina, a transição democrática, os governos de centro-direita e novo populismo de esquerda que vieram depois, com Kirchner, Lula, Evo, Chávez e distinta companhia. Peçamos, pois, ajuda aos universitários.

Na opinião de Ricardo Noblat, somente Deus e o próprio papa poderiam dizer o que se passava na cabeça de Francisco quando ele assinou a carta enviada a Lula no dia 3 do mês passado — que os devotos do criminoso de Garanhuns viram como uma expressão de solidariedade política e seus adversários, como prova irrefutável de que sua santidade é comunista. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Noblat salienta que o pontífice trata Lula por “Estimado Luiz Inácio”, mas pondera que Jesus nunca fez distinção entre pecadores e inocentes. Diz ainda que Francisco até poderia ter escrito que absolvia o petralha, pois é isso que os padres fazem ao ouvir uma confissão, mas a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil não pediu perdão na carta que enviou meses antes ao Vaticano, e o papa, muito sabiamente, se esquivou de absolvê-lo.

Imagine se Francisco tivesse aproveitado o ensejo para criticar “o liberalismo irresponsável, o capitalismo selvagem e patrões desumanos” e dizer que os trabalhadores são “vítimas da cobiça e de uma ganância desenfreada e de leis anticristãs”. Seria o atestado definitivo, a levar-se em conta o ânimo que impera por estas bandas, de que ascendeu ao Trono de Pedro o primeiro papa vermelho em 2000 anos de história da Igreja Católica.

Mas foi no terceiro parágrafo da missiva papal que os devotos da seita do inferno — da qual Lula é o pontífice — se sentiram acolhidos: “Podemos passar da escuridão para a Luz; do pecado que separa Deus para a amizade que nos une a Ele; o bem vencerá o mal; e a verdade vencerá a mentira”, escreveu Francisco. Aos olhos da patuleia, a mensagem nas entrelinhas era de que o papa recomendava paciência a Lula porque restará provado que ele foi vítima de uma injustiça, e que o bem triunfará. Mas uma análise menos apaixonada deixa claro que o pontífice se referia a uma lição extraída do período da Páscoa, e que nada tem a ver, portanto, com Lula preso.

O papa usou os últimos parágrafos da carta para lamentar “as duras provas” que Lulaviveu ultimamente”. Sua santidade citou as mortes da esposa (Marisa), do irmão (Vavá) e do neto (Arthur), pediu que o molusco não desanimasse e que não deixasse de confiar em Deus, além de manifestar sua “proximidade espiritual”. Mas não será desta vez que a patuleia ignara poderá se aproveitar de Francisco para cantar vitória, nem que a direita radical poderá vilipendiá-lo sem se arriscar aos castigos do céu.

Observação: Há cerca de um ano, um post no perfil de Lula no Twitter dava conta de que “o papa Francisco enviou um rosário ao presidente Lula, preso político há 67 dias. O presidente recebeu o terço na sede da Polícia Federal em Curitiba”. O PT surfou na mesma onda: “Papa Francisco envia rosário a Lula, mas emissário é barrado na PF”. E mais: “Funcionário do Vaticano denuncia caráter ‘estritamente político’ de decisão da PF de impedir que ele visitasse Lula e desse recado enviado pelo papa”. Mas mentira tem perna curta, e dias depois o Vaticano desmentiu a potoca. “O advogado argentino Juan Grabois, fundador do Movimento dos trabalhadores excluídos e ex-consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz, deu uma entrevista em sua tentativa de visitar o ex-presidente Lula na prisão de Curitiba, onde está detido há mais de dois meses. Grabois disse que a visita era pessoal e não em nome do Santo Padre. Ele não teve a permissão para se encontrar com Lula”, disse em nota o Vatican News. A Santa Sé salientou que Graboisnunca declarou que foi o papa a enviar o terço, mas simplesmente que se tratava de um terço que tinha sido ‘abençoado’ pelo papa”. Ainda segundo a nota de esclarecimento, “terços como esse são levados, como o Santo Padre deseja, a tantos prisioneiros do mundo sem entrar no mérito de realidades particulares”. E a CNBB disse desconhecer o envio do rosário a Lula.

Mas a opinião de Noblat está longe de ser uma unanimidade. Vejam o que escreveu a jornalista Vilma Gryzinski:

Jorge Bergoglio tem 82 anos e é da geração que viveu todas as fases da história recente na Argentina e na América Latina, onde, em nome do combate às desigualdades sociais, associaram-se aos mais poderosos produtores e banqueiros para tirar dos pobres e dar aos muito ricos. Para compensar, a massa era acalmada com bolsas-tudo, acesso ao consumo através da armadilha do crédito barato e empregos fugazes. O modelo brasileiro de corrupção foi exportado para toda parte, somando-se às já conhecidas práticas locais. A maior diferença era de escala e de concentração: nunca ninguém conseguiu roubar tanto com tão poucos envolvidos.

Bergoglio acompanhou isso tudo passo a passo, foi um dos mais conhecidos críticos a Nestor Kirchner e ganhou fama de direitista na Argentina, agravada pelo episódio dos jesuítas colaboradores de grupos armados de esquerda que foram sequestrados e torturados durante o regime militar. A pecha de delator foi recuperada por ex-montoneros antes que Cristina Kirchner mandasse o pessoal parar com a loucura de falar mal de um argentino eleito papa. Nessa ordem de importância, claro.

Por que o papa recebeu uma política com esse tipo de caráter e boicotou o quanto pode seu substituto, Mauricio Macri? De forma geral, podemos dizer que está no sangue. Bergoglio não consegue se desvincular da ideia do “rouba mas faz”. Influenciado pela opção preferencial pelos pobres, cujas dificuldades acompanhou intensamente como arcebispo, acaba colocando no pacote a preferência opcional pelos corruptos ou seus representantes. Ele poderia ter se esquivado de um encontro como o registrado no ano passado (vide foto), mas escolheu deliberadamente receber os três personagens e falar com eles durante uma hora. O ex-ministro Celso Amorim foi um dos participantes. Saiu de lá com um bilhete escrito a mão pelo papa em agradecimento ao livro enviado por Lula. As cortesias se multiplicaram na recente carta. 

Os outros participantes do encontro foram o ex-senador chileno Carlos Omamani e o ex-ministro da Casa Civil de Nestor Kirchner, Alberto Fernandez — que agora é candidato a presidente com as bênçãos de Cristina Kirchner, que, numa manobra maquiavélica ou mefistofélica, resolveu convocar o homem de confiança do falecido marido e reservar para si um modesto papel de candidata a vice-presidente.

Todo mundo sabe o que Nestor Kirchner fez. E quem tiver alguma dúvida pode consultar os Cadernos das Propinas escritos pelo motorista que transportava os infindáveis sacos e malas cheios de milhões de dólares, enviados por empresários bonzinhos que só queriam ajudar o presidente a pensar no bem do povo e na felicidade da nação. Vários desses empresários estão recolhidos atualmente ao sistema prisional argentino. Políticos também.

Será que o papa acredita que, eleito presidente, Aníbal Fernandez fará um governo responsável? Carlos Omamani — ex-senador chileno e ex-militante, em seus mais verdes anos, do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), grupo armado queria fazer uma revolução à cubana no Chile e ajudou a criar o caos que impulsionou o golpe de estado do general Pinochet — se atolou em doações irregulares feitas por uma grande mineradora, mas o delito já prescreveu, e ele diz que “vai se arrepender para o resto da vida”.

Da mesma forma que escolhe quem vai receber e para quem vai escrever ou mandar rosários, o papa escolhe quem não vai receber. Atualmente, esse é um assunto importante na Itália: se e quando o papa vai se encontrar com Matteo Salvini, o ministro do Interior que está engolindo adversários e aliados. Os dois, obviamente, se detestam. Salvini saiu do campo restrito da Liga Norte, um partido secessionista, para se tornar o político mais importante do país unicamente com base no fechamento dos portos aos migrantes que continuam a chegar, embora em menor número, de países africanos.

Uma das maiores causas abraçadas pelo papa é a abertura irrestrita de fronteiras de todos os países para todos os que queiram entrar, independentemente de restrições econômicas ou de segurança. Francisco acha que os recém-chegados têm direito a bolsa-imigrante, alojamento, celular, importação de familiares e outros benefícios. No último comício antes das eleições para o Parlamento Europeu, das quais saiu fortalecido, Matteo Salvini beijou o crucifixo do terço que sempre leva no bolso (embora se reconheça como “o último da fila dos cristãos”) e invocou a proteção de Nossa Senhora da Imaculada Conceição para si mesmo e para toda a Itália. E trolou o papa, fazendo uma referência em que a simples menção do nome de Francisco provocou vaias.

Vários representantes do Vaticano surtaram. Paolo Parolini, que é a segunda personalidade mais importante, como secretário de Estado, denunciou o “risco de abuso de símbolos religiosos”. O jesuíta Bartolomeo Sorge tuitou que a Itália que vota na Liga “não é mais cristã”. “Olhem o que escreve este teólogo. Só falta que alguém peça minha excomunhão. Avante, com fé, respeito e humildade”, respondeu Salvini, sem nenhum risco de ter, pelo menos, as duas últimas virtudes.

Esta é a situação existente no momento, resultado do envolvimento direto do papa em questões políticas e de dúvidas religiosas que desperta: a direita detesta o papa e a esquerda o exalta; a ala mais conservadora o considera ambíguo ou até herético e a turma da teologia da libertação o recebe como um profeta. Fiéis perdidos ou confusos ficam no meio, sem entender por que Francisco um dia faz o discurso mais forte já vindo de um papa contra o aborto, comparando-o a contratar um pistoleiro de aluguel, e no outro exorta os católicos a abrir as portas a todos os que queiram morar em seus países. 

Numa longa entrevista a uma vaticanista mexicana, o pontífice se descreveu como “conservador”, embora concordando com a tese da jornalista de que vem caminhando para o outro lado desde que foi eleito para a Santa Sé. Terminou falando, com profundo e comovente sentimento, da crueldade do mundo onde tantas mulheres são humilhadas, exploradas, abusadas ou assassinadas. O lado A de Francisco tem uma força enorme, de fé e comprometimento. O lado B ainda acredita, tristemente, no “rouba mas faz”.

Se Francisco achasse justas as sentenças por corrupção ao apenado de Curitiba, certamente não usaria os termos escolhidos. E um católico criminoso que implorasse uma palavra de conforto ao papa deveria, primeiro, pedir perdão pelos pecados cometidos.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

PONTO E CONTRAPONTO




Se não foram um sucesso retumbante, as manifestações promovidas por bolsomínions e afins tampouco foram um fiasco: milhares de pessoas saíram às ruas em 130 dos 5.570 municípios brasileiros — a maioria vestindo verde e amarelo — em defesa da reforma da Previdência e do pacote anticrime e anticorrupção. As mobilizações ocorreram em cidades dos 26 estados e do DF, mas as mais significativas foram registradas em São Paulo e no Rio. Ainda que tenha havido ataques pontuais ao Congresso — sobretudo contra parlamentares do Centrão — e ao STF, não houve registro de badernas, quebra-quebras, confrontos com a polícia e outros incidentes deploráveis que tais. Numa rápido pronunciamento à imprensa, Bolsonaro, sorrindo de orelha a orelha, classificou o movimento “espontâneo” como um recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”. A adesão foi visivelmente menor que nas manifestações pelo impeachment de Dilma — ou mesmo que no protesto do último dia 15. Em Sampa, os manifestantes se concentraram ao redor de sete carros de som espalhados por oito quarteirões da Avenida Paulista, entre a Brigadeiro e a Augusta. O Nas Ruas — que ocupou o espaço que em 2014 foi dos movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua — levou um boneco inflável gigante do presidente e tocou o jingle de sua campanha. Dito isso, vamos adiante.

O ponto:

Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é "ingovernável" sem os "conchavos" políticos e de dizer que conta "com a sociedade" para "juntos revertermos essa situação", o presidente Jair Messias Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao "povo" contra o Congresso — em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos. Cresce a inquietante sensação de que o capitão decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do "povo" e, mais, de Deus. Ao que parece, o presidente passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos, com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da "velha política" e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida ao povo.

Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a "ruptura institucional", expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira retrasada. Diante da repercussão negativa, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, o chefe do Executivo ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.

Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que "esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele". E completou: "Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo". Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais. Depois, o presidente divulgou em seu perfil no Facebook o vídeo de um pastor congolês que diz que ele (Bolsonaro) foi escolhido por Deus para comandar o Brasil: "Pastor francês (sic) expõe sua visão sobre o futuro do Brasil", explicou o presidente, que completou: "Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as democracias". O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo, porque a do Brasil ele definitivamente ignora.

No vídeo endossado pelo presidente, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, "na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus", como "o imperador persa Ciro", e que "o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não". E lança um apelo aos brasileiros: "Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem. Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição".

Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada como blague, mas não vivemos tempos normais — pois é o próprio presidente que, ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como parte de uma "profecia". O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser nada menos que um instrumento de Deus e o porta-voz do "povo". Portanto, quem quer que se oponha a ele não passa de um sacrílego.

Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância bolsonarista — a que Bolsonaro dá o nome de "povo" — a alimentar expectativas sobre soluções antidemocráticas como um atalho para a realização de "profecias". O reiterado apelo de Bolsonaro ao "povo" para fazer valer uma suposta "vontade de Deus" envenena a democracia e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a política. A esta altura, parece cada vez mais claro que o capitão não estava para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para "construir coisas para nosso povo", e sim para "desconstruir muita coisa". Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.

Com Reinaldo Azevedo.

Agora o contraponto:

Há um avião pronto para decolar, com combustível suficiente para tirar você da seca. Mas você quer saber se tem vascaíno a bordo, qual a religião do fabricante e o signo do copiloto. Assim está o Brasil, com um grupo de abnegados tentando fazer a reforma da Previdência pegar no tranco apesar de vocês, os analistas zoodiacais do neofascismo imaginário.

Até anteontem, o que importava, basicamente, era ter uma tripulação confiável para tirar o Brasil do deserto deixado pela exuberância da DisneyLula. Após uma eleição cheia de artimanhas para tentar reabilitar o poder da quadrilha, o país escolheu o caminho pelo qual, por vias tortas ou não, a tal tripulação confiável chegou à cabine de comando. Mas vocês não querem mais sair do lugar. Aparentemente, vocês trocaram o Posto Ipiranga pelo salão de cabeleireiro, onde uma desavença sobre a novela da véspera é crise grave. De fato, é uma rotina mais agitada e emocionante, pois o Posto Ipiranga é um tédio.

E assim estamos, neste estanho ano da graça de 2019. Enquanto Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro e outros grandes trabalham duro para tirar o país do atoleiro, vocês fuxicam rebotalhos de rede social e tocam nos ouvidos da nação as suas cornetas do fracasso. Nada presta, assim não dá, olê-olê-olá. Os velhos trombeteiros do apocalipse, de Ciro Gomes a Roberto Requião, de Jean Wyllys a Gleisi Hoffmann, estão animadíssimos com a chegada de vocês à orquestra.

A reforma está afundando na CCJ — diziam vocês — porque o governo só existe no Twitter (vocês sabem tudo de articulação política), porque Rodrigo Maia mordeu a orelha do cachorro do Bolsonaro, porque o Mourão é o golpista gente boa (vocês estão na dúvida), porque os filhos são fanfarrões (ah, se eles tivessem MBA em etiqueta comparada…) e, acima de tudo, porque vocês encontraram essa fantasia de corregedores perfumados do estorvo bolsonarista e vão fazer cara de nojo para tudo. A reforma passou bem na CCJ, mas vocês continuaram com cara de nojo, dizendo que demorou (!), dizendo que o projeto do Paulo Guedes foi desidratado e não vai prestar, olê-olê, olê-olá.

Sobre essa parte de viver surfando entre meias-verdades, vocês estão provando aos parasitas do petismo que é possível mentir com muito mais classe do que eles fizeram por 13 anos. Aliás, no salão da resistência democrática não se ouviu um pio sobre a fake news da menina que se recusou a cumprimentar o presidente. Podem poupar suas meias-verdades para explicar esse silêncio hediondo: já entendemos que na nova cartilha de vocês não é permitido apontar eventuais picaretagens na imprensa, porque pode ser entendido como discurso bolso-fascista. Incrível como vocês estão mudados (os cabelos continuam os mesmos, mas o juízo… quanta diferença).

Ainda assim, a nova aposta de vocês não é de todo burra. Não há de faltar bizarrices dos Bolsonaros e seus circundantes para alimentar as crises de fofoca que vocês hoje se dedicam a fermentar e espalhar. Vocês são os colunistas sociais da miragem autoritária, uma espécie de reencarnação da Revista Amiga para futricas de coturno. Não deixa de ser um papel na sociedade.

Se apesar de vocês o avião decolar e tirar o Brasil da seca, vocês obviamente vão querer embarcar correndo, pedindo educadamente desculpas pelo atraso. Não tem problema, a tripulação que está dando duro mal sabe de vocês (não dá tempo de ler a Revista Amiga). São democratas — exatamente como vocês fingem ser — e não irão barrar ninguém. Talvez os passageiros a bordo não sejam tão receptivos, mas não dedicarão a vocês nada pior do que uma cara de nojo, como a que vocês hoje fazem para tudo. Nada grave, eles apenas terão entendido quem vocês são.

Com Guilherme Fiúza.

Independentemente da adesão às manifestações pró-Bolsonaro, líderes dos partidos que comandam o Congresso definiram um pacote de medidas para limitar o raio de ação do presidente. Avaliação uníssona colhida pela Folha entre congressistas é que o capitão tem demonstrado incapacidade de governar (quando a isso, é impossível discordar). Além de acelerar discussões sobre impeachment (aí já entramos no campo minado das asnices), a insatisfação encontra lastro e incentivo no mundo empresarial e financeiro, o que faz deputados e senadores assumirem a dianteira de iniciativas como as reformas da Previdência e tributária. "Vai ser necessário ignorar o governo, não tem outra saída", afirma o deputado Elmar Nascimento, líder do DEM na Câmara. O lema dessa caterva parece ser "Desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos". Que Deus nos ajude.

Tanto os seguidores atávicos do presidiário de Curitiba quanto os do ex-astrólogo autoproclamado guru e rei da grosseria não são maioria, são apenas barulhentos. A maioria é formada por pessoas com desejo genuíno de construir um país próspero, justo e feliz. O problema é que muitas dessas pessoas estão sendo manipuladas pelo medo, a reboque de notícias falsas.

sábado, 11 de maio de 2019

GUEDES NA LINHA DE FRENTE



Em quatro meses de governo, apenas contando ao público o que faz durante o seu horário de trabalho, Paulo Guedes já pode ser apontado como o ministro que está dando mais certo na equipe montada para governar o Brasil a partir deste ano. Quem é simpático ao governo, ou mesmo neutro, está gostando. Quem é contra não consegue desgostar de verdade; falam mal, mas têm outros alvos que detestam muito mais, como o ministro Sergio Moro, ou o tipo genérico resumido pela ministra Damares e, mais do que tudo, o próprio presidente Jair Bolsonaro. O resultado é que o ministro da Economia, a cada dia que passa, tem sido ouvido com atenção quando fala. E a conclusão de boa parte do público, cada vez mais, é a seguinte: “Esse homem fala coisa com coisa”. Já é um colosso, na neurastenia geral que comanda a atual vida política brasileira.

Há outros ministros que estão fazendo um bom trabalho fala-se, em geral, das áreas tocadas pelos militares e as suas redondezas. Mas as suas atividades são quase sempre consideradas uma grande chatice pela mídia, e o resultado é que acabam sendo deixados relativamente em sossego. Paulo Guedes, ao contrário, está na linha de frente da infantaria aquela que acaba levando chumbo em primeiro lugar, e chumbo mais grosso que todo o resto da tropa. É natural; ministro da Economia está aí para isso mesmo. Mas embora seja o mais bombardeado de todos, continua inteiro na verdade, está mais inteiro hoje do que quando começou, quatro meses atrás.

Guedes está se dando bem, basicamente, porque não tem medo de políticos, de “influenciadores”, de economistas tidos como “importantes” e, sobretudo, porque não tem medo de perder o emprego. Está lá para fazer o trabalho que, aos 69 anos de idade, acha mais correto para os interesses do Brasil. Só isso. Se der certo, ótimo. Se não der, paciência.

O Brasil, por conta disso, começa a ouvir em voz alta coisas que não costumava ouvir de autoridade nenhuma. Num país campeão em usar as palavras para esconder o que pensa, o ministro tornou-se um especialista em dizer, sim ou não, se é contra ou a favor disso ou daquilo, e explicar por que é contra ou a favor. “O fato é que o Brasil cresceu em média 0,6% ao ano nos últimos dez anos”, disse Guedes há pouco. “O país afundou, simplesmente”. Não adianta, explica ele, ficar enrolando: isso é uma desgraça, que nenhum esforço de propaganda pode ocultar, e é exatamente por isso, só por isso, que o Brasil está hoje de joelhos. A possibilidade de que algo possa ir bem numa economia que tem um número desses é zero. E quem é o responsável direto pela calamidade? Não é o governo da Transilvânia. É o conjunto de decisões tomadas entre 2003 e 2016 pelos presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Guedes diz em voz alta o que quase nenhum, ou nenhum, economista laureado deste país tem coragem de dizer: que Lula, Dilma e o PT provaram, através dos seus atos, que são os maiores responsáveis pela criação de pobreza, desigualdades e concentração de renda no Brasil ao longo deste século. “Vocês estão me mostrando um comercial do governo PT”, disse ele ainda outro dia, quando quiseram lhe apertar durante uma entrevista com a exibição de um filme que mostrava filas com milhares de pessoas procurando emprego no Anhangabaú, em São Paulo. Os 13 milhões de desempregados que estão aí, disse o ministro, foram postos na rua pelo PT quem, senão o PT, provocou anos seguidos de recessão? Quem zerou a renda desses coitados? O pior é que essa renda não sumiu; foi transferida para o bolso dos ricos. Também não dá para jogar toda a culpa em cima do PT. Nos últimos 30 anos, lembra Guedes, o crescimento do Brasil chegou ao grande total de 2% isso mesmo, dois miseráveis por cento, durante 30 anos seguidos. Como pode existir alguma coisa certa numa economia assim?

Guedes fala com a simplicidade da tabuada sobre o mais cruel de todos os impostos que existem no Brasil o imposto sobre o trabalho, que é cobrado do trabalhador e de ninguém mais. Para empregar um brasileiro a 1.000 reais por mês, o empregador tem de gastar 2.000”, diz o ministro. O trabalhador não vê um centavo desses 1.000 reais a mais que a empresa paga; são os “direitos trabalhistas”, que somem no buraco negro do governo e beneficiam os bolsos de Deus e todo mundo, menos do pobre diabo em nome de quem eles são pagos. O único efeito prático disso, no fim das contas, é suprimir empregos há cada vez menos gente disposta a pagar o salário de duas pessoas para ter o trabalho de uma. As empresas não contratam; trabalho no Brasil virou algo taxado como artigo de luxo. O preço desse culto aos “direitos” é um horror: entre desempregados e trabalhadores sem carteira, há hoje 50 milhões de brasileiros vivendo no limite do desastre. Guedes lembra que esses 50 milhões não pagam um tostão de contribuição para a previdência social mas terão direito a aposentadoria. Pode dar certo um negócio desses?

O ministro também explica que dá, sim, para fazer o próximo censo; não haverá nenhuma “intervenção no IBGE”. Só que, num país falido como o Brasil de hoje, não se vai fazer 300 perguntas ao cidadão, mas quinze ou vinte, como se faz nos países ricos. A Zona Franca vai acabar? Não, diz Guedes, não vai. Mas não faz sentido deixar de reduzir impostos no resto do Brasil só para não incomodar a indústria de Manaus. Dá para entender? Há, talvez, 1 trilhão de dólares em petróleo embaixo do chão, afirma ele. Mas esse trilhão só existe se o petróleo for tirado de lá; enquanto continuar enterrado será uma beleza para a preservação do “patrimônio da Petrobras”, mas na vida real isso não rende uma lata de sardinha para ninguém. Conclusão: o petróleo tem de sair do chão, e esse trabalho exige investimentos e parcerias mundiais. Há outro jeito?

Paulo Guedes tem, provavelmente, uma das melhores explicações da praça para a dificuldade brasileira de tomar decisões certas a culpa, em grande parte, vem menos da malícia e mais da ignorância. As pessoas querem as coisas, mas não sabem como obtê-las, diz ele. Têm certezas em relação aos seus desejos, mas são inseguras quanto aos meios para chegar a eles, e não gostam de pensar no preço, nem no trabalho, que serão exigidos para conseguir o que desejam. É animador, também, que o ministro pareça ser um homem interessado em realidades. Quanto desafiado, como vive acontecendo, a provar a sua autonomia, diz que prefere resultados em vez de ficar mostrando que manda. É um alívio, também, que não pretenda ganhar o Prêmio Nobel de Economia e nem dê muita bola para a liturgia das entrevistas solenes que às vezes se parecem mais com interrogatórios da Gestapo do que com entrevistas, com a vantagem de não haver tortura física e nem perguntas em alemão.

No fim das contas o sucesso de Paulo Guedes vai depender do crescimento da economia e da queda no desemprego sem isso estará morto, como o resto do governo, por mais coisas certas que tenha feito. A questão é que o único jeito de conseguir mais crescimento e emprego é fazer as coisas certas. É um bom sinal que ele esteja tentando.

Texto de J.R. GUZZO

terça-feira, 2 de abril de 2019

TEMER, LULA E A DESALENTADORA JUSTIÇA BRASILEIRA — CONCLUSÃO


Vimos que a prisão após condenação na primeira ou na segunda instâncias vigeu no Brasil durante as últimas 8 décadas, exceto num curto período (entre 2009 e 2016), quando só se ia preso depois de a sentença condenatória transitar em julgado — e para que o leitor tire suas conclusões sobre os motivos que levaram a essa mudança na jurisprudência, em relembrei que o processo do Mensalão foi instaurado em 2007, começou a ser julgado em 2012 e terminou em 2014.

Em abril do ano passado, o eminente ministro Marco Aurélio Mello liberou para julgamento as ações diretas de constitucionalidade que questionam a prisão em segunda instância, mas a então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, entendeu que rediscutir o tema pela terceira vez em menos de dois anos seria apequenar o tribunal. Diante do inconformismo de Mello, o atual presidente, Dias Toffoli (mais detalhes sobre esse nobre ministro nesta postagem), pautou o julgamento das ominosas ADCs para o próximo dia 10 (que acontece de ser quarta-feira que vem, daí eu estar revisitando este assunto). Mas isso não impediu que Marco Aurélio protagonizasse uma versão revista e atualizada do lamentável “caso Favreto”. Em 19 de dezembro do ano passado, minutos depois de o Judiciário entrar em recesso, o magistrado concedeu monocraticamente uma estapafúrdia liminar que só não libertou Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Toffoli.

Observação: Também para ajudar o leitor com suas conclusões, relembro que esse Marco Aurélio ascendeu ao Supremo por indicação do primo Fernando Collor (que dispensa apresentações) e foi brilhantemente definido por José Nêumanne como "um misto de Hidra de Lerna com o deus romano Jano”.

Para não espichar muito a conversa, relembro apenas que a polêmica gira em torno da seguinte questão: autorizar a prisão de alguém antes que todos os recursos sejam exauridos significa negar-lhe o direito constitucional da presunção de inocência? A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. O Supremo já mudou esse entendimento várias vezes, como vimos na postagem anterior. Em 2009, por 7 votos a 4, a Corte decidiu que o cumprimento provisório da pena (ou seja, a prisão antes do trânsito em julgado da condenação) era inconstitucional — note que isso nada tem a ver com a prisão preventiva, mas eu não vou entrar nesse mérito, ao menos nesta oportunidade. Votaram favoravelmente ao direito de recorrer em liberdade os ministros Eros Grau, Celso de Mello, Cezar Peluso, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram votos vencidos).

Em fevereiro de 2016, a Corte decidiu permitir o início do cumprimento da pena a partir da segunda instância, sob o argumento de que a regra anterior levava à impunidade (pausa para os aplausos, e digo isso sem qualquer ironia). O placar foi novamente de sete votos a quatro. Marco Aurélio, Celso de Mello, Lewandowski, que já haviam sido contrários à prisão em segunda instância em 2009, e a ministra Rosa Weber foram votos vencidos; Gilmar Mendes, contrário na primeira votação, Carmen Lúcia, favorável em 2009, Dias Toffoli, Edson Fachin, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux — que não faziam parte no tribunal na primeira decisão — votaram a favor.

Em outubro daquele mesmo ano, durante o julgamento de outro habeas corpus, a nova jurisprudência foi confirmada por seis votos a cinco — a mudança do placar decorreu do voto de Dias Toffoli, que dessa vez se alinhou à ala “garantista”. O tema voltou à pauta em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus de Lula. Novamente, por seis a cinco, a tese favorável à prisão antecipada prevaleceu. Note que Mendes voltou a ser contra a antecipação da pena, mas a ministra Rosa Weber seguiu a maioria, argumentando que, embora fosse contra, não poderia contrariar a jurisprudência da corte. Alexandre de Moraes, que substituiu Zavascki, manteve o entendimento do antecessor.

Resta saber como a coisa vai ficar no próximo dia 10, quando será iniciado o julgamento das malditas ADC 43 e ADC 44, que o nobilíssimo ministro Marco Aurélio tanto insistiu para que fossem pautadas. Nesse tipo de ação, não é julgado um caso concreto, mas sim o entendimento que se tem sobre a regra, de modo que a decisão é vinculante. A mãe das crianças, em entrevista à jornalista Andréia Sadi, disse que “existe clima” no Supremo para a reversão da jurisprudência. O fiel da balança, por assim dizer, será Rosa Weber (pelos motivos mencionados linhas atrás). Se a ministra mudar de lado e os demais mantiverem suas posições, condenados em segunda instância com recursos pendentes na Justiça não poderão mais ser presos, o que seria trágico para a Lava-Jato e, por que não dizer, para o país como um todo (ou pelo menos para a parcela que engloba os brasileiros que estão até os tampos com tanta corrupção e impunidade na classe política).

STJ já poderia ter julgado a recurso de Lula contra a condenação no processo do tríplex, mas vem empurrando com a barriga. Ao contrário dos ministros supremos, os 33 membros dessa Corte são avessos às luzes da ribalta, daí ser mais difícil antecipar como votará a 5ª Turma, caso algum dia se digne de julgar o apelo do petralha. Para ser justo, é preciso mencionar que, no final do ano passado, o ministro Félix Fisher, relator da ação, negou monocraticamente o pedido da defesa e decidiu encerrar a questão no STF. Os advogados de Lula agravaram, mas ainda não foi definida uma data definida para o julgamento. Em mais e uma oportunidade o ministro Félix Fisher aventou que levaria o caso “em mesa” na sessão seguinte, mas mudou de ideia, talvez para não chamar a atenção da imprensa — se o STJ já é avesso à exposição na mídia, a 5ª Turma o é ainda mais, sobretudo depois que passou a receber os processos da Lava-Jato. Existe a possibilidade de Fisher levar o caso em mesa na sessão de hoje, mas, à luz de como ele vem procedendo desde o início do ano e pelo fato de o STF ter pautado julgamento das malditas ADCs para daqui a uma semana, é possível que o ministro prefira aguardar a decisão superior. Mas note que possível não é o mesmo que provável, e cabeça de juiz...

Atualizações: 1) Segundo informações do site Gaúcha ZH, os cinco ministros da 5ª Turma já estão com os votos prontos, mas aguardam parecer do MPF sobre o pedido da defesa do petralha para que a ação seja remetida à Justiça Eleitoral. É possível que o julgamento ocorra já nesta quinta-feira, em não havendo nenhum acidente de percurso. Torçamos, pois. 2) O STF pode adiar o julgamento da prisão em segundo grau, marcado para o próximo dia 10. Segundo o Antagonista, isso se deve a um pedido apresentado pela OAB, e significa que petistas devem ter sido informados de que a maioria dos ministros votaria contra a soltura de Lula (e de milhares de criminosos iguais a ele). Aparentemente, os seis magistrados que defenderam a legalidade em 2018 continuam a defendê-la em 2019.

Esse julgamento poderia encerrar o processo do tríplex no âmbito do STJ. Em sendo negado o recurso, Lula passaria à condição de "condenado em terceira instância" e não seria mais afetado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre prisão em segunda instância e decidir que as prisões só podem ser executadas a partir de decisão do STJ — que é a alternativa “quebra-galho” sugerida por Dias Toffoli e, ao que parece, vista como satisfatória pelos ministros garantistas.

Sobre Michel Temer e companhia

O MPF recorreu ao TRF-2 pedindo a restauração da prisão preventiva do ex-presidente, de Moreira Franco e dos outros seis denunciados por crimes ligados a contratos de Angra 3, usina da Eletronuclear em construção. Segundo a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, as solturas afetam a investigação de crimes, a instrução do processo, a aplicação da lei e a recuperação de valores desviados. O Núcleo Criminal de Combate à Corrupção do MPF na 2ª Região concordou com a Lava-Jato/RJ que a prisão preventiva dos investigados segue amparada na legislação e na jurisprudência de tribunais, inclusive do próprio TRF-2

Os recursos foram protocolados na última segunda-feira e serão julgados pela 1ª Turma caso não sejam aceitos em decisão individual do desembargador-relator dos habeas corpus. “O julgamento monocrático de mérito em favor da parte é circunstância excepcional e rara, pois resulta na indesejável supressão das fases do contraditório prévio e do julgamento colegiado, os quais integram o devido processo legal regular", frisaram os procuradores regionais Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira, Rogério Nascimento e Silvana Batini, que ressaltaram a fartura do conjunto de provas da prática de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

sábado, 30 de março de 2019

NÃO É ASSIM QUE FARÃO A LAVA-JATO MORRER - Texto de J.R. Guzzo


Antes do texto de Guzzo, faço um breve resumo da semana:

A sequência de desinteligências que vêm coroando a relação entre os chefes do Executivo e do Legislativo mostra como estamos “bem representados”. Uma PEC que engessa o Orçamento, que dormitava nos escaninhos da Câmara desde 2015, é aprovada em dois turnos em questão de minutos (o que demonstra que, quando quer, essa cambada faz), no mesmo dia em que nosso presidente vai ao cinema durante o expediente (para assistir a uma produção de viés religioso), estabelece como prioridade transformar o dia 31 de março em data cívica comemorativa (que depois ele disse não se tratar de “comemoração”, mas de “rememoração”) e retribui os coices do presidente da Câmara e de uma chusma de parlamentares.  

Rodrigo Maia havia prometido ao ministro-chefe da Casa Civil não deixar prosperar pauta-bomba no Congresso, não usar a presidência da Câmara instrumento de chantagem de partidos e não dar andamento a pedidos de impeachment contra o mandatário do Planalto — quanto ao resto, Bolsonaro que desse seu jeito —, mas a tal PEC surgiu do nada e foi votada e aprovada a toque de caixa. Curiosamente ela foi vista tanto como derrota quanto vitória do Planalto pelos analistas políticos — muitos dos quais há tempos deixaram de fazer sentido, mas isso é outra conversa.

O fato é que, em uma hora, numa votação relâmpago, os deputados aprovaram a medida em dois turnos, com ampla maioria. Para conseguirem essa rapidez, deram sinal verde a um requerimento de quebra de interstício (observância do intervalo regimental de cinco sessões, necessário para a aprovação de propostas de reforma constitucional na Câmara). Foram 448 votos em primeiro turno e 453 no segundo, havendo votos favoráveis até mesmo no próprio PSL (partido de Bolsonaro). Na prática, a ideia dos deputados é lançar um “pacote de maldades” para deixar o Executivo refém do Congresso, mas a avaliação preliminar dos especialistas da área econômica é de que, mesmo que a PEC seja aprovada no Senado em dois turnos, a mudança não valerá para 2019, uma vez que o Orçamento para este ano já foi aprovado e está em execução. Tecnicamente, o orçamento impositivo só valeria para os gastos do governo a partir do próximo ano, e para isso a mudança teria de ser incorporada à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, que será elaborada ainda neste exercício. Mas isso também é outra conversa.

Na quinta-feira, Bolsonaro disse que a troca de críticas públicas com o Legislativo foi superada, e o presidente da Câmara sinalizou que quer virar a página do entrevero. Maia se reuniu em um café da manhã com Sergio Moro, com quem teve desavenças na semana passada, e depois almoçou com Paulo Guedes, com quem discutiu a novela da reforma da Previdência (aliás, o deputado Marcelo Freitas, do PFL, foi escolhido relator do projeto na CCJ da Câmara).

Por essas e outras, depois de quebrar a barreira do 100.000 pontos no último dia 18, com o mercado estimulado pela perspectiva de a reforma previdenciária ser resolvida ainda no primeiro semestre e produzir resultados expressivos, o Ibovespa despencou quase 10 pontos percentuais ao longo dos dias subsequentes, e dólar tornou a bater na casa dos R$ 4. Da última quinta-feira para cá, porém, depois que os chefes do Executivo e do Legislativo levantaram a bandeira branca, a coisa parece ter entrado nos eixos; no instante em que escrevo este texto, a Bolsa volta a encostar nos 96.000 mil pontos, e o dólar apresenta uma leva queda). A ver como a coisa se comporta na próxima semana.

Com a palavra, J.R. Guzzo:

O Brasil está ficando um país positivamente arriscado para presidentes da República. Já não é normal, para o padrão médio de moralidade política vigente no mundo civilizado, haver um ex-presidente na cadeia; dois ex-presidentes presos ao mesmo tempo, então, já é coisa para se pensar em livro de recordes, por mais temporária que possa ser uma situação dessas. 

O fato é que Michel Temer, acusado pela Lava-Jato de ter transformado o Estado brasileiro numa “máquina de arrecadar propinas” e alvo de dez inquéritos (e na última sexta-feira se tornou réu num deles) por ladroagens variadas, entrou no camburão da polícia e foi trancafiado no xadrez como Lula, em mais um capítulo desta espantosa crônica do crime na qual está enterrada até o fundo da alma a vida política do Brasil. Juntou-se a ex-governadores como o incomparável Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, seu sucessor, que conseguiu subir na vida com o nome de “Pezão”, de Beto Richa, do Paraná, há pouco encarcerado pela terceira vez seguida, e Marconi Perillo, de Goiás, que entra e sai da prisão. Isso sem contar um rico fricassée de ex-ministros ─ o último deles, justamente, Wellington Moreira Franco, parceirão de Temer em seu governo, e motivo de perplexidade geral entre os políticos por não ter sido preso antes. Ainda estava solto? A propósito: e o próprio Temer, o que estava fazendo fora de uma cela? É o Brasil de hoje.

A situação de Temer, é verdade, não é tão ruim quanto a do gênio político a quem devemos sua criação; por enquanto não foi julgado, ao contrário de Lula, que já está condenado em duas instâncias e cumpre pena, com 25 anos de cadeia no lombo. Mas é uma desgraça de primeiríssima classe ─ para ele, e, indiretamente, para todos os delinquentes que operam há anos na vida pública nacional. Estavam achando, talvez, que a Lava-Jato tinha mais ou menos parado em Lula? Se pensaram nisso pensaram horrivelmente errado. Pode ter até havido essa esperança, estimulada pela incansável ala pró-crime do STF, mas a realidade está apresentando um futuro soturno para eles todos. Figuras como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e companhia fazem o que podem, mas também não são de ferro; seus protegidos, positivamente, não ajudam. Estão exigindo assistência permanente dos protetores, numa base quase diária. Gilmar, por exemplo, solta esse Beto Richa e até inventa um “salvo conduto”, proibindo que a polícia chegue perto dele. Mas o homem dá um trabalho insano: consegue ser preso de novo, o que vai obrigar Gilmar e seus sócios a mandarem soltar mais uma vez. E aí: vai ser assim pelo resto da vida? Quantas vezes terão de tirar o cidadão da cadeia? Cinco? Sete? Dez? 

É a mesma situação, sem tirar nem pôr, dos demais políticos dessa raça. É claro que cada caso é um caso, mas que ninguém se iluda: não haverá a menor chance de sossego, inclusive para Temer, enquanto não matarem a Lava-Jato. Estão fazendo o diabo para isso, mas não estão conseguindo. Essa é a vida real. O resto é barulho na mídia e no picadeiro da politicada, que ficam cada vez mais indignados, mas não conseguem evitar uma única e escassa prisão.

É um problemaço. Agora não é mais o PT, apenas, que está correndo da polícia. A coisa ficou preta para o PSDB e o MDB. A quem apelar? Quem vai fazer a campanha “Temer Livre”? Quem tiraria 1 real do bolso para ajudar Temer em alguma coisa? E Moreira Franco, então? Pelo jeito, estão todos reduzidos a contar com o apoio dos “garantistas”, que se escandalizam com o que chamam de ataque “à atividade política”, mas não decidem nada. Ou com a ajuda do deputado Rodrigo Maia, contraparente de Moreira Franco, inimigo do projeto anticrime de Sergio Moro e investigado em dois processos por corrupção. Têm apoio na mídia, nos advogados milionários de corruptos, na classe intelectual, etc. Só que ninguém consegue se dar bem defendendo o lado do ladrão; se você tem de ficar a favor de um Paulo Preto da vida, por exemplo, a sua situação está realmente uma lástima. 

Não é assim que farão a Lava-Jato morrer.