Como eu disse no post anterior, Bolsonaro tem que decidir se é contra a corrupção ou se vai
mesmo se alinhar à banda podre do Congresso e
do Judiciário. Não pode agir
como os petistas que ele tanto abomina, para quem as leis só valem quando os
favorecem. Se quiser passar a ideia de que é inimigo figadal da corrupção e dos
corruptos, o presidente terá de vetar integralmente o
projeto cafajeste sobre abuso de autoridade aprovado a toque de caixa por
foras-da-lei disfarçados de deputados e senadores, que querem dar voz de
prisão, em nome da lei, aos defensores da lei.
Da forma como foi redesenhado pelos parlamentares, o projeto
não só retira o caráter de proteção geral de cidadãos como se transforma num
instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, além de
constranger juízes. De acordo com o Ministério
Público, dos 33 crimes tipificados na nova lei, apenas três têm destinação
de parlamentares e seis de autoridades e outros agentes públicos. Juízes são
alcançados por 20 deles, promotores e procuradores por 21, agentes policiais e
profissionais de segurança pública em 28.
A criminalização constrange a capacidade de interpretar as
leis, e foi justamente isso que possibilitou os avanços da Lava-Jato. Limitar a interpretação à letra fria da lei ou
criminalizar as ações de combate à corrupção deixará temerosos investigadores,
juízes, promotores e procuradores — o que, aliás, já vem acontecendo: auditores
da Receita Federal foram afastados
pelo STF por supostamente
investigarem membros do tribunal em “desvio de função”, e o Coaf, que Moro considerava um instrumento fundamental no combate à corrupção
e lavagem de dinheiro, foi transferido para o Banco Central.
Antes mesmo da votação dessa vergonha na Câmara, Moro tuitou que “são os assassinos, ladrões e os bandidos que precisam temer a lei.”
Delegados, promotores, procuradores e magistrados consideram que o texto contém
“pegadinhas” e teria como objetivo emparedar investigações de grande complexidade,
como a Lava-Jato.
Na manhã de ontem, o ministro da Justiça se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto e
sugeriu o veto de nove artigos do texto. À imprensa, o presidente disse que
ainda vai analisar possíveis vetos, mas defendeu a necessidade de coibir
abusos. “Existe abuso, somos seres
humanos. Logicamente, não se pode cercear os trabalhos das instituições, mas a
pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo e fazer baseado na lei. Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém
me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?”
Parlamentares favoráveis às medidas defenderam o projeto. “A lei que pune o abuso de autoridade coíbe
ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais,
políticas ou partidárias”, disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Para o presidente da Câmara, o objetivo é evitar que agentes
públicos “passem de suas responsabilidades”. Segundo o ministro Gilmar Mendes, encarnação do deus-sol
neste vale de lágrimas, a lei de abuso representa um “remédio”: “Quem exerce o poder tende a dele abusar e é
por isso que precisa ter remédio desse tipo”. Vale lembrar que tanto Gleisi
quanto Maia estão enrolados na Lava-Jato, e que Gilmar Mendes... Bem, Gilmar Mendes é Gilmar Mendes.
Mudando de um ponto a outro, a crise provocada pela
intervenção de Bolsonaro na PF devolveu a Moro parte do protagonismo perdido com o vazamento de conversas
hackeadas e pelo “quem manda sou eu”
do presidente (detalhes no post anterior). O ministro e o diretor-geral da PF, Mauricio Valeixo, mostraram ao capitão que a atitude provocou uma
verdadeira comoção na instituição, com risco de pedido coletivo de demissão dos
chefes operacionais. Bolsonaro
recuou e Moro se capitalizou junto
à PF.
A questão é que o que o presidente menos quer a esta altura é desagradar o Congresso, pois cabe aos senadores chancelarem a indicação de Zero Três para a embaixada do Brasil nos EUA. Como boa parte dos parlamentares tem contas a acertar com a Justiça, vetar a Lei de Abuso de Autoridade se tornou um dilema para o capitão: se apoiar o ministro da Justiça, ele se indispõe com os congressistas, e vice-versa. Não há como agradar a todos ao mesmo tempo. Um grupo de 20 políticos de ao menos quatro partidos têm encontro marcado com o presidente nesta terça para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.
Falando em agradar todo mundo ao mesmo tempo, Bolsonaro precisa resolver (também) se Raquel Dodge terá um segundo mandato à frente da PGR — as chances parecem mais remotas a cada dia que passa, mas enfim — ou indicar o sucessor da procuradora. O presidente se colocou (mais uma vez) numa sinuca de bico ao dizer que não se balizaria pela lista tríplice do MPF, o que provocou uma avalanche de interessados, indicados pelos filhos, por assessores, por correligionários, e por aí afora. Só que o capitão acha que precisa de alguém com o "perfil ideal", ou seja, submisso ao executivo, mas implacável com a corrupção — desde que o corruptor ou o corrupto não faça parte do seu clã ou do seu círculo de amizades. Na pior das hipóteses, sua excelência nomeará um interino e, quando calhar, o efetivará ou substituirá. Uma decisão infeliz que gera insegurança entre os procuradores e demonstra, mais uma vez, a falta de preparo do Jair Messias Bolsonaro para exercer o cargo ao qual foi guindado porque a alternativa — o bonifrate de Lula — era ainda pior.
A questão é que o que o presidente menos quer a esta altura é desagradar o Congresso, pois cabe aos senadores chancelarem a indicação de Zero Três para a embaixada do Brasil nos EUA. Como boa parte dos parlamentares tem contas a acertar com a Justiça, vetar a Lei de Abuso de Autoridade se tornou um dilema para o capitão: se apoiar o ministro da Justiça, ele se indispõe com os congressistas, e vice-versa. Não há como agradar a todos ao mesmo tempo. Um grupo de 20 políticos de ao menos quatro partidos têm encontro marcado com o presidente nesta terça para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.
Falando em agradar todo mundo ao mesmo tempo, Bolsonaro precisa resolver (também) se Raquel Dodge terá um segundo mandato à frente da PGR — as chances parecem mais remotas a cada dia que passa, mas enfim — ou indicar o sucessor da procuradora. O presidente se colocou (mais uma vez) numa sinuca de bico ao dizer que não se balizaria pela lista tríplice do MPF, o que provocou uma avalanche de interessados, indicados pelos filhos, por assessores, por correligionários, e por aí afora. Só que o capitão acha que precisa de alguém com o "perfil ideal", ou seja, submisso ao executivo, mas implacável com a corrupção — desde que o corruptor ou o corrupto não faça parte do seu clã ou do seu círculo de amizades. Na pior das hipóteses, sua excelência nomeará um interino e, quando calhar, o efetivará ou substituirá. Uma decisão infeliz que gera insegurança entre os procuradores e demonstra, mais uma vez, a falta de preparo do Jair Messias Bolsonaro para exercer o cargo ao qual foi guindado porque a alternativa — o bonifrate de Lula — era ainda pior.
Na avaliação de Josias
de Souza, o país assiste a uma nova encenação política. Estava em cartaz o
enredo baseado no versículo multiuso extraído do Evangelho de João: "Conhecereis
a verdade, e a verdade vos libertará." Entrou em cena um roteiro
adaptado: "Enfrentareis a verdade,
e a verdade vos aprisionará." Nas duas tramas, Bolsonaro faz o papel de si mesmo. A diferença é que, na primeira,
ele se apresenta do modo como pensa que é: um político imaculado, estalando de
pureza moral. Na segunda, ele é visto da maneira como voltou a ser: um político
convencional, com todos os vícios da espécie.
Ex-deputado do baixo clero, Bolsonaro inventou-se como baluarte da extrema-direita,
reinventou-se como presidenciável da Lava-Jato
e chegou ao apogeu da metamorfose como presidente avesso aos maus costumes. No novo
espetáculo, ele desossa o Coaf,
intervém no Fisco e na PF, leva
Sergio Moro à
frigideira. Enquanto aquele Bolsonaro
hipoteticamente ético esteve no palco, travou
com o pedaço do asfalto que o chama de "mito" uma
relação de cumplicidade. Quem ouvia seus discursos aplaudia efusivamente ou,
pelo menos, dispunha-se a acreditar graciosamente. Agora, o capitão promove um roadshow de horrores.
Bolsonaro arrasta
três correntes no palco. A do filho 01 conduziu-o à parceria tóxica com Dias Toffoli. A do 02 enfiou-o num
bunker assombrado por inimigos imaginários — dos generais aos comunistas. A
corrente do filho 03 empurrou-o para o balcão onde a cadeira de embaixador é trocada
por favores variados. Rendido aos interesses de sua dinastia, o capitão mantém
com a verdade uma relação rude. Quanto mais ele a enfrenta, mais ela o
aprisiona no seu enredo arcaico, onde prevalece não o versículo do Evangelho de João, mas o primeiro
mandamento da Lei de Murphy: quando algo pode dar errado, dará.