Depois que o
TRF-4 confirmou a
condenação de
Lula, virtuais
candidatos à presidência ― entre os quais
Geraldo
Alckmin e o improvável
Michel Temer
― vêm dizendo que seria melhor que o
demiurgo
de Garanhuns fosse derrotado nas urnas, mas só o fazem porque estão de olho nos
votos de parte dos seguidores da
Seita
do Inferno, que insistem na tresloucada teoria de perseguições,
conspirações, golpes e asneiras que tais. Alguém deveria avisar a esses senhores que
a prerrogativa de condenar e absolver réus em ações criminais é da Justiça,
não das urnas, mesmo que o réu seja um ex-presidente da República e figure em
primeiro lugar nas pesquisas de opinião pública sobre a sucessão presidencial
(como eu costumo dizer, a
cada segundo
nasce um idiota neste mundo, e os que nascem no Brasil já veem com título de
eleitor).
Uma vez condenado por um colegiado,
Lula
se tornou inelegível à luz da
lei da
Ficha-Limpa (volto a esse assunto oportunamente)
. E ainda que o entendimento do
STF quanto ao
cumprimento da pena após condenação em segunda
instância não seja unânime ― a questão foi levada três vezes a plenário e o
placar de 6 votos a 5 ainda pode mudar ―, a prisão do
demiurgo de Garanhuns poderá ser decretada
assim que o
TRF-4 julgar os
embargos declaratórios (recurso que não
tem o condão de reverter a condenação), já que, após ratificarem a condenação, os três desembargadores da
8.ª
Turma determinaram que a execução provisória da pena seja iniciada
tão logo esgotada a jurisdição daquele Tribunal.
Observação:
A defesa de Lula impetrou um habeas corpus preventivo no STJ, visando
afastar a determinação da execução provisória da pena, mas, no início da noite de ontem, o ministro Humberto Martins, presidente em exercício daquela Corte, negou o pedido.
Na noite da última segunda-feira, durante um jantar promovido pelo site
Poder360, a ministra
Cármen Lúcia afirmou que “
usar
a situação do ex-presidente Lula para rever a decisão sobre o início da prisão
dos condenados em segunda instância seria apequenar muito o Supremo”. Disse ela que o tema nem sequer foi discutido com outros ministros da Corte, que não há previsão para um novo julgamento e que é improvável que o
Supremo reverta o entendimento atual de que
condenados em segunda
instância ficam automaticamente impedidos de concorrer a cargos públicos,
independentemente de entrarem com recursos em tribunais superiores.
Com efeito, a imagem do
STF
ficaria profundamente arranhada se o entendimento vigente fosse modificado neste
momento, pois deixaria nítido o favorecimento ao ex-presidente petralha. Se
realmente for necessário reabrir os debates, que isso seja feito mais adiante,
preferencialmente depois das as eleições, quando o cenário político já não estiver tão conturbado. Mesmo assim, o decano
Celso de Mello tem puxado uma corrente de decisões monocráticas que
de certa forma visam regulamentar o entendimento do Plenário, e os ministros
Marco Aurélio,
Gilmar Mendes e
Ricardo
Lewandowski vêm concedendo liminares para afastar a execução antecipada da
pena, a pretexto de entendê-la inconstitucional. Vejamos isso melhor.
Segundo a Constituição, “
ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”
(Art. 5º, LVII). Esse é o fundamento do
princípio da presunção de inocência (ou
da não culpabilidade). Até fevereiro de 2009, o
STF entendia que a interposição de
recurso especial (ao
STJ)
ou de
recurso extraordinário (ao
STF) não impediria a
execução provisória da pena de prisão, não havendo,
portando, violação ao princípio da presunção de inocência, até porque os
recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo. A título de
ilustração, transcrevo abaixo trecho de uma decisão da 2.ª Turma do Supremo:
“(…) IV – O recurso especial e o recurso
extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem a execução
provisória da pena de prisão. Regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90,
que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. V. –
Precedentes do STF (…)”. (STF, Segunda Turma, AI-AgR 539291/RS, Rel. Min.
Carlos Velloso, j. em 04.10.2005, DJ de 11.11.2005).
Mais adiante, em sessão plenária realizada em 2009, o
STF alterou, por maioria, sua
jurisprudência, passando a entender que a ausência de eficácia suspensiva dos
recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado
exercesse o direito de recorrer em liberdade. Com isso, prevaleceu o
entendimento segundo o qual a prisão antes do trânsito em julgado da condenação
somente poderia ser decretada a título
cautelar. Em 2016, todavia, o
STF resgatou o entendimento que vinha adotando até fevereiro de
2009, ou seja, de que
a possibilidade de início da execução provisória da pena
condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (essa
mudança na jurisprudência ocorreu no julgamento do HC 126.292, da relatoria do
ministro
Teori Zavascki).
De acordo com essa diretriz interpretativa, “
a
manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos
e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da
execução da pena”. Aliás,
Zavascki salientou
em seu voto que
se deve presumir a inocência do réu até que a sentença penal
condenatória seja confirmada em segundo grau, a partir de quando exaure-se o
princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão
de segundo grau ― ao
STJ ou
STF ― não se prestam a discutir fatos e
provas, mas apenas matéria de direito. Além disso,
citou a ministra
Ellen Gracie, que, no julgamento do HC
85886, sentenciou: “
em país nenhum do
mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma
condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.
Resumo da ópera:
1) A presunção
de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de
segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria
de direito.
Convenhamos que não faltam argumentos abalizados contra e a
favor do cumprimento da pena após condenação em 2.ª instância. Por outro lado, seria calamitoso modificar o entendimento atual, considerando que vivemos num país onde os
poderosos (economicamente falando) são useiros e vezeiros em se valer da vasta
gama de recursos oferecidos pelas quatro instâncias do Judiciário para evitar a
prisão até que a prescrição impeça a execução da pena (vejam, por exemplo, o
caso de
Paulo Maluf,
ou de
Luiz Estevão, que ingressou com nada menos que
120
recursos até ser preso).
Na avaliação do juiz
Sérgio
Moro, a decisão do
Supremo (de
2016) fechou uma janela para a impunidade. A pergunta é: a quem interessa reabri-la?