E é um espanto o tanto de gente que não gosta de Doria, embora mal saiba quem ele é ― ou
jamais tivesse ouvido falar dele antes de meados de agosto, quando teve início a
campanha pela sucessão municipal.
Não é a primeira vez que uma figura “desconhecida” surge “do
nada” e, quando se vai ver, está no comando da maior cidade latino-americana. Pitta e Haddad são bons exemplos: o primeiro ― “foi Maluf que fez” ― saiu do mais merecido anonimato para se tornar o
pior prefeito desde João Eanes (eleito
em 1561); o segundo ― desafortunada
invenção do ex-presidente Lula Lalau
― ainda está no cargo e, portanto, dispensa maiores apresentações.
Para o mundo onde circulam as ideias aceitáveis, parece
irritante um ser político tão “incorreto” como Doria ― com suas malhas de cashmere, corte de cabelo, endereço
residencial e saldo bancário de herói dos “coxinhas” do Brasil ― ter reduzido a pó o candidato do “maior
gênio político que este país já conheceu”, deixando-o com infames 17% dos
votos, notadamente porque, a um mês da votação, os entendidos viam no tucano,
em quarto lugar nas pesquisas, o exemplo perfeito do candidato errado, mas que,
no dia da decisão, revelou-se o mais certo de todos, e que se elegeu em
primeiro turno (fato inédito na capital paulista).
Talvez Doria venha a se tornar apenas “mais um ex-prefeito”, mas enquanto isso não fica
definido ele incomoda. Tudo bem que Lula
e o PT, com a calamidade que
produziram no país, perdessem a eleição ― e não apenas em Sampa, mas em todo o
país. Mas não “para esse aí”, que aí já é demais.
Doria é a soma de
tudo o que menos se recomenda nos manuais de propaganda a um candidato a
prefeito de uma cidade com 9 milhões de eleitores ― a grande maioria composta
de gente pobre e empenhada na luta diária pela sobrevivência. Na direção
exatamente oposta ao que a esquerda, em geral, e os analistas políticos, em
particular, prescrevem a um candidato popular, ele não tem a menor hostilidade
contra o automóvel. Quando ouve dizer que esta ou aquela medida “higieniza” a
cidade, fica a favor ― acha que higiene é coisa boa. É contra doações à
população ― esmolas, casas, mesadas. É a favor da polícia e contra os criminosos,
sempre. Não gosta de impostos nem de multas, e acha que propriedades invadidas
devem ser desocupadas e devolvidas.
E se isso tudo, ao contrário do que pregam nossas “classes
intelectuais”, fizer sentido para as massas populares que imaginam conhecer tão
bem? Não parece nenhum absurdo deixar em
paz o automóvel numa cidade com 8 milhões de automóveis ― pode até ser errado,
mas absurdo não é. Abster-se de propor doações ditas “sociais” parece
adequado à grande cidade brasileira menos dependente do Bolsa Família e do
governo. Faz sentido, numa metrópole onde milhões aspiram à propriedade privada
e não abrem mão de sua defesa, combater invasões ― ou ser contrário à pichação
de imóveis. Estará do lado da imensa maioria, também, quem ficar contra à entrega
do espaço público a viciados em drogas, moradores de rua e desocupados. Que mal
haveria em defender a repressão à desordem perante uma população que jamais
ganhou um centavo com a destruição de vidraças de bancos? Ou em ser contra o
crime diante de um eleitorado que defende o direito a portar armas? Ou em estar
bem de vida quando isso é algo admirável para o paulistano pobre que trabalha e
quer ter amanhã mais do que tem hoje? Nenhum, claro, sobretudo quando se pode dizer que esse dinheiro vem do próprio esforço, e não
de roubalheira na Petrobras. Em suma: e se João Doria, justamente por ser quem é, for o retrato do político
mais bem sintonizado, hoje, com as grandes classes populares de São Paulo?
Os pobres, aparentemente, não querem o que a esquerda quer
que eles queiram. Querem coisas diferentes, muitas vezes o oposto ― e aí quem
faz política precisa resolver de que lado está. Doria, no começo, foi visto como “uma loucura”. Loucos, como se vê
agora, parecem os outros.
Com excerto do artigo FORA
DA LINHA, de J.R. GUZZO
De acordo com o jornalista Reinaldo Azevedo, existe uma disputa surda de estratégias e pontos
de vista entre os procuradores da Lava-Jato
e os delegados da Polícia Federal,
para os quais é chegada a hora de pôr fim às delações premiadas ― não para
frear, mas para não desmoralizar a
investigação.
Para a oposição, o governo Temer pode ser alvo da eventual delação ― possibilidade que não foi
descartada por Paulinho da Força,
fiel escudeiro do ex-deputado. O governo e os governistas preferiram não
comentar o episódio — no que, convenhamos, fizeram muito bem, pois qualquer
pronunciamento impensado vira um tsunami de problemas.
A petralhada vê essa possibilidade com bons olhos, já que,
em tese, apertaria o cerco em torno de Temer
e do PMDB, embora Palocci esteja preso por, dentre outras
acusações, ter criado facilidades para a Odebrecht,
e a situação de Lula vir se
agravando a cada dia que passa. E mais: Temer
não tinha instrumentos para aquinhoar este ou aquele; até onde se sabe, ninguém
o relacionou diretamente às safadezas. Talvez não se possa dizer o mesmo de
alguns ministros de Estado, mas isso não quer dizer que o governo vai “desmoronar”
se Cunha botar a boca no trombone, pois
o presidente sempre poderá substituir os assessores comprometidos.
Por essas e outras, talvez os petistas devessem comemorar a
coisa com mais parcimônia e focar seu próprio partido. Afinal, uma eventual
queda do governo Temer não teria,
por si só, o condão de lhes devolver o poder, como o resultado das eleições
municipais deixou bem claro. E ainda que se queira ligar Cunha a Temer, o fato é
que aquele nunca foi tão próximo deste quanto Palocci foi de Lula.
Volto ao assunto numa próxima postagem. Abraços e até lá.
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