Assim, o ministro Luís Fachin ficou em nítida desvantagem quando, a pretexto de “travar uma cruzada contra prisões preventivas excessivamente longas” ― recurso que a Lava-Jato tem utilizado para estimular os acordos de delação premiada ―, três de seus pares na 2ª Turma do STF resolveram atuar como laxantes togados

Esse mesmo entendimento embasou o acolhimento do habeas corpus do goleiro Bruno em março passado. Na oportunidade, o ministro Marco Aurélio Mello, responsável pela soltura do assassino, disse em seu despacho que “a esta altura, sem culpa formada, o paciente está preso há seis anos e sete meses, e nada, absolutamente nada, justifica tal fato. Vale salientar que metade da população carcerária tupiniquim está presa sem sentença condenatória ou, em alguns casos, sem sequer uma audiência preliminar. Se formos por esse caminho, resolveremos facilmente o problema de superlotação nos presídios.

Observação: Em 2013, Bruno foi condenado a 22 anos e 3 meses de prisão por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e sequestro de menor. Ao acolher o habeas corpus, Mello acatou o argumento da defesa, que exime o réu de culpa pelo atraso no julgamento do recurso. Todavia, segundo o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Doorgal Gustavo Borges de Andrada, a demora se deve à profusão de apelações, recursos especiais, recurso sentido estrito, recurso extraordinário, embargos de declaração, etc. apresentados pelos advogados do jogador e dos demais corréus. Enfim, depois de 62 dias em liberdade, Bruno voltou para a cadeira por decisão da 1ª Turma do STF, que acatou o pedido de suspensão da liminar feito pela PGR.

Como diz um velho ditado, “caganeira não dá uma vez só”. A soltura de Dirceu afrouxou o esfíncter, digo, reacendeu a esperança de outros presos da Lava-Jato. Flavio Henrique de Oliveira Macedo e Eduardo Aparecido de Meira entraram com pedidos de extensão do habeas corpus concedido ao guerrilheiro de festim. A fundamentação é o artigo 580 do Código de Processo Penal, que prevê a extensão de decisões a corréus cuja situação fático-processual seja idêntica àquele em favor de quem foi ela proferida.

Mais preocupante ainda é o caso de Antonio Palocci. Em depoimento ao juiz Moro, o ex-ministro de Lula e Dilma afirmou dispor de informações e provas que dariam pelo menos mais um ano de trabalho à Lava-Jato. Porém, estimulado pela soltura de seus comparsas, ele suspendeu a contratação do escritório Adriano Bretas, especializado na negociação de delações premiadas, e ingressou com pedido de habeas corpus no STF. O ministro Fachin, escaldado pelas recentes decisões de seus pares na 2ª Turma, preferiu não se arriscar a outro placar de 3 a 2 ― ou mesmo de 4 a 1, dada a possibilidade de Celso de Mello mudar de lado ― e, depois de negar liminarmente o pedido, jogou a batata quente no colo do plenário da Corte (ainda não se sabe em que data o apelo será julgado).

Observações:

1- Provavelmente jamais saberemos o que levou Palocci a demitir o criminalista Antonio Bretas dias depois de tê-lo contratado para negociar sua delação premiada. No entanto, isso não significa que o petralha quebrará a promessa feita ao juiz Moro. Desde a última quinta-feira que emissários do ex-ministro vêm sondando outros advogados especializados, sinalizando que existe interesse em dar andamento ao acordo de colaboração. 

2- O advogado José Roberto Batochio, em agravo regimental, afirmou que a decisão de Fachin fere a competência da 2ª Turma, que é o colegiado responsável pelos casos da Lava-Jato. Já para o ministro Alexandre de Moraes “há previsão no regimento interno que permite ao relator, dependendo dos casos, afetar a discussão ao plenário do Supremo, principalmente quando o relator verifica que pode haver discrepância de julgamentos em relação às turmas. Seria uma forma de uniformizar a jurisprudência”.

3- O finado ministro Teori Zavascki costumava submeter questões mais polêmicas (como o habeas corpus do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha) diretamente ao plenário, visando fugir da 2ª Turma (que ele não só integrava, mas conhecia muito bem). Pena Fachin não ter se inspirado em seu antecessor no caso de Dirceu.

Diante da ofensiva da 2ª Turma do Supremo contra as prisões preventivas da Lava-Jato, o juiz Sérgio Moro aproveitou seu despacho na Operação Asfixia para teorizar sobre a importância delas no sucesso das investigações do esquema de corrupção na Petrobras. Ele ressaltou que foram identificados “elementos probatórios” que apontam para um quadro de corrupção sistêmica, com ajustes fraudulentos para obtenção de contratos públicos e o pagamento de propinas a agentes públicos, a agentes políticos e a partidos políticos, que o recebimento de propinas passou a ser visto “como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal”. “Se a corrupção é sistêmica e profunda”, ponderou o magistrado, “impõe-­se a prisão preventiva para a debelar, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso. Assim, excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada pelos processos na Lava-Jato, com prejuízos já assumidos de cerca de seis bilhões de reais somente pela Petrobrás”.

Moro disse ainda que somente a prisão preventiva foi capaz de encerrar as carreiras delitivas dos envolvidos, e que a existência de risco à ordem pública justifica essa medida “para interromper um ciclo delitivo de dedicação profissional à intermediação de propinas e à lavagem de dinheiro”. Em certa parte do despacho, ele fez uma defesa explícita de suas decisões até agora, afirmando que “em que pesem as críticas genéricas às prisões preventivas decretadas na assim denominada Operação Lava-Jato, cumpre reiterar que atualmente há somente sete presos provisórios sem julgamento, e que a medida, embora drástica, foi essencial para interromper a carreira criminosa de Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque, Alberto Youssef e de Fernando Soares, entre outros, além de interromper, espera-­se que em definitivo, a atividade do cartel das empreiteiras e o pagamento sistemático pelas maiores empreiteiras do Brasil de propinas a agentes públicos, incluindo o desmantelamento do Departamento de Propinas de uma delas”. Para defender sua tese de que a prisão preventiva, embora excepcional, pode ser utilizada, o juiz citou até mesmo uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que diz que em determinadas circunstâncias o direito da sociedade deve se sobrepor ao do indivíduo.

Observação: Dirceu deve voltar em breve para o xilindró. É possível que um mandado de prisão preventiva seja expedido quando da aceitação da nova denúncia apresentada contra ele pelo MPF. Demais disso, sua primeira condenação (20 anos e 10 meses de prisão) foi imposta pelo juiz Moro há cerca de 1 ano, e a apelação, distribuída ao TRF-4, no final de agosto de 2016, está sendo analisada pelo gabinete do desembargador federal João Pedro Gebran Neto. Segundo informações daquele Tribunal, das 28 sentenças de Moro na Lava-Jato, 18 apelações chegaram à Corte e 9 já foram julgadas pelos desembargadores da 8ª Turma, especializada em matéria penal.