Como hoje é sábado e feriado nacional (em homenagem a Tiradentes), eu pensei em dar um
descanso das maracutaias da banda podre do Supremo, da prisão de Lula, da irresignação dos militontos e
de outros temas que já encheram o saco. Mas não tem jeito. E como não tive
tempo de concluir o texto sobre a nova ADC
(esta do PCdoB) que o ministro Marco Aurélio já liberou para
julgamento, segue o excerto de um artigo do festejado jornalista J.R. Guzzo.
As leis são feitas, tanto quanto se saiba, para
melhorar a vida das pessoas. Que sentido poderia ter uma lei que piora a
existência do cidadão? Nenhum, e por isso mesmo é francamente um espanto a
quantidade de leis em vigor, neste país, que não melhoram coisa nenhuma e, ao
mesmo tempo, conseguem piorar tudo.
Um dos mais notáveis exemplos práticos dessa
espécie de tara, tão presente no sistema legal e jurídico do Brasil, é o
apaixonante debate atual sobre a “segunda instância” e o “trânsito em julgado”.
Quase ninguém, mesmo gente que foi à escola, conseguiria dizer até outro dia
que diabo quer dizer isso; dá para entender as palavras “segunda” e “trânsito”,
mas daí pouca gente passa.
No entanto, tanto uma como outra coisa são o centro
da questão mais decisiva da vida política do Brasil de hoje, e as nossas
altíssimas autoridades, aí, conseguiram transformar um clássico “não-problema”
num tumulto que tem infernizado como poucos a estabilidade política do país ― e
enchido a paciência de muitos, ou quase todos os habitantes do território
nacional.
Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá
Deus quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país
invocaram para colocar em discussão se a Terra é redonda ou é plana, mostram
bem a extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o
princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo ― e só faz nexo se vem
para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão
comum.
Não faz o menor nexo sustentar que o bem estar das pessoas melhora, ou
que elas ficam mais protegidas, se for proibido colocar um criminoso na cadeia
quando ele é condenado duas vezes em seguida; é incompreensível que a punição
para um crime só deva acontecer quando o autor perder na “última instância”,
que ninguém sabe direito qual é. Eis aí o raio do “trânsito em julgado” ― o
momento em que não há mais o que inventar em matéria de trapaça legal para
manter o malfeitor fora do xadrez. É algo tão raro quanto a passagem dos
cometas.
Alguém é capaz de achar que os direitos civis do
cidadão brasileiro estão sendo protegidos por um negócio desses? Quem ganha com
isso a não ser criminosos tamanho GGGG-plus, que têm poder e dinheiro para
pagar sua defesa durante anos a fio, e os escritórios de advocacia que sonham
com processos que lhes rendem honorários pelo resto da vida? Não há
absolutamente nenhum interesse coletivo beneficiado por esse tipo de
entendimento da lei. O que acontece é justamente o contrário.
O veto à prisão
“na segunda instância” é uma ameaça ao brasileiro que cumpre a lei. Não é um
“direito”, como dizem advogados e demais sábios da ciência jurídica ― o
direito, respeitado em todas as democracias, à “presunção de inocência”.
Inocência como, se o indivíduo já foi condenado duas vezes? Teve todo o direito
de se defender, sobretudo se conta com milhões. O acusador teve de apresentar provas,
e o juiz teve de considerar que as provas eram baseadas em fatos. O que há na
vida real, isso sim, é uma violação do direito que as pessoas têm de contar com
punição para os criminosos que as agrediram ― por exemplo, roubando o dinheiro
que pagam em impostos, ou o patrimônio que possuem legalmente nas empresas
estatais.
Os “garantistas”, que defendem em latim essas
aberrações, garantem apenas a impunidade. Utilizam dúvidas que existem na
Constituição e que podem ser mal interpretadas ― só foram colocadas ali, aliás,
com o exato propósito de serem mal interpretadas. Constroem, esses heróis da
liberdade, um monumento às leis que foram escritas para fazer mal ao Brasil e
aos brasileiros.
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