SE O QUE NOS TORNA ÚNICOS É A CONSCIÊNCIA, E SE VIAJAR NO TEMPO FOSSE POSSÍVEL USANDO APENAS NOSSA CONSCIÊNCIA, TALVEZ AS VIAGENS NO TEMPO SEJAM MAIS SIMPLES DO QUE NÓS AS IMAGINAMOS.
Os relógios que usamos no dia a dia foram concebidos há milênios, quando alguém associou a própria sombra a escalas capazes de determinar as horas a partir da posição projetada pelo sol. As versões de água e de areia surgiram no século VII a.C., e o modelo, mecânico, no século IX da nossa era. Mas nossa percepção da passagem do tempo depende de diversas variáveis.
Se, por exemplo, estivermos quase borrando as calças e ouvirmos de dentro do banheiro o tradicional "só um minuto", esse minuto vai parecer a antessala da eternidade. Além disso, segundos, minutos e horas não explicam o tempo de uma ação quântica ou da formação de uma galáxia, também por exemplo
Em última análise, tudo é uma questão de tempo, mas o tempo não é tão simples quanto parece. Até porque, segundo abordagens recentes, ele pode ser tridimensional. Explicando melhor: descrever o horário, a passagem dos anos ou o valor de um deslocamento instantâneo de partículas quânticas no universo cósmico são coisas distintas; do ponto de vista cósmico, o tempo é relativo, variando conforme a massa e a aceleração (como ensinou Einstein em sua famosa teoria).
A relatividade geral e a mecânica quântica explicam o Universo com alto grau de precisão, mas partem de medidas de tempo distintas (do ponto de vista da física), dificultando a criação de uma teoria única e universal para explicar o tempo. A ideia do tempo 3D não é nova, mas foi reapresentada recentemente num estudo publicado na revista Reports in Advances of Physical Sciences pelo geofísico Gunther Kletetschka, da Universidade do Alasca, que propõe uma reformulação completa dos conceitos básicos que conhecemos.
Para criar um conceito novo que dê conta de explicar tudo, o cientista criou uma estrutura matemática que reproduz as propriedades conhecidas do Universo em uma única equação matemática. Segundo ele, incorporar as três dimensões do tempo em uma operação que as preserva não altera a natureza do tempo, mas concilia suas três dimensões em uma única fórmula capaz de explicar desde o tempo do relógio até o surgimento das partículas quânticas.
Kletetschka diz que as primeiras propostas do tempo 3D eram fórmulas matemáticas sem conexões experimentais concretas, ao passo que seu estudo transforma o conceito em uma teoria fisicamente testada e com múltiplos canais de verificação independentes. Além da fórmula por si só, ele consegue reproduzir com precisão as massas conhecidas de diversas partículas, como elétrons e neutrinos.
Caso você esteja se perguntando o que isso tem a ver com as viagens no tempo, a resposta é: nada. Como eu disse e repeti dezenas de vezes ao longo desta novela, o tempo passa conforme a velocidade do observador aumenta, e desacelera nas proximidades do horizonte de eventos de um buraco negro. Assim, viajar para o futuro exigiria simplesmente se aproximar de um desses corpos celestes, mas mantendo uma distância segura de seu horizonte de eventos para não ser tragado.
Em outras palavras, bastaria ficar lá por algum tempo para voltar à Terra dezenas, centenas ou milhares de anos no futuro em relação à data de partida. O xis da questão, como também já foi dito nos capítulos anteriores, é a imensidão do cosmos e as distâncias astronômicas — literalmente — que nos separam dos buracos negros conhecidos. A título de ilustração, nosso sistema solar está a "confortáveis" 26 mil anos-luz do buraco negro supermassivo que fica no centro da Via Láctea e a 1,6 ano-luz (cerca de 15 trilhões de quilômetros) de Gaia BH1 — o buraco negro mais próximo que foi avistado até agora.
Para viajar rumo ao passado, as coisas se complicam ainda mais. A monstruosa atração gravitacional dos buracos negros supermassivos distorce o tempo a ponto de criar um loop temporal — como os trilhos dos antigos trens elétricos de brinquedo, que a cada volta passavam novamente pelo ponto de partida. Se conseguíssemos entrar em um desses loops, teríamos uma máquina do tempo na qual entraríamos no futuro e sairíamos no passado.
Mas há alguns senões, começando pelo fato de que essa viagem ao passado seria limitada à época em que o buraco negro surgiu — se ele tivesse surgido após o período jurássico, por exemplo, não permitiria ver dinossauros ao vivo e em cores. Ademais, encontrar o loop temporal exigiria cruzar o horizonte de eventos, o que só seria possível se nos movêssemos mais rápido que a luz. Isso sem mencionar a "espaguetificação".
No fim das contas, parece mais fácil aceitar que o tempo é um trilho sem retorno do que esperar por uma locomotiva quântica que nos leve ao passado enquanto não dispusermos de naves capazes de contornar buracos negros ou dobrar o contínuo espaço-tempo. Até lá, sigamos de carona no relógio e deixemos essa possibilidade para os netos dos nossos bisnetos.
Independentemente de ser uma dimensão, uma ilusão, uma equação ou uma sentença, o tempo segue em frente e deixa atrás de si perguntas sem resposta e teorias à espera de comprovação. Mesmo que seja possível retroceder no tempo, o desafio maior talvez não seja técnico, mas lógico. Mas isso é conversa para os próximos capítulos.


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