YESTERDAY'S GONE; TOMORROW NEVER COMES
Salvador foi capital do Brasil de 1549 a 1763, e o Rio de Janeiro, de 1763 a 1960. Após a Proclamação da República (1889), o poder executivo, que inicialmente manteve sua sede no Paço Imperial, foi transferido para o Palácio do Catete em 1897, no governo de Prudente de Morais.
A ideia de transferir a capital federal para o interior do país foi sugerida pelo Marquês de Pombal em 1761 e ressuscitada por José Bonifácio em 1823, mas só se concretizou no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), quando Brasília foi idealizada por ele e Lúcio Costa, e construída a toque de caixa no meio do nada para ser a cidade do futuro.
CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICAConsertar o Brasil exigiria devolver o país aos índios e orientá-los a impedir o desembarque de Cabral e sua trupe. Mas para evitar que situações como a que adveio da aposentadoria de Barroso se repitam, basta vontade política para alterar as normas constitucionais que regulam o preenchimento de vagas no STF.
Quando um presidente vem a público dizer que não pretende indicar "um amigo", que optará por profissional do direito "gabaritado" a guardar a Constituição, ele escancara a distorção presente nessas escolhas.
Ainda que a Lei Maior estabeleça o critério de notório saber, prevalecem a amizade com o presidente, a confiança do Palácio, o trânsito na política e o agrado dos pares do STF, Sobre o saber jurídico dos principais cotados não se escreveu nem se disse palavra. De Jorge Messias, destaca-se a religião e a proximidade com Lula; de Rodrigo Pacheco, o apoio do presidente do Senado e a simpatia de ministros do tribunal; de Bruno Dantas, o bom relacionamento nos três Poderes.
Tais requisitos são vistos com naturalidade e levados em conta com a maior seriedade, embora devessem ser tratados como secundários. Daí também decorre o fato de que meios e modos das sabatinas no Senado tenham sido incorporados à paisagem tropical.
A dinâmica tem mudado, mas não exatamente para melhor: antigamente os rapapés reinavam; atualmente, seguem presentes, mas acrescidos daquelas manifestações feitas para cortes de internet. A consistência do debate atinente ao escrutínio do saber jurídico continua ausente, e nada indica que haja chance de mudança — do jeito que está é mais fácil para todos, poupa o trabalho de pensar.
O futuro representado por Brasília nos anos 1950 — de uma conquista racional e absoluta do homem sobre a natureza — passou a ser simbolizado por Masdar — monumento ao temor da poluição, do aquecimento climático e do esgotamento dos recursos naturais. Mas é possível que daqui a meio século Masdar nos pareça tão datada quanto Brasília ora nos parece marcada pelos sonhos de ontem.
As previsões do passado revelam menos sobre o futuro que se concretizou do que sobre as ansiedades e esperanças de quem as fez, e o futuro imaginado diz mais sobre o presente de quem imagina do que sobre o amanhã propriamente dito. Nos anos 1960, nas pegadas do sucesso da série The Flintstones — que retratava a vida de uma família da idade da pedra — William Hanna e Joseph Barbera projetaram em The Jetsons suas expectativas de como seria viver em 2062.
Nos anos 1960, os relógios de pulso eram analógicos e exibiam a hora, os minutos e os segundos, os do desenho eram digitais e não só faziam videochamadas como controlavam dispositivos domésticos — algo que só se tornou possível depois que a Samsung lançou o Galaxy Gear. Televisores de telas finíssimas, que no desenho eram pendurados nas paredes como quadros, só começaram a substituir os volumosos aparelhos CRT (de tubo) depois da virada do século. Mais recentemente, dispositivos como os que limpavam a casa da família Jetson se concretizaram como aspiradores inteligentes, e a empregada-robô Rosie pode se tornar realidade em breve: a Aeolus Robotics já anunciou um robô doméstico com formato humanoide semelhante ao do desenho.
Mochilas a jato e carros voadores ainda não são vistos cruzando o céu, mas voar como o menino Elroy pode se tornar realidade em breve: em 2021, a empresa JetPack Aviation vendeu várias unidades para militares de um país do Sudeste Asiático. E os carros voadores já existem: além do Genesis X1, da startup cearense Vertical Connect, modelos da Eve devem se tornar comerciais já ano que vem..
Em 1969, a NASA colocou astronautas na Lua com a Apollo 11. Décadas depois, as sondas Voyager 1 e 2, lançadas em 1977, cruzaram a fronteira do sistema solar rumo ao espaço interestelar. Hoje, projetos como o Breakthrough Starshot investigam velas solares que aproveitam a radiação do Sol para impulsionar naves em viagens interestelares.
Como na canção de Mílton Nascimento e Ronaldo Bastos, "nada será como antes amanhã". Indo mais além, podemos dizer que o futuro não é mais o que era — não somente em tecnologia, mas também em política e valores coletivos. O fato de o presente ser o panteão de nossas angústias de ontem não significa que nossos temores de hoje são quiméricos — ou mais quiméricos que os de ontem.
Quanto aos sonhos políticos de ontem, acreditávamos no fim da exploração do homem pelo homem, numa sociedade sem classes e na vitória do socialismo. Mas o socialismo fracassou, as desigualdades sociais aumentaram e hoje pouco esperamos da democracia. O presente não é o que acreditávamos como futuro — longe disso: o futuro se nos apresenta como um cemitério de ilusões.
Talvez o futuro não seja o que esperávamos porque forjamos nossa identidade a partir de lembranças e desejos. Viver no presente implica voltar a todo instante para o porvir e, pela mesma razão, revisitar o passado. Uma comunidade é como um indivíduo que precisa reinventar para si um novo passado. “Salvadores da pátria” de ontem passam a ser vistos como ditadores sanguinários, “terroristas“ de outrora, como “resistentes”, “revoluções”, como “golpes de Estado”, e o que tínhamos como uma tradição imemorial, como uma invenção recente.
Um passado coletivo que parecia esquecido há dez ou vinte anos adquire nova importância à medida que ilumina o presente com uma nova luz. Em outras palavras, o passado de ontem não é mais o que era, e o presente de hoje deixou de ser o que será amanhã, uma vez que o hoje se alimenta do ontem para recriá-lo “over and over“.
Continua…