Mesmo quem não se interessa por política ― ou não sabe diferenciar conversa de palanque do que realmente pode ser feito pela cidade ― desconfia do verborrágico blábláblá entoado pela seleta confraria de candidatos à prefeitura da maior metrópole latino-americana. A julgar pelas promessas vazias e eminentemente eleitoreiras que a gente ouve no lamentável horário obrigatório e nas demais inserções ao longo da programação das emissoras de rádio e TV, essa cáfila parece ter uma varinha de condão que lhe permitirá resolver tudo da noite para o dia, como num passe de mágica, mas, depois que consegue se eleger, sua carruagem vira abóbora, e o resultado é o de sempre: continuam as inundações, o trânsito caótico, as filas nas creches e postos de saúde, o desperdício de dinheiro público em obras inúteis ou faraônicas, e por aí vai.
Mas nem só do
alcaide vive o município, e amanhã os 8.886.324 eleitores
cadastrados em Sampa deverão escolher
também os 55 vereadores que os representarão pelos próximos quatro anos.
Seria uma excelente oportunidade de defenestrar os maus políticos e preencher as
vagas com gente proba, competente e bem-intencionada, mas, lamentavelmente, o
nível dos 1273
candidatos que disputam uma cadeira na Câmara parece ser ainda pior que o dos que postulam a
prefeitura.
Num contexto onde 11
de cada 10 brasileiros minimamente esclarecidos repudiam a classe política
como um todo e vêm demonstrando cada vez menos interesse em se filiar a
partidos, a proporção entre o número de candidatos chegaria a surpreender, não
fosse o fato de a mamata ser pra lá de boa: além do salário de 15 mil reais,
cada vereador paulistano tem direito a mais 165 mil reais para bancar
funcionários e demais custos do gabinete, além de carro oficial com
motorista e combustível pago pelos contribuinte e outras mordomias.
Observação: Uma desconexão generalizada entre políticos
e cidadãos leva um número cada vez menor de pessoas a se filiar a partidos e a
votar sem qualquer entusiasmo ― se vão às urnas, é apenas porque no Brasil
ainda existe o anacronismo do voto obrigatório, do contrário, a maioria
nem se daria a esse trabalho.
O fato é que os
candidatos, salvo raríssimas exceções, estão mais focados na própria
independência financeira do que em resolver os problemas da cidade ― que são
muitos e de difícil solução. Para piorar, segundo matéria publicada na Vejinha
da semana passada, mais da metade dos candidatos não tem nível superior, e
entre os que têm, há apenas 7 economistas e 1 sociólogo. E para piorar
ainda mais, 42% não concluíram nem mesmo o ensino médio, e 24 declararam só
saber ler e escrever.
Ainda segundo o
levantamento feito pela reportagem, 3 dos 10 candidatos mais ricos
(segundo dados do TRE) são vereadores que disputam a reeleição. Na outra
ponta, 505 declararam não possuir bens ou revelaram quantias irrisórias,
como a “Bia Taxista”, que sustenta ter juntado apenas 1 centavo
em seus 31 anos de vida. Além dessas excrescências, há também a indefectível
“bancada dos famosos”, como o ex-goleiro da Seleção Waldir Peres, o
socialite Chiquinho Scarpa, o ex-craque Marcelinho Carioca, o
ex-cantor da Jovem Guarda Ed Carlos e o filho da contara Gretchen
(a rainha do bumbum) Thammy Miranda.
Na atual campanha,
da qual participam nada menos que 39 partidos, dos 55 vereadores
que atualmente compõem a Câmara, apenas 6 não tentam a reeleição (2
por disputar a prefeitura, 1 por ter optado pelo cargo de secretário
estadual do Turismo e 3 que simplesmente pularam fora, sem dar maiores
explicações). Os outros 49 estão novamente nas ruas distribuindo
santinhos e pedindo voto para emplacar mais quatro anos de mamata.
As funções de um
vereador consistem em criar, discutir e votar projetos de lei, fiscalizar o
executivo, acompanhar as atividades das secretarias, propor a convocação de
audiências públicas para discutir projetos de grande relevância e analisar as
contas do município para aprová-las (ou reprová-las), mas, entre 2013 e
2016, os edis paulistanos dedicaram seu valioso tempo (e desperdiçaram o ainda
mais valioso dinheiro público) em projetos prosaicos, como alterar o nome de
ruas e incluir no calendário datas como o “Dia do Farmacêutico”. Dos 10
821 projetos apresentados nos últimos 4 anos, 3 939 foram de votos
de júbilo, 513 de pesar, 255 de outorga de títulos a cidadãos, 243
de inclusão de datas no calendário oficial, 159 de alteração de nomes de
ruas, 115 de concessão de salva de prata e 105 de medalha Anchieta.
Enquanto isso, a cidade
definha em abandono, com ruas esburacadas e mal iluminadas, bandos de drogados,
sem-teto e outros indigentes acampados sob viadutos e achacando transeuntes,
carência de leitos e médicos nos postos de saúde e hospitais públicos e de
vagas em creches e escolas de primeiro grau (onde grassam professores mal
remunerados, desestimulados e indiferentes ao aproveitamento dos alunos). Vez
por outra, surge uma denúncia como a que envolve o vereador Marquito ―
aquele do programa do Ratinho ―, que é acusado de embolsar parte do
salário dos funcionários do seu gabinete. Ou um escândalo como o da compra
de 22 aparelhos de TV por R$50 mil, às vésperas da Copa de 2015, ou o da criação
de 660 novos cargos para os gabinetes oficiais. Isso sem mencionar
tumultos como o promovido pelo MTST durante a discussão do Plano Diretor
do município, ou o dos taxistas em protesto contra a concorrência do UBER.
Para encerrar, deixo
no ar uma pergunta que não quer calar: dá gosto sair de casa, enfrentar trânsito,
chafurdar em santinhos e ser obrigado a estacionar a quadras de distância do
local de votação para votar nesse tipo de gente? Tô fora!
Voltando rapidamente à disputa pela prefeitura de Sampa: no debate realizado nos estúdios da TV Globo na noite da última quinta-feira, Marta, de olho em uma vaga no segundo-turno, evitou bater de frente com Doria, líder em intenções de voto.
Segundo o IBOPE, o candidato tucano tem 28%; Russomanno aparece em segundo lugar, com 22%, e a ex-petista e ora peemedebista disputa com Haddad a terceira colocação (ela com 16% e ele com 13%, o que o instituto de pesquisa entende como empate técnico).
Por não ter estômago para suportar aquele deplorável folhetim que a Globo exibe depois do Jornal Nacional ― e que deve terminar hoje ―, eu mudei de canal para ver um filme, acabei cochilando e só acordei quando o troço já havia acabado. No entanto, a julgar pelas sinopses que vi na Web, acho que não perdi grande coisa. Só lamento que não existam perspectivas de tudo se resolver amanhã, o que nos obrigará a aturar mais uma dose de propaganda eleitoral na segunda quinzena do mês.
A propósito: nas simulações de segundo turno, Doria venceria Russomanno por 42% a 37%, e ganharia de Marta por 45% a 36%. A conferir.