quinta-feira, 3 de novembro de 2016

O NOVO JURUNA (Por Mario Sabino em O ANTAGONISTA)

Geddel Vieira Lima caiu porque pressionou Marcelo Calero, então ministro da Cultura, a derrubar o veto do Instituto do Patrimônio Histórico à construção de um prédio alto demais em Salvador, próximo a bens tombados. Geddel, que comprou um apartamento no tal prédio, colocou Michel Temer, Eliseu Padilha e Grace Mendonça para agir em seu benefício. Indignado com a pressão, Calero pediu demissão e saiu atirando. Deu entrevista, foi à PF e, sabe-se, gravou diálogos nos quais foi constrangido.

É um episódio de chanchada: o presidente da República, o ministro-chefe da Casa Civil e a advogada-geral da União preocupados em resolver, ao arrepio da lei e dos bons modos, uma questão imobiliária do, até horas atrás, secretário de Governo.

A chanchada ainda não teve fim. A ordem é tentar desmoralizar Marcelo Calero. “Não sei por que esse rapaz agiu dessa forma”, disse Michel Temer. “Isso é inaceitável, é inédito na história do Brasil”, afirmou Aécio Neves, sobre o fato de Calero ter gravado os diálogos indecorosos, em especial com o presidente da República. A esta altura, devem estar vasculhando a vida do moço, a fim de encontrar algo que possa ser vazado e, com isso, manchar a sua reputação.

Deixando de lado o direito que um cidadão tem de gravar conversas das quais ele participa, mesmo sem a anuência dos seus interlocutores, a atitude de Marcelo Calero só é inadmissível a quem parece achar um direito natural submeter a coisa pública a interesses privados.

Nos anos setenta, havia o cacique Juruna. Antes de se tornar o primeiro índio a eleger-se deputado federal no país, ele usava gravador na sua luta pela demarcação de terras das tribos. Registrava abertamente tudo o que as autoridades brancas lhe diziam. Agora podemos gravar tudo por meio de um smartphone no bolso. Marcelo Calero é o novo Juruna. Precisamos de mais índios nas nossas chanchadas.

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