domingo, 19 de março de 2017

O JEITO É AGUENTAR ― PUBLICADO POR J.R. GUZZO NA REVISTA EXAME

O Brasil vive no momento mais uma de suas fábulas fabulosas. Até o dia 31 de agosto de 2016, pela maior parte do que se pode ler, ver e ouvir hoje em dia, as coisas por aqui estavam uma maravilha. Tudo o que existia de melhor no mundo, dos hospitais públicos aos cursos de ensino técnico, do ritmo alucinante da distribuição de renda à iminente entrada do Brasil na Opep, estava aqui dentro ― e como consequência direta da espetacular qualidade dos governos do PT, sem paralelo no resto do planeta. Mas aí vieram o impeachment de Dilma, por falsificação das contas públicas, e sua consequente substituição pelo vice-presidente Michel Temer, em obediência escrita e inevitável ao que a Constituição manda fazer nesses casos. Pronto: nada mais deu certo neste país, e já nos primeiros minutos do novo governo ficou entendido, no universo dos formadores de opinião, que o Brasil passava a viver a pior crise de sua história ― essa mesma que está aí agora.

É verdade que no momento em que Dilma finalmente foi deposta do cargo havia entre 11 milhões e 12 milhões de desempregados no Brasil. Outra de suas realizações ― que não encontra comparação na nossa história econômica ― foi manter o país em recessão por três anos seguidos. Sob sua direção, a indústria brasileira voltou ao nível de 1940; ela, a padroeira do nacionalismo econômico e dos “campeões nacionais”, só conseguiu mesmo, na prática, construir uma montanha de sucata com as fábricas brasileiras e escolher Eike Batista, atualmente um presidiário à espera de julgamento, para ser nosso empresário-modelo. Suas obras ― e as obras do ex-presidente Lula ― são a Ferrovia Transnordestina, o desvio das águas do Rio São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco (talvez a obra mais roubada do sistema solar), recordes de congestionamento nos acessos aos portos, colapso nos transportes, em escolas e em hospitais, a ruína da maior estatal brasileira, a Petrobras, e a entrega da máquina pública do Brasil a uma estratégia de corrupção sem precedentes na experiência humana. Nem se fale, até por cansaço, do governo insano que a ex-presidente impôs ao país durante anos a fio ─ e de tantas outras calamidades. Mas hoje, seis meses depois, tudo isso praticamente sumiu. É como se nunca tivessem existido Dilma, Lula, o PT e os atos de cada um deles. O problema é Michel Temer.

O novo presidente, sem dúvida, construiu com as próprias mãos a desgraça que é seu ministério ― tão ruim que, em seis meses de governo, seis ministros tiveram de ir embora, um está de licença médica, outro luta para adquirir “foro privilegiado” e dois saíram por conta própria. Jamais lhe passou pela cabeça que toda essa gente era errada para aquele momento, quando uma presidente da República acabava de ser posta na rua por chefiar um governo de ladrões ― talvez fosse errada para qualquer momento. Temer, o rei dos políticos “realistas”, dos “profissionais”, dos “operadores” etc. etc., achou, ao substituir Dilma, que estava sendo Temer. Na verdade, estava apenas querendo fazer mágica. O resultado é o que está aí.

Nada disso, porém, muda o fato de que ele é o único presidente que o Brasil tem e pode ter no momento ― e qualquer invenção para fazer as coisas de outro jeito vai tornar a situação atual muito pior do que já está. Ou alguém acredita que tirar Temer e colocar no governo um presidente escolhido em eleição indireta por ESTE CONGRESSO ― sim, este mesmo, não dá para arrumar outro ― vai melhorar alguma coisa? O quê, por exemplo? Temer e seus ministros de curtíssima duração são herança direta de Lula e do PT ― além de tudo o mais, deixaram isso também. Quem escolheu Temer para vice de Dilma? Quem viveu durante mais de dez anos no mais perfeito amor com os Renans e os Jucás, com os Geddéis, Padilhas ou Moreiras, para não falar do ex-governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro?

Aguente-se, agora, até a próxima eleição.

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