Independentemente da discussão sobre o cabimento ou a
limitação do foro privilegiado, debatendo-se sua eliminação total ou restrição,
há de se ver, com absoluto pragmatismo, a existência de problema extremamente
grave para a Justiça brasileira: a tramitação, neste momento, de elevado número
de inquéritos policiais e de processos criminais no Supremo Tribunal Federal
tendo por investigados ou réus deputados e senadores.
Recentemente, na Ação Penal 937/ RJ, o ministro Luís Roberto Barroso, em despacho,
destacou: “As estatísticas evidenciam o volume espantoso de feitos e a
ineficiência do sistema. Tramita atualmente perante o Supremo Tribunal Federal
um número próximo a 500 processos contra parlamentares (357 inquéritos e 103
ações penais)”.
A demora na instauração da ação penal ou no arquivamento de
inquérito policial e, posteriormente, a longa tramitação do julgamento têm
conduzido a um descrédito da Justiça. O Supremo
em Números, da FGV Direito Rio, mostra que de janeiro de 2011 a março de
2016 apenas 5,8% das decisões em inquéritos no STF foram desfavoráveis aos
investigados ― com a abertura da ação penal. Ainda segundo a pesquisa, o índice
de condenação de réus na Corte é inferior a 1%.
Conforme indicam informações do próprio Supremo,
cerca de 30% dos processos contra parlamentares perduram dez anos sem
julgamento e outros 40% estão faz mais de seis anos à espera de ser apreciados.
Grande é o número de feitos que tem extinta a punibilidade pela prescrição. A
morosidade se dá não apenas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, mas na
atuação da Procuradoria-Geral da República e da própria Polícia Federal no
exame dos inquéritos policiais e no cumprimento de diligências requeridas. Tal
demora denota a ausência de maior entrosamento entre os partícipes da
persecução penal no âmbito da instância máxima.
O distanciamento entre o Judiciário, a Procuradoria e a
Polícia Federal pode explicar a falta de agilidade na complementação de
inquéritos policiais e na abertura de ações penais ou pedido de arquivamentos
em tempo razoável. Esse quadro conspira contra o Poder Judiciário, fazendo crer
na existência de vantagem dos poderosos perante a Justiça Criminal. A evidente
não alteração constitucional, em breve, do foro privilegiado exige, portanto, a
tomada urgente de medidas emergenciais.
Assim, é imprescindível um esforço conjunto de todos os
partícipes da Justiça Criminal da instância superior para enfrentar a avalanche
de inquéritos e processos já existentes e os que hão de surgir em vista das
delações homologadas e a serem homologadas envolvendo parlamentares e ministros
em práticas delituosas. Para tanto, como sugere em voto apresentado no
Instituto dos Advogados de São Paulo, sobre a matéria do foro privilegiado, o
conselheiro Luiz Antônio Sampaio Gouveia,
cabe o Supremo Tribunal valer-se do permitido pelo artigo 21A do Regimento
Interno, segundo o qual, “compete ao relator (no STF) convocar juízes ou
desembargadores para a realização do interrogatório e de outros atos da
instrução dos inquéritos criminais e ações penais originárias, na sede do
tribunal ou no local onde se deva produzir o ato, bem como definir os limites
de sua atuação”. O § 1.º diz que “caberá ao magistrado instrutor, convocado na
forma do caput: I – designar e realizar as audiências de interrogatório,
inquirição de testemunhas; II – requisitar testemunhas e determinar condução
coercitiva; III – expedir o cumprimento das cartas de ordem; IV – determinar
intimações; V – decidir questões incidentes; VI – requisitar documentos ou
informações existentes em bancos de dados; VII – prorrogar prazos para a
instrução; VIII – realizar inspeções judiciais; IX – requisitar, junto aos
órgãos locais do Poder Judiciário, o apoio de pessoal, equipamentos e
instalações; X – exercer outras funções delegadas pelo Relator”.
Cumpre, então, (e é o mais importante) serem constituídas
duas forças-tarefa. A primeira, no âmbito interno do próprio STF, para se
empreender esforço no sentido de acelerar a instrução dos feitos em que são
réus deputados e senadores. De outra parte, manter a competência do Supremo
caso os réus renunciem ou por outro motivo percam os cargos parlamentares. Essa
força-tarefa deve contar, nos termos do artigo 21A do Regimento Interno, com o
concurso de desembargadores para conduzirem os feitos, sempre sob o controle de
ministro do Supremo. Cabe programar a entrada em pauta de julgamento pelas
turmas de um processo por semana.
A segunda força-tarefa, formada pelos desembargadores
designados, há de ser constituída em conjunto com a Procuradoria da República e
a Polícia Federal, visando à efetivação imediata das investigações determinadas
em inquéritos sob a égide do Supremo Tribunal.
A Nação reclama uma resposta dos dirigentes da administração
da justiça à notícia de cometimento de crimes contra a administração por
agentes políticos, seja para iniciar, com dados concretos, os processos
criminais, ou, na ausência de elementos de prova, serem arquivadas as delações
infundadas.
Sugiro que órgãos como o Instituto dos Advogados de São
Paulo, onde esta análise já se iniciou, a OAB, o Movimento de Defesa da
Advocacia, a Associação dos Advogados de São Paulo, entidades da magistratura e
do Ministério Público, ao lado de movimentos como o Vem Pra Rua, venham, em
sintonia com a sociedade, se unir para levar esse pleito ao Supremo, à
Procuradoria e à Polícia Federal.
A omissão será cobrada pela população. É, portanto, a hora
de pôr mãos à obra e atuar em inquéritos e ações penais contra deputados e
senadores com os meios existentes para salvaguardar a credibilidade do próprio
Supremo.
*Miguel Reale Junior é
advogado, ex-ministro da Justiça, professor titular sênior da Faculdade de
Direito da USP e membro da Academia Paulista de Letras.
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