Nunca antes na história deste país um candidato a presidente
recebeu tantos votos no primeiro turno quanto Jair Messias Bolsonaro — foram mais de 49 milhões, superando os
recordes precedentes de Lula, em
2006, e de seu ignóbil poste, em 2010.
Pelo andar da carruagem, o mesmo deve ocorrer no próximo dia
28, não porque o deputado-capitão é o candidato ideal, mas por ser a única
alternativa à mescla de alter ego e mico amestrado do presidiário de Curitiba —
a menos que a eleição do último dia 7 seja anulada, como deseja o manequim de camisa-de-força que ficou em sexto
lugar.
Essa aberração — que, como Pelé, fala de si na terceira pessoa — afirma que “Deus assegurou ao Cabo Daciolo a vitória no
primeiro turno” e, portanto, quer que o TSE anule o pleito e convoque novas eleições. Não sei onde ele tem
seus momentos de epifania, mas imagino que a flora local seja bem sortida de...
enfim, o fato é que esse lunático ter sido mais votado que Henrique Meirelles, Marina Silva ou Álvaro Dias é no mínimo preocupante.
Na opinião de William
Waak, a “onda” do fim de semana passado sugere desdobramentos de alcance
maior do que a capacidade de se construir maiorias para votações no Legislativo
e desenha uma oportunidade que pode ser ampliada com o “capital político” —
como gostam de dizer os economistas — que Bolsonaro
está acumulando. Se isso é motivo de comemoração, só o tempo dirá.
O “fenômeno político Bolsonaro”
atraiu enorme atenção fora do Brasil — e dificuldades de interpretação idem. O
mínimo denominador comum encontrado entre publicações normalmente divergentes
entre si (como The Guardian ou The Economist)
foi o de ressaltar perigos severos à democracia. A palavra “fascista” aparece
em publicações como Der Spiegel, e mesmo o Financial Times,
que provavelmente tem a melhor cobertura do Brasil na grande imprensa
internacional, vê na figura do candidato o prenúncio de tempos duros — a
inversão de uma tendência, segundo o FT, que o Brasil também simbolizara ao
sair do regime militar há mais de 30 anos.
Para comediantes da telinha americana, a eleição brasileira
virou piada pronta, com a exibição das aberrações de propaganda eleitoral
produzida por candidatos a deputado, passando por Lula na cadeia (lá fora se acha mesmo piada que um presidiário
surgisse como favorito nas pesquisas eleitorais) e chegando até algumas das
frases mais contundentes do deputado-capitão. Tanto lá como cá, porém, suas
declarações polêmicas costumam ser criticadas fora do contexto. Além disso, Bolsonaro pode não ser exatamente um
bibliófilo, mas vale lembrar que um semianalfabeto — que se orgulhava de jamais
ter lido um livro na vida — comandou esta Nau dos Insensatos por mais de 13
anos, aí incluído o período em que seu “poste” exerceu o papel de gerentona de
araque.
Eu teria mais uma porção de considerações a respeito, mas tecê-las num
final de semana prolongado seria gastar boa vela com mau defunto — não só porque
os índices de audiência caem a patamares abissais, mas também porque boa parte
dos leitores já não suporta mais ouvir falar de política (como eu já não
aguento mais escrever sobre o tema). Portanto, reproduzo a seguir um texto
magistral do jornalista J.R. Guzzo,
que resume perfeitamente o que eu penso sobre o assunto:
Está finalmente explicado o motivo pelo qual o
deputado Jair Bolsonaro venceu o
primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Não é nada do que você
pensa. A população nativa, na sua ignorância de sempre, estava achando que Bolsonaro ganhou porque teve 18 milhões
de votos a mais que o segundo colocado. Imagine. Acreditar numa bobagem como
essa só acontece mesmo com brasileiro, esse infeliz que vive longe dos bons
centros do pensamento civilizado, progressista e moderno da humanidade, na
Europa e nos Estados Unidos. Obviamente, não temos o nível mental necessário
para entender o que entendem os jornalistas, cientistas políticos, sociólogos,
filósofos e outros cérebros que habitam o bioma superior de Nova York, ou
Paris, e dão a si próprios a incumbência de explicar o mundo às mentes menos
desenvolvidas. Tome-se, por exemplo, a televisão francesa. Ali eles sabem
exatamente o que aconteceu no dia 7 de outubro no Brasil: Bolsonaro ficou em primeiro lugar na eleição por causa do racismo
brasileiro.
Racismo? Como assim ─ que diabo uma coisa tem a ver
com a outra? Os peritos da TV francesa explicam. A esquerda e o PT, nos
governos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff, favoreceram a “inclusão
dos negros” no Brasil, e isso provocou a ascensão do ódio racial. Revoltados
contra os “progressos” que o PT deu para os negros, os racistas brasileiros
foram para o lado de Bolsonaro ─ e
com isso aumentaram tanto os seus votos que ele acabou ficando em primeiro.
Além disso, o “oficial do Exército” (coisa que o candidato deixou de ser há 30
anos) recebeu o apoio da elite rica. Aí fechou o esquema, resumem os
comunicadores franceses: somando brancos, racistas e milionários, Bolsonaro acabou com aquela votação
toda.
Nada disso faz o menor sentido, mas nenhum mesmo —
a começar pelo fato de que nem uma investigação do FBI seria capaz de descobrir
o que, na prática, Lula e Dilma teriam feito de bom, algum dia,
para algum negro de carne e osso. Como seria possível, num país onde apenas 40%
da população se declara branca, a matemática eleitoral favorecer quem não gosta
de preto? Seria a maioria de pardos e negros, então, que estaria promovendo a
ascensão do ódio racional contra si própria? Também é um mistério de onde
saíram 50 milhões de racistas para votar em Bolsonaro — ou porque o candidato Hélio Lopes, conhecido como “Hélio
Negão” e deputado federal mais votado do Rio de Janeiro com 350 mil votos,
foi um dos seus maiores aliados na campanha eleitoral. Para piorar, além de
negro retinto “Helio Negão” é subtenente
do Exército, pobre e da Baixada fluminense. Elite branca?
O Brasil seria um fenômeno mundial se houvesse por
aqui uma quantidade de ricos e milionários tão grande que conseguisse definir o
resultado de uma eleição presidencial. Não dá para entender, igualmente, porque
raios o candidato das elites faria a sua campanha de carro e a pé, enquanto o
candidato das massas populares, Fernando
Haddad, anda de cima para baixo num jatinho Citation Sovereign — um dos
mais luxuosos do mundo, pertencente ao dono bilionário das Casas Bahia através de sua empresa de táxi aéreo. (Se Haddad paga pelo aluguel já é ruim — de
onde está saindo a fortuna necessária para isso? Se não paga é pior ainda.)
Não dá para entender por que Bolsonaro não teve um tostão para a sua campanha e o “reformador
social” Haddad, homem dos pobres,
das massas miseráveis, dos sem-terra e sem-teto, das “comunidades” e das
minorias, da resistência ao capitalismo, passou a eleição inteira nadando em
dinheiro. Não dá para entender como seria possível existir no Brasil dezenas de
milhões de “fascistas”, e “nazistas”, e exploradores do “trabalho escravo”, sem
que ninguém tivesse conseguido perceber isso até hoje. Não, não dá para
entender nada. Mas não esquente sua cabeça; não é mesmo para você pensar em
coisa complicada. A imprensa internacional, que tudo vê e tudo sabe, está aí
justamente para explicar.
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