terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A NOVELA COAF/BOLSONARO — CONCLUSÃO




Pedágiorachid, mensalinho, tanto faz; a prática é a mesma e remonta às mais priscas eras da política tupiniquim. Em poucas palavras, os políticos engordam os próprios salários garfando parte da remuneração dos assessores parlamentares. E o número absurdo de vassalos que suas majestades podem contratar a expensas do Erário (nosso dinheiro) assanha seu apetite pantagruélico: na Câmara Federal, cada gabinete pode ter entre 5 e 25 servidores comissionados, com salários que variam de aproximadamente R$ 1 mil a R$ 15 mil; no Senado o número de funcionários dobra e a remuneração vai de R$ 4 mil a R$ 17 mil.

O fato de ser corriqueiro não torna o pedágio lícito. O problema é que as pessoas não veem nada de errado em devolver o dinheiro em troca do emprego, e consequências legais — como o enquadramento do denunciante em irregularidade, exoneração do cargo e devolução integral de todos os salários do período trabalhado — dificultam a denúncia. 

No caso envolvendo o clã dos Bolsonaro (detalhado na postagem anterior), há indícios clássicos dessa prática infame, notadamente devido à coincidência das datas dos depósitos com a do pagamento dos salários na ALERJ. Todavia, até que Fabrício conte sua versão dos fatos, continuarão sobrando perguntas e faltando respostas.  Segundo a revista digital Crusoé, ele deverá justificar a movimentação “atípica” em sua conta alegando pequenos negócios que realizava, como venda de eletrônicos importados. Mas a explicação terá de ser esmiuçada pelos promotores, e como o COAF não detalha as transações, uma quebra de sigilo bancário será determinante para a apuração dos fatos.

O mesmo relatório do COAF que colocou o Fabrício sob as luzes da ribalta lista “transações atípicas” de 75 assessores de 20 deputados de partidos como PTPSC e PSOL, que somam R$ 207 milhões. Aliás, o deputado Lúcio Vieira Lima, acusado juntamente com o irmão Geddel de ter mocozado R$ 51 milhões num bunker em Salvador, garfava 80% do salário de seus assessores. No PT, uma prática semelhante chegou a ser institucionalizada, com funcionários de gabinete sendo obrigados a destinar parte de seus salários ao caixa do partido. No Rio Grande do Sul, um deputado foi denunciado em 2015 por funcionários do próprio gabinete, num esquema estimado em R$ 800 mil por ano; em Goiás, o MP estadual denunciou 30 funcionários de um deputado e dois vereadores que devolviam até 90% do salário em troca de não precisarem trabalhar.

Reitero que quem foi eleito tendo o combate à corrupção como principal mote de campanha não pode agir como os corruptos que prometeu enquadrar. Mas não se pode perder de vista que não elegemos um santo para presidente, e sim um capitão reformado que ingressou na vida pública como vereador e foi deputado federal por 27 anos, durante os quais apresentou 172 projetos, relatou 73 deles, conseguiu aprovar apenas dois e respondeu a 7 processos por quebra do decoro parlamentar — as ações por injúria, apologia ao estupro e racismo repercutem até hoje. Tudo isso era público e notório, ou seja, nada veio à luz depois do segundo turno das eleições.

Todos temos uma boa ideia de como as coisas funcionam no Congresso e sabemos que política e honestidade são mutuamente excludentes. Como bem salientou Joesley Batista — duble de moedor de carne bilionário e delator, que conseguiu a proeza de delatar a si mesmo e perder os benefícios do acordo de colaboração —, “em Brasília, quem não está na Papuda está no Planalto”

Não dá para voltar no tempo e mudar o que se fez no passado, mas é possível não cometer os mesmos erros no futuro. Jair Bolsonaro chegou ao poder com a promessa de acabar com as velhas práticas na política. Os bolsomínions votaram nele porque aprovam suas propostas e admiram sua postura combativa, beligerante. Mas milhões de eleitores o fizeram para impedir a volta do PT ao poder, depois que ficou definido, no primeiro turno, que o embate final seria travado entre os dois extremos do espectro político.   

Por enquanto, o pedágio é uma suspeita a ser esclarecida. Mas é preocupante, sobretudo pela influência de Fabrício junto ao clã Bolsonaro: além do cargo que ocupou nos últimos dez anos, o assessor-motorista emplacou as duas filhas e a mulher em cargos comissionados, com salários entre R$ 9,8 mil e R$ 12 mil. Uma das filhas conciliava a profissão de personal trainer com as atividades de gabinete, que preveem jornada semanal de 40 horas. Isso leva a crer que o pedágio envolveria salários de funcionários fantasmas, que sequer apareciam para trabalhar, mas cujos salários engordavam o caixa administrado por Fabrício Queiroz.

Na visão do General Mourão, seria “burrice ao cubo” um assessor fazer caixinha de gabinete usando transferências bancárias. Eduardo Bolsonaro diz que não é “a pessoa errada” para responder perguntas sobre o episódio. Deltan Dallagnol, procurador da Lava-Jato e alvo de elogios públicos de Jair Bolsonaro, cobra agilidade nas investigações, e Flávio, que até então se colocava como a voz do novo governo no Senado, quase que sumiu de cena. Nas redes sociais, ele postou que “não fez nada de errado e que é o maior interessado em que tudo se esclareça”. 

Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, disse que o COAF deveria ter agido 13 anos atrás, no mensalão — o que faz sentido, mas não anula o imbróglio envolvendo o clã Bolsonaro. O próprio presidente eleito se antecipou ao risco que o episódio ainda pode representar à sua imagem; numa live no Facebook, ele declarou: “Se algo estiver errado, que seja comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos aí a conta deste erro, porque nós não podemos comungar com erro de ninguém”.

O PT, matreiro como o Tinhoso, decidiu não fustigar Bolsonaro em razão das movimentações suspeitas do ex-motorista, preferindo esperar o caso crescer para tentar acertar, mais do que o presidente eleio, seu ministro da Justiça, Sergio Moro. Ainda assim, o partido entrou com três representações na PGR contra o clã, duas pedindo que se investigue Flávio, o ex-motorista, e a futura primeira-dama, e uma para apurar se houve o vazamento da operação Furna da Onça — origem do levantamento do COAF que resultou nesse rebosteio. Foi mais um gesto político do que uma ação visando a resultados práticos e imediatos. No Congresso, metade dos atuais deputados não foi reeleita, de modo que um pedido de abertura de uma CPI, a esta altura do campeonato, seria perda de tempo. Em janeiro, porém, a história muda. Resta saber o que mais vai surgir até lá.

Ainda há muito a dizer, mas este texto já está bem mais extenso do que eu gostaria, e a paciência do leitor (como também a minha) tem limites. Volto ao assunto numa próxima oportunidade, quando novos fatos vierem a lume.