terça-feira, 7 de maio de 2019

A PÁTRIA AMADA E O DIABO ATRÁS DA IGREJA




O Brasil é dirigido por um bando de maluco” (sic), afirmou Lula em recente entrevista a dois veículos de comunicação “cumpanhêros”. “Pelo menos não é um bando de cachaceiros, né?”, replicou Bolsonaro, que em seguida emendou: “Olha eu acho que o Lula, primeiro, não deveria falar. Falou besteira. Maluco? Quem era o time dele? Grande parte está preso ou está sendo processado. Tinha um plano de poder onde, nos finalmentes, nos roubaria a nossa liberdade, ok? Eu acho um equívoco, um erro da Justiça ter dado direito a dar uma entrevista. Presidiário tem que cumprir sua pena”. O capitão já disse muita bobagem nestes cento e poucos dias de governo, mas esse comentário o redimiu, como esclarecer uma plateia eivada de esquerdopatas que “Lula está preso, babacas!” fez subir no meu conceito o político sobralense Cid Gomes, irmão candidato derrotado Ciro Gomes, que é “cearense” de Pindamonhangaba (para quem não percebeu minha ironia, Pindamonhangaba é um munício paulista).

Já que o nome do criminoso mais emblemático desta banânia veio à baila, o togado supremo Ricardo Lewandowski, sempre disposto a prestar vassalagem àquele que o nomeou para o ápice da carreira, foi quem autorizou o petralha a dar entrevista aos jornais FOLHA DE S.PAULO e EL PAÍS. Também foi ele, segundo José Nêumanne,  que tornou presencial o julgamento de um habeas corpus impetrado em favor de seu ex-patrão, depois que a 5ª Turma do STJ reduziu sua pena de 12 anos e 1 mês para 8 anos, 10 meses e 20 dias. Outras fontes apontam Gilmar Mendes como mentor intelectual de mais essa maracutaia perversa, mas isso é de somenos: o que importa mesmo é o objetivo, qual seja aumentar as chances de o recurso de Lula ser acolhido, já que no plenário virtual a rejeição era quase certa. Aliás, outro pedido similar, protocolado por 29 advogados piauienses sem qualquer relação com a defesa de Lula, foi negado na última sexta-feira pelo ministro Edson Fachin. Não custa lembrar que o nordeste é tradicionalmente pró-Lula e que o Piauí ocupa o terceiro lugar no ranking dos estados mais miseráveis deste país, atrás somente do Maranhão (feudo do clã Sarney) e de Alagoas (feudo dos Collor de Mello e dos Calheiros). 

Falando nas peculiaridades do cenário político tupiniquim, VEJA desta semana dá conta de que toda quarta-feira às 8 horas o plenário da Câmara dos Deputados se converte em igreja. O culto de 27 de março, por exemplo, começou com aleluias e glórias ao senhor, enquanto a deputada e cantora gospel capixaba Lauriete Rodrigues, ex-mulher do ex-senador Magno Malta, puxava o louvor com seu violão. Na sequência, o deputado e pastor pernambucano Francisco Eurico da Silva, capelão da bancada evangélica, fez a pregação do dia, antes de ter início a votação para a escolha do novo líder da Frente Parlamentar Evangélica, composta hoje de 120 deputados ativos — um recorde desde a sua fundação, em 2002, e maior, muito maior, do que qualquer partido político no Congresso Nacional. Ainda segundo a reportagem, não há nem nunca houve votação para o posto de líder da frente religiosa: após discussões por vezes ásperas, o deputado amazonense Silas Câmara foi sagrado por aclamação. A despeito de diferenças e divisões na frente, a unidade de ação da bancada, nesta legislatura, vem amparada por uma convicção renovada na força política que o eleitorado evangélico demonstrou ao sustentar a eleição de Jair Bolsonaro — que vem dando repetidas mostras de alinhamento com o setor — dias atrás, ele matou no nascedouro a ideia de um novo imposto que incidiria também sobre as igrejas.

Cortejados pelos mais diversos partidos, os evangélicos têm ambições que não raro transcendem as vantagens tributárias, alvarás de templos e concessões de rádio. Silas Câmara surgiu como um nome de compromisso entre candidatos de ramos rivais da Assembleia de Deus, e foi por isso que ganhou, deixando claro que a lealdade desses deputados não está com caciques políticos, mas com pastores e bispos. Não é de hoje que se nota o interesse desses religiosos pela política partidária. Em meados da década de 1980, ávidos por recursos públicos, barganhas e alianças com candidatos e partidos e governantes, eles participaram dos debates da Assembleia Nacional Constituinte e ajudaram Sarney a ampliar o mandato de quatro para cinco anos em troca de concessões de emissoras e rádio e verbas públicas; no segundo turno das eleições de 1989, apoiaram Collor, e de lá para cá a instrumentalização recíproca entre esses grupos tem se intensificado, como compravam a transformação de templos em comitês eleitorais e a fundação de partidos por igrejas. 

Para quem faltou às aulas de história, vale lembrar que a Igreja foi a instituição mais poderosa da idade Média — quando a riqueza era medida pela quantidade de terras, o Papa e o cardinalato controlavam quase dois terços das terras da Europa ocidental. Seu poder da no mundo medieval é exaltado pelas grandes catedrais construídas nos séculos XII e XIII em várias regiões da Europa, todas ricamente decoradas com ouro maciço e pedras preciosas em profusão. Ainda assim, os batinas falam em caridade e em voto de pobreza, como que escarnecendo dos fiéis, que contribuem para multiplicar a riqueza da organização com o pagamento do dízimo e outros óbolos compulsórios, enquanto quase metade da população mundial vive abaixo da linha de pobreza.

Fechando o foco para nossa republiqueta de bananas, até o fim do Império o catolicismo era a religião oficial do Estado e tutelada por ele, o que limitava sua liberdade de ação. Com a constituição republicana, ela passou a ter um poder imenso. Para a Constituinte de 1934, foi criada a Liga Eleitoral Católica, que elegeu diversos representantes da própria igreja — que, por seu turno, legislaram em causa própria para conseguir uma série de privilégios. Em essência, esse descalabro foi preservado pela malfadada Constituição Cidadã, ainda que com outra formulação. Nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 1980, o pluralismo religioso passou a vigorar de fato no Brasil, e a Igreja Católica se viu obrigada a competir no mercado religioso. Mas isso é outra conversa.

A lei proíbe as igrejas de dar apoio eleitoral, mas a Universal apoiou Collor para presidente em 1989, Marcelo Crivella e Celso Russomano nas eleições para prefeito do Rio e de Sampa, respectivamente, em 2016, sem falar em um sem-número de candidatos a cargos legislativos. Não é de hoje que ela funciona como comitê, conforme ficou claro nas últimas eleições presidenciais
Pode-se mesmo afirmar que Bolsonaro deve sua vitória mais ao apoio dos evangélicos do que a sua postura antipetista. Declaradamente católico, o capitão é o primeiro presidente eleito com a retórica evangélica pentecostal. Antes dele, houve dois presidentes protestantes — Café Filho (presbiteriano) e Ernesto Geisel (luterano), mas nenhum deles chegou ao poder pelo voto direto e tampouco falava de religião. Bolsonaro há tempos cortejava os evangélicos com gestos de forte simbolismo; em 2016, por exemplo, foi batizado nas águas do Rio Jordão pelo pastor (e presidente nacional do PSC) Everaldo, da Assembleia de Deus. Sendo católico e muito identificado com os evangélicos, o presidente conseguiu unir os dois polos; se fosse só evangélico, talvez não tivesse conseguido tantos votos dos católicos, e vice-versa.

Os evangélicos frequentam mais seus templos do que os fiéis de outras religiões, chegam a doar seis vezes mais do que os católicos em dízimo e costumam buscar orientação de seus líderes para temas cotidianos, aí incluída a política. Esse manancial não passou despercebido pela oposição, mas o o fato é que a esquerda não soube explorá-lo. Gleisi “Crazy” Hoffmann, presidente nacional do PT, no mês passado usou uma linguagem marcadamente religiosa para criticar as propostas de Paulo Guedes ao dizer que a reforma previdenciária era um “pecado” e que Jesus foi crucificado porque “confrontou o templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres”, mas suas declarações repercutiram mal entre pentecostais e neopentecostais.

Diz-se que Deus, em sua infinita sabedoria, criou o amor e a fé, e o diabo, invejoso, o casamento e as religiões. Há muito que a exploração da fé se tornou um negócio como outro qualquer. Balzac dizia que “por trás de toda grande fortuna há sempre um crime”, e no Vaticano a coisa parece não ser muito diferente. Basta relembrar a morte súbita de João Paulo I em 1978, 33 dias após ter sido escolhido para ocupar o Trono de Pedro, que vagou com a morte de Paulo VI. Esse episódio foi retratado na parte final da trilogia de “O Poderoso Chefão”, na qual Francis Ford Coppola capturou magistralmente a essência da Máfia Siciliana descrita no imperdível best seller do escritor ítalo americano Mario Gianluigi Puzo

Em tempo: Se você acha que a história do chazinho envenenado não passa de teoria da conspiração, lembre-se: A VERDADE NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA O QUE VOCÊ ACREDITA.