sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A LAVA-JATO TORPEDEADA E A DISPUTA PELO COMANDO DA PGR


Só mesmo numa republiqueta de bananas que um expoente do que há de pior na política, réu em uma dezena de ações criminais e que continua solto porque a atual composição do STF é a mais medíocre de toda a história da Corte, ousa pedir a cabeça do coordenador da maior operação anticrime e anticorrupção da história e, o que é pior, tem chances reais de ser atendido.

Falo de Renan Calheiros, o cangaceiro das Alagoas, autor do projeto de medidas contra o abuso de autoridade, aprovado da última quarta-feira pela Câmara e, como já fora aprovado no Senado, segue agora para sanção presidencial. Trata-se de uma proposta oportunista, requentada a partir de um projeto apresentado em 2009 pelo então deputado Raul Jungmann, que nada tinha a ver com a Lava-Jato — que, à época, sequer existia. 

A ideia, então, era atualizar a legislação para conter os abusos de qualquer autoridade pública, mas o que levou essa proposta a ser desengavetada dez anos — e ser aprovada a toque de caixa, em votação secreta — é a motivação que importa nos dias de hoje: controlar a Lava-Jato, defender os congressistas de maneira geral e Renan, em particular. Da forma como foi aprovado, o texto retira da legislação seu caráter de proteção geral dos cidadãos e transforma o projeto em mero instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação, como o Ministério Público e a Receita Federal, além de constranger juízes.

Em cinco anos de existência, a Lava-Jato contabilizou 2.252 anos, 4 meses e 25 dias de condenações para 159 réus (veja mais números na figura ao lado). Mas nem tudo são flores nesse jardim. No entanto, desde que foi deflagrada, em 17 de março de 2014, ela vem sendo bombardeada por todos os lados. De alguns meses a esta parte, vazamentos espúrios de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, e deste com outros procuradores, vêm fornecendo farta munição para a banda podre do Congresso e do Judiciário. 

Diante de reportagens segundo as quais ministros do STF estariam pressionando Raquel Dodge para afastar Dallagnol, a PGR, em nota, disse que o procurador tem garantia constitucional de não ser afastado dos processos da Lava-Jato, dos quais é o promotor natural, atuando em conjunto com os demais membros da força-tarefa designados pela procuradoria-geral. No último dia 12, Dodge prorrogou por mais um ano o "prazo de validade" da operação — que acabaria no mês que vem, quando se encerra também o mandato de Dodge, caso o presidente não a reconduza ao cargo.

A cada dois anos, a Associação Nacional de Procuradores da República faz uma eleição em que cerca de 1.300 procuradores votam naqueles que mais gostariam que comandasse a PGR. Os três nomes mais votados são submetidos ao presidente da República, que geralmente escolhe o primeiro da lista, embora não seja obrigado a tal (ao indicar Raquel Dodge, o ex-presidente Temer optou pelo segundo nome, mas isso agora não vem ao caso), podendo até mesmo indicar um procurador que não esteja incluído nessa lista tríplice. Bolsonaro está indeciso, tendo mesmo afirmado que o cargo do chefe do MPF é mais importante que o seu próprio, e que é preciso escolher o candidato cujo perfil atenda várias exigências — e que não seja barrado, depois, pelo Senado, a quem compete chancelar a indicação presidencial. 

Observação: Na lista deste ano, os três procuradores mais votados são Mário Bonsaglia, Luíza Frischeisen e Blal Dalloul. Dodge preferiu não disputar a eleição e tentou se cacifar junto ao governo, mas especula-se que Bolsonaro descartou reconduzi-la ao cargo para um segundo mandato depois que ela pediu providências em relação a zero três, que o papai presidente quer porque quer nomear para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.

Voltando à Lava-Jato, o próximo dia 27 pode ser decisivo para a sobrevivência da operação. Nesse dia, a 2ª Turma do STF vai retomar o julgamento do habeas-corpus do presidiário de Curitiba. Como a ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator, Edson Fachin, contrário ao pedido da defesa do ex-presidente ladrão, e considerando como deverão votar Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, o decano Celso de Melo deverá ser o fiel da balança. Façam suas apostas (e suas orações). Paralelamente, o CNMP deverá julgar a tentativa de reabrir um processo disciplinar contra Deltan Dallagnol, e a coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de frear a força-tarefa.

No julgamento do HC de Lula, a alegação da defesa é a suposta parcialidade do então juiz Sérgio Moro, mas o recurso foi apresentado antes de Verdevaldo das Couves e seu Interpret entrarem em ação. A defesa do petralha apensou o material espúrio aos autos do processo, como a lembrar os ministros de sua existência — como os arquivos digitais foram obtidos de maneira ilegal e não foram periciados, eles "não estão nos autos e, portanto, não estão no mundo", como se costuma dizer nos meios jurídicos. Isso significa que não possível usar essa suposta "troca de mensagens tóxicas" para embasar um pedido de anulação do julgamento que condenou o molusco repulsivo. Mesmo assim, diz Merval Pereira, "eles pairam sobre as cabeças dos ministros como almas do outro mundo, que não existem, mas assustam", e, portanto, podendo ou não ser usados no julgamento, eles têm potencial para contaminar a decisão dos magistrados.

O caso envolvendo Dallagnol é igualmente preocupante. A representação formulada pelos conselheiro Leonardo Accioly, Eric Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel pelo fato de serem imprestáveis como prova. Acontece que Accioly e Venâncio pediram a reabertura do caso, para que o plenário decida. O parecer do relator será apresentado no dia 27, quando também será votado pelo Conselho de 12 membros, 6 dos quais são do Ministério Público.

Ainda segundo Merval, tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol, mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que o Congresso, a OAB, e o STF estão mancomunados para frear a Lava-Jato, e todos eles têm representantes no Conselho. Os próprios membros do Ministério Público decidirão sob forte estresse. Processos disciplinares podem resultar em punições que vão de advertência a expulsão do Ministério Público, mas é possível que, no caso de Dallagnol, a coisa não vá além de uma simples advertência. A questão que possível não quer dizer provável.   

Dallagnol e seus companheiros de Curitiba vêm ressaltando a importância da opinião pública à Lava-Jato para frear a ação da banda podre do Congresso e do Judiciário. Está sendo convocada para o próximo dia 25 uma manifestação nacional de apoio a Sérgio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI já apelidada de Lava-Toga. Como a atribuição de processar togados supremos é dos senadores, essa é uma reação política que visa contrabalançar a pressão contra Moro e os procuradores de Curitiba.

O ex-juiz da Lava-Jato continua sendo o ministro mais popular do atual governo, e o coordenador da força-tarefa em Curitiba, embora considerado pelo presidente “um esquerdista tipo PSOL”, tem apoio até de seus seguidores para ser indicado ao cargo de procurador-geral da República. Todavia, segundo os palpiteiros de plantão, Moro pediu a Bolsonaro que indicasse Dallagnol, mas o capitão teria se recusado. Em uma das mensagens divulgadas pelo Interpret e seus satélites, Dallagnol e os demais procuradores de Curitiba teria demonstrado falta de respeito pela autoridade de Raquel Dodge, que é próxima de Gilmar Mendes e desagrada os procuradores por não dar encaminhamento célere às delações premiadas, como fazia Rodrigo Janot. A delação de Leo Pinheiro, por exemplo, até hoje não foi encaminhada para o STF para homologação.