Só mesmo numa republiqueta de bananas que um expoente do que há de pior na política, réu em uma dezena de
ações criminais e que continua solto porque a atual composição do STF é a mais
medíocre de toda a história da Corte, ousa pedir a cabeça do coordenador da
maior operação anticrime e anticorrupção da história e, o que é pior, tem
chances reais de ser atendido.
Falo de Renan Calheiros,
o cangaceiro das Alagoas, autor do projeto de medidas contra o abuso de
autoridade, aprovado da última quarta-feira pela Câmara e, como já fora
aprovado no Senado, segue agora para sanção presidencial. Trata-se de uma
proposta oportunista, requentada a partir de um projeto apresentado em 2009
pelo então deputado Raul Jungmann,
que nada tinha a ver com a Lava-Jato — que, à época, sequer existia.
A ideia,
então, era atualizar a legislação para conter os abusos de qualquer autoridade
pública, mas o que levou essa proposta a ser desengavetada dez anos — e ser
aprovada a toque de caixa, em votação secreta — é a motivação que importa nos
dias de hoje: controlar a Lava-Jato,
defender os congressistas de maneira geral e Renan, em particular. Da forma como foi aprovado, o texto retira da
legislação seu caráter de proteção geral dos cidadãos e transforma o projeto em
mero instrumento de bloqueio da ação dos órgãos de investigação e acusação,
como o Ministério Público e a Receita Federal, além de constranger juízes.
Em cinco anos de existência, a Lava-Jato contabilizou 2.252 anos, 4 meses e 25 dias de condenações
para 159 réus (veja mais números na figura ao lado). Mas nem tudo são flores
nesse jardim. No entanto, desde que foi deflagrada, em 17 de março de 2014, ela vem sendo bombardeada por todos os lados. De alguns meses a esta parte, vazamentos
espúrios de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o coordenador da força-tarefa
em Curitiba, Deltan Dallagnol, e deste
com outros procuradores, vêm fornecendo farta munição para a banda podre do
Congresso e do Judiciário.
Diante de reportagens segundo as quais ministros do STF estariam pressionando Raquel Dodge para afastar Dallagnol, a PGR, em nota, disse que o procurador tem garantia constitucional de
não ser afastado dos processos da Lava-Jato,
dos quais é o promotor natural, atuando em conjunto com os demais membros da
força-tarefa designados pela procuradoria-geral. No último dia 12, Dodge prorrogou por mais um ano o
"prazo de validade" da operação — que acabaria no mês que vem, quando
se encerra também o mandato de Dodge,
caso o presidente não a reconduza ao cargo.
A cada dois anos, a Associação Nacional de Procuradores da
República faz uma eleição em que cerca de 1.300 procuradores votam naqueles que
mais gostariam que comandasse a PGR. Os três nomes mais votados são submetidos
ao presidente da República, que geralmente escolhe o primeiro da lista, embora
não seja obrigado a tal (ao indicar Raquel
Dodge, o ex-presidente Temer optou
pelo segundo nome, mas isso agora não vem ao caso), podendo até mesmo indicar
um procurador que não esteja incluído nessa lista tríplice. Bolsonaro está indeciso, tendo mesmo
afirmado que o cargo do chefe do MPF
é mais importante que o seu próprio, e que é preciso escolher o candidato cujo
perfil atenda várias exigências — e que não seja barrado, depois, pelo Senado,
a quem compete chancelar a indicação presidencial.
Observação: Na lista deste ano, os três procuradores mais votados são Mário Bonsaglia, Luíza Frischeisen e Blal Dalloul. Dodge preferiu não disputar a
eleição e tentou se cacifar junto ao governo, mas especula-se que Bolsonaro descartou reconduzi-la ao cargo para um segundo mandato depois que ela pediu providências em relação a zero três, que o papai presidente quer
porque quer nomear para a embaixada do Brasil nos Estados Unidos.
Voltando à Lava-Jato,
o próximo dia 27 pode ser decisivo para a sobrevivência da operação. Nesse dia,
a 2ª Turma do STF vai retomar o
julgamento do habeas-corpus do presidiário de Curitiba. Como a ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do
relator, Edson Fachin, contrário ao pedido da defesa do ex-presidente ladrão, e
considerando como deverão votar Gilmar
Mendes e Ricardo Lewandowski, o
decano Celso de Melo deverá ser o
fiel da balança. Façam suas apostas (e suas orações). Paralelamente, o CNMP deverá julgar a tentativa de
reabrir um processo disciplinar contra Deltan
Dallagnol, e a coincidência dos dois julgamentos pode ser explosiva, caso
os resultados sejam percebidos pela opinião pública como uma tentativa de frear
a força-tarefa.
No julgamento do HC
de Lula, a alegação da defesa é a
suposta parcialidade do então juiz Sérgio
Moro, mas o recurso foi apresentado antes de Verdevaldo das Couves e seu Interpret entrarem em ação. A defesa do
petralha apensou o material espúrio aos autos do processo, como a lembrar os ministros
de sua existência — como os arquivos digitais foram obtidos de maneira ilegal e
não foram periciados, eles "não estão nos autos e, portanto, não estão no
mundo", como se costuma dizer nos meios jurídicos. Isso significa que não
possível usar essa suposta "troca de mensagens tóxicas" para embasar
um pedido de anulação do julgamento que condenou o molusco repulsivo. Mesmo
assim, diz Merval Pereira, "eles
pairam sobre as cabeças dos ministros como almas do outro mundo, que não
existem, mas assustam", e, portanto, podendo ou não ser usados no julgamento,
eles têm potencial para contaminar a decisão dos magistrados.
O caso envolvendo Dallagnol é igualmente preocupante. A
representação formulada pelos conselheiro Leonardo
Accioly, Eric Venâncio, Luiz Fernando Bandeira de Mello e Gustavo Rocha se baseia nos diálogos
publicados, e foi arquivada monocraticamente pelo corregedor Rochadel pelo fato de serem
imprestáveis como prova. Acontece que Accioly
e Venâncio pediram a reabertura do
caso, para que o plenário decida. O parecer do relator será apresentado no dia
27, quando também será votado pelo Conselho de 12 membros, 6 dos quais são do Ministério Público.
Ainda segundo Merval,
tudo indica que não há maioria para punir Dallagnol,
mas alguns membros do Conselho terão que se submeter ao Senado para renovação
dos mandatos, e esse pode ser um fator de pressão ponderável, já que o Congresso, a OAB, e o STF estão
mancomunados para frear a Lava-Jato, e todos eles têm representantes no
Conselho. Os próprios membros do Ministério Público decidirão sob forte
estresse. Processos disciplinares podem resultar em punições que vão de
advertência a expulsão do Ministério
Público, mas é possível que, no caso de Dallagnol, a coisa não vá além de uma simples advertência. A
questão que possível não quer dizer provável.
Dallagnol e seus
companheiros de Curitiba vêm ressaltando a importância da opinião pública à
Lava-Jato para frear a ação da banda podre do Congresso e do Judiciário. Está
sendo convocada para o próximo dia 25 uma manifestação nacional de apoio a Sérgio Moro e a Dallagnol, e contra a libertação de Lula. Ao mesmo tempo, há um movimento no Senado para abrir uma CPI
já apelidada de Lava-Toga. Como a atribuição de processar togados supremos é
dos senadores, essa é uma reação política que visa contrabalançar a pressão
contra Moro e os procuradores de Curitiba.
O ex-juiz da Lava-Jato
continua sendo o ministro mais popular do atual governo, e o coordenador da
força-tarefa em Curitiba, embora considerado pelo presidente “um esquerdista tipo PSOL”, tem apoio
até de seus seguidores para ser indicado ao cargo de procurador-geral da
República. Todavia, segundo os palpiteiros de plantão, Moro pediu a Bolsonaro que indicasse Dallagnol, mas o capitão teria se recusado. Em uma das mensagens divulgadas
pelo Interpret e seus satélites, Dallagnol e os demais procuradores de
Curitiba teria demonstrado falta de respeito pela autoridade de Raquel Dodge, que é próxima de Gilmar Mendes e desagrada os
procuradores por não dar encaminhamento célere às delações premiadas, como
fazia Rodrigo Janot. A delação de Leo Pinheiro, por exemplo, até hoje não
foi encaminhada para o STF para
homologação.