quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

SOBRE O NOIVADO DE REGINA DUARTE COM O GOVERNO BOLSONARO E O DESMEMBRAMENTO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA


 
A revista VEJA desta semana antecipa os próximos capítulos da novela envolvendo o “noivado” de Regina Duarte com o governo Bolsonaro. Para Dora Kramer, o capitão foi esperto ao convidar a atriz para assumir a Secretaria da Cultura, já que, no mínimo, isso deve apaziguar os ânimos no setor. A questão é que não há como Regina ter garantias de que poderá exercer um bom trabalho, pois só Deus sabe como o capitão reagirá diante da primeira contrariedade que ela venha a protagonizar.

Augusto Nunes avalia que o “noivado” serve para a artista “sentir a temperatura da água”, e deixa claro que ela quer um canal direto com o presidente, pois irá comandar uma secretaria subordinada ao ministério do Turismo e precisa ter a certeza de que não lhe será criado nenhum obstáculo.

 J.R. Guzzo, em sua coluna na Gazeta do Povo, escreveu que noivados que duram muito — ou pelo menos aqueles do tipo antigo, que passavam anos a fio sem maiores inconvenientes para as duas partes — costumam ser uma mão na roda para os noivos, pois evitam que as pessoas se casem, economizando um caminhão de problemas. O de Bolsonaro com Regina é uma chance única para eles não se casarem e continuarem bons amigos. Se continuem “noivando” para sempre, a Secretaria da Cultura ficará sem dono e, com alguma sorte, acabará morrendo de morte morrida.

O Brasil não precisa de um Ministério ou Secretaria da Cultura, mas, sim, salvar seu belo patrimônio histórico e cultural de goteiras, incêndios, desabamentos, furtos e de todo tipo de ruína — e isso é garantido que o ministério ou a secretaria não fazem e jamais vão fazer. A presença do Estado, principalmente quando envolve um negócio chamado “verba”, não é apenas inútil para a cultura — é um perigo. Deixem que o público responda, com o seu apoio voluntário, pelo sucesso cultural brasileiro. Talento não precisa de culturocratas para nascer, crescer e vencer.

Outro assunto que vem dando o que falar é o fatiamento do ministério da Justiça. Depois de muitas idas e vindas, o capitão-decepção afirmou que a separação tem chance zero de acontecer, mas suas promessas são tão confiáveis quanto as previsões de horoscopistas, cartomantes e assemelhados. Num de seus pronunciamentos, Bolsonaro afirmou candidamente que ofereceu ao ex-juiz Sérgio Moro o ministério da Justiça, mas postagens antigas que ambos publicaram nas redes sociais falam claramente em ministério da Justiça e Segurança Pública.

Na avaliação de Dora Kramer, o presidente, enciumado do bom desempenho de Moro no programa Roda Viva, quis dar uma “alfinetada” no auxiliar — uma ideia que Augusto Nunes classifica como um tiro no pé. O dito ficou pelo não dito, mas sua excelência poderia ter negado dado o assunto por encerrado dois dias antes, quando recebeu secretários estaduais de Segurança Pública. Em vez disso, ele alimentou o debate falando que a proposta estava em “estudo”.

Em off, o capitão fala em promover ajustes no ministério desde o final do ano passado. Quando o tema chegou ao noticiário, declarou: "É fake news, tá ok?" Mas fake não era a notícia, e sim Bolsonaro, que diz uma coisa e faz exatamente o contrário. Moro acreditou quando ele desmentiu o plano de desmembrar a pasta e dar o comando da Segurança Pública para Alberto Fraga, mas voltou à frigideira na semana passada, dias depois de afirmar que o relacionamento de ambos era excelente, quando seu chefe admitiu em público o que apenas sussurrava à sombra.

Bolsonaro e Moro parecem ter feito apostas erradas quando um acabara de ser eleito e outro ainda era o juiz da Lava-Jato. O presidente ainda não empossado imaginou que usufruiria da popularidade do magistrado sem pagar qualquer preço, e Moro, que teria no capitão um apoio firme no enfrentamento da corrupção, numa sequência animadora do seu trabalho como juiz na maior operação anticorrupção da história desta Banânia. O imbróglio envolvendo Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro na administração de uma banca de “rachadinha” no gabinete do então deputado na Alerj, mostrou que a bandeira anticorrupção do presidente era apenas um gesto eleitoreiro, pois, uma vez empossado, moveu mundos e fundos para blindar o primogênito das investigações. Tudo somado e subtraído, resta ao ministro uma incerta indicação ao Supremo ou uma (cada vez mais provável) candidatura a presidente em 2022.

Bolsonaro incutiu em Moro a crença de que o tornaria um superministro, e agora o submete a sucessivas humilhações públicas. Embora tenha descartado (durante sua viagem à Índia) o desmembramento comandada pelo ex-juiz, sua excelência teve o cuidado de acrescentar: "Não sei o amanhã, porque na política tudo muda." Ou seja, o fogo continua aceso...  Mas não será fácil convencer a sociedade de que a grande necessidade da segurança pública é a recriação de um ministério específico. Talvez o presidente devesse duvidar um pouco de si mesmo, ou acabará descobrindo da pior maneira que, por melhor que seja o seu teatro, parte da plateia não está suficientemente ensaiada para fazer o papel de idiota.

Assombrações e fantasmas aparecem para quem acredita neles. Ou Sérgio Moro ergue a coluna vertebral, ou compromete, por excesso de submissão, o prestígio que lhe rende altos índices de popularidade. Quanto a Jair Bolsonaro, se quiser mesmo ver o ministro pelas costas, terá de assumir o ônus da demissão em vez de continuar testando os limites da paciência do auxiliar, que tem se mostrado ilimitada. E nesse jogo de gato e rato é o presidente quem tem mais a perder, haja vista a profusão de críticas a que foi submetido nas redes sociais, seu habitat natural. A pergunta é: o que acontecerá se Moro chamar o caminhão de mudança e sair batendo a porta?

Josias de Souza sintetiza a resposta de maneira magistral. Segundo ele, ciente de que o passado político da primeira-família estava enrolado em rachadinhas e relações perigosas com Fabrício Queiroz e milicianos, Bolsonaro recrutou o xerife da Lava-Jato para cuidar do combate à corrupção e ao crime organizado, e agora tenta cortar as asas de Moro, que, ironicamente, contribui para a própria fritura por não ter traçado limites a partir dos quais não recuaria, e sofre calado uma sequência de humilhações que já evoluíram para o esquartejamento: Foi-lhe arrancado o braço do Coaf e, para manter os dedos da direção-geral da PF, teve de dar o anel da superintendência da instituição no Rio de Janeiro — onde Zero Um enfrenta sua tormenta judicial. O presidente lhe quebrou as pernas ao sancionar o juiz das garantias, e só vem adiando a amputação da Segurança Pública por razões estratégicas. 

A impressão que se tem é a de que Bolsonaro e Moro, picados pela mosca azul de 2022, perderam o rumo, mas há um rumo nesse encrenca: o rumo da crise. E para o presidente, existe ainda um risco adicional: ele chamou Moro para o governo com o argumento de que lhe daria condições para melhorar sua biografia, e agora lhe oferece a oportunidade ganhar respeito (e pavimentar o caminho para as urnas em 2022) pedindo o boné.