Prosseguindo de onde paramos no post anterior:
Para Lula, quem deve fazer uma boa autoanálise são os responsáveis por mazelas como os "12 milhões de desempregados" ou a "matança da nossa juventude na periferia." Só que essa pessoa se chama Dilma Rousseff, a ex-grande-chefa-toura-sentada, cuja economia pedalante não só foi a maior responsável pelo superdesemprego como meteu o Brasil na maior recessão de sua história e fez com que os brasileiros, que já conheciam o caos, fossem apresentados ao pântano.
Assim como o desemprego, que se recupera lenta e penosamente, os índices de mortes violentas são declinantes no país. Começaram a cair sob Michel Temer, depois que a nefelibata da mandioca foi penabundada. Hoje, a queda bate em 22%. O mérito é mais dos Estados do que de Brasília, mas Lula ajeita a bola para Bolsonaro chutar.
O petista instou sua tropa de néscios a ganhar o asfalto. "Se não formos para a rua lutar e resistir, estaremos perdidos", afirmou, antes de atirar contra seus pés barro (mais detalhes no post anterior). E prosseguiu: "Acusam todos de corrupção e enfiam na nossa cara esse governo que enfiaram agora. Esse é um desafio para nós. Como organizamos os movimentos sindicais de novo?".
Nem todos carregam a pecha de corrupto, só os que se lambuzaram. Contra Lula, correm no Judiciário uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove processos. Adornam sua biografia duas condenações em segunda instância — uma delas já ratificada na terceira instância. Infelizmente, a cadeia não ensinou nada ao orador. No trecho em que declarou "enfiam na nossa cara esse governo que enfiaram agora", o eterno presidente de honra do PT injetou um ardil de gramática e um erro de história.
Se aplicasse corretamente a gramática, Lula teria evitado o sujeito oculto. Diria algo assim: "O eleitorado enfia Bolsonaro na nossa cara." Quanto ao erro de história, o farisaico pai dos pobres deixa de mencionar sua contribuição à ascensão de Bolsonaro ao transformar seu partido numa agremiação criminosa coletora de fundos, levar estatais como a Petrobras ao balcão, avalizar a nomeação de gatunos e... vender como gerentona uma sucessora inepta.
Com tudo isso, Lula conseguiu transformar o antipetismo na maior força eleitoral da sucessão de 2018. Forte o bastante para impulsionar o voo de um obscuro deputado do baixíssimo clero para o Planalto. O pronunciamento de Lula reforçou a sensação de que o PT, 40, enfrenta um processo de envelhecimento precoce. Nem Lula, famoso pela intuição política, consegue enxergar a realidade. Diz ter um "tesão de 20 anos", mas exibe a vista cansada ao pregar a ocupação das ruas e a reorganização do aparato sindical.
Desde 2014, quando explodiu a Lava-Jato, Lula promete "percorrer o Brasil". Renovou a promessa ao deixar a cadeia. Mas não foi. Fala para plateias companheiras, em ambientes domesticados. Sem verbas públicas, o "exército do Stédile" sumiu. Sem imposto sindical, a máquina de agitação da CUT enferrujou.
Lula ainda não notou, mas tornou-se o opositor dos sonhos de Bolsonaro. Está sujo demais para criticar os mal lavados que rodeiam o capitão — do filho com a biografia rachadinha aos ministros encrencados com a lei. Com as digitais gravadas nos grandes problemas nacionais — a ruína econômica e a roubalheira—, o petralha já não consegue fazer pose de solução. Restou-lhe apenas a raiva. O diabo é que, com tantos problemas por resolver, é improvável que na sucessão de 2022 o brasileiro se anime a enviar à Presidência um poste indicado por Lula para passar quatro anos falando mal de Bolsonaro.
A língua do capitão produz crises em série, conspirando contra o governo do dono. Mas para sorte de Bolsonaro a única novidade no PT é a namorada de Lula, 72, a socióloga Rosângela Silva. Chamada na intimidade de Janja, ela nasceu na mesma época em que o PT veio à luz, há 40 anos. "Eu consegui a proeza de, preso, arrumar uma namorada", costuma jactar-se o ex-presidiário, a quem cadeia não inspirou uma autocrítica, mas não foi de todo inútil.
Com Josias de Souza.