segunda-feira, 23 de março de 2020

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O presidente do “país dos contrastes” revela-se mais paradoxal a cada dia. Já teve o desplante de insinuar que governadores empurram as pessoas para suas casas com o deliberado propósito de intoxicar a economia. Chamou a pandemia de “histeria” e a doença de “resfriadinho”. Disse que a crise está “superdimensionada”, que “é muito mais fantasia” e que “outras gripes mataram mais”. Também comparou Itália, onde já morreram mais de 4 mil pessoas vitimadas pela pandemia, ao bairro carioca de Copacabana: “A Itália é uma cidade... É um país parecido com o bairro de Copacabana, onde cada apartamento tem um velhinho ou um casal de velhinhos. Então, são muito mais sensíveis, morre mais gente”,

Semanas atrás, o chefe da nação reconvocou uma manifestação em apoio a seu governo, cujo adiamento ele próprio havia sugerido (ainda que a contragosto) diante do avanço do coronavírus. A despeito de o ministro da Saúde lhe ter recomendado isolamento depois que parte da comitiva que o acompanhou aos EUA ter testado positivo para o coronavírus (já são 23 infectados, entre os quais o general Augusto Heleno, que é próximo do presidente e se reuniu com ele três vezes, sem máscara, um dia antes de saber que estava infectado), Bolsonaro não só foi pessoalmente ao protesto como trocou apertos de mão e tirou selfies com cerca de 300 apoiadores.

A saúde de Jair Bolsonaro é um problema pessoal dele, mas a saúde do chefe do governo é um bem de interesse público. O presidente afirmou que os dois testes feitos até agora deram negativo (um terceiro deve ser realizado nesta segunda-feira), mas, ao contrário de Donald Trump, seu herói e “muso inspirador”, não apresentou os laudos, como tampouco levou a mesa as tais provas das supostas fraudes nas eleições que o guindaram ao Palácio do Planalto.

O ministro Mandetta vem realizando um bom trabalho — claro que medida do possível e quando seu chefe não o atrapalha —, mas já alertou que, mesmo se cumpridas fielmente as medidas preventivas, o número de casos aumentará exponencialmente a partir desta semana e ao longo de abril e maio, quando então atingirá o pico, se estabilizará e em seguida dará início a uma trajetória descendente, que ganhará velocidade progressivamente, como aconteceu na China.

Epicentro da doença, o país asiático que concentra a maior população do planeta (1,4 bilhão de habitantes) registrou 46 novas infecções neste domingo, sendo apenas uma transmissão local (a primeira após três dias sem registrar essa estatística). Em nível mundial, já foram contabilizados cerca de 300.000 contaminações, 13.000 mortes e mais de 90.000 curas.

O Brasil tem 1.128 casos confirmados; em São Paulo, que concentra o maior número infectados no estado (mais de 400, com previsão de chegar a 9 milhões no pico da contaminação), já houve 15 mortes. Na cidade do Rio, segunda colocada no ranking com 99 dos 119 casos registrados em todo o estado, 3 óbitos foram confirmados até o meio-dia de ontem. Já na Itália, que encabeça a lista dos países mais afetados, o número de mortes já passa de 700 por dia.

Atualização: O Ministério da Saúde informou na noite deste domingo que o número de casos confirmados no Brasil chegou a 1.546 e a quantidade de mortos, a 25 (até sábado eram 18). São Paulo contabiliza 22 óbitos e o Rio, 3, sem contar uma morte registrada na capital fluminense. Os dois estados também lideram o número de casos confirmados — 631 em São Paulo e 186 no Rio. Todos os estados brasileiros já têm casos confirmados de coronavírus.

Resta saber se nosso sistema de Saúde suportará o crescimento da demanda sem entrar em colapso. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, comunicou que serão instalados dois mil leitos, no Pacaembu e no Anhembi, para atender casos de baixa complexidade e liberar espaço nos hospitais municipais para os mais graves. Em sua oitava coletiva sobre a pandemia, o governador João Doria anunciou que os 645 municípios do estado de São Paulo entrarão em quarentena, por 15 dias, a partir de terça-feira (24)

Após anunciar a aquisição de 10 milhões de testes rápidos, metade dos quais devem ser entregues já na próxima semana, o ministério da Saúde informou que pretende fazer uma espécie de drive thru de testes — modelo inspirado em ação realizada na Coreia do Sul, no qual as pessoas nem precisam sair do carro para realizar o teste.

Que Deus nos ajude.