João Fernandes Café Filho — que era vice de Getúlio Vargas e figura em nossa lista de ex-presidentes que não concluíram seus mandatos (os anteriores foram abordados nos posts dos dias 21 e 22) — ascendeu ao cargo em agosto de 1954, quando o titular ”saiu da vida para entrar na história”, mas se afastou em novembro do ano seguinte, a pretexto de tratar um mal cardíaco, e jamais reassumiu o posto. Mas vamos por partes.
Em 3 de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora (sobretudo ligada à UDN) e os militares, inconformados com o resultado das urnas, urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Eles contavam com o apoio tanto de Café Filho quanto do presidente da Câmara, Carlos Luz, que assumiu interinamente quando do afastamento de Café — vale lembrar que, com o "suicídio" de Vargas e a promoção de Café a titular, os próximos na linha sucessória, segundo a Carta Magna de 1946, art.79, § 1º, eram os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF (da mesma forma que acontece atualmente, à luz da CF de 1988).
Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. E assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.
Visando evitar que Café Filho, àquela altura "miraculosamente restabelecido", reclamasse o posto e somasse forças com a ala que queria impedir a posse de JK, Lott mandou tanques de guerra cercarem a casa do desafeto, em Copacabana, e agilizou junto aos parlamentares o julgamento de seu impeachment, que foi aprovado em 22 de novembro. E para impedir novas tentativas de golpe, Nereu governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.
Observação: Para que dois presidentes fossem impichados
a toque de caixa no final de 1955, a Constituição precisou ser “rasgada”
algumas vezes (a pretexto de salvar a democracia). Não fosse isso, JK
não teria assumido a Presidência. Aliás, talvez fosse o caso de Maia e Alcolumbre
relembrarem o que aprenderam (ou deveriam ter aprendido) nas aulas de história.
Antes que o mal cresça, corta-se a cabeça.
Ao final de sua gestão — em que prometeu realizar “cinquenta
anos de progresso em cinco de governo” — JK, mui mineiramente, mudou
a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o centro do
país, e transferiu a faixa para o presidente eleito Jânio Quadros, que
tomou posse em 31 de janeiro de 1961 e renunciou 6 meses e 25 dias depois.
Como as consequências da renúncia de Jânio já foram esmiuçadas (e voltarão a sê-lo em momento oportuno), resta dizer apenas que depois de João Goulart — que foi vice de JK e de Jânio, acabou cassado pelo golpe de ’64, exilou-se no Uruguai e morreu na Argentina em 1976 —, o Brasil só voltou a ter um presidente civil em 1985, após um colégio eleitoral formado por deputados, senadores e governadores eleger Tancredo Neves, no apagar das luzes do governo Figueiredo.
Quis o
destino que a raposa mineira fosse
internada 12 horas antes da posse e viesse a falecer 38 dias e
sete cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que
homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência, levando para o túmulo
Coube a Sarney pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando, na primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos, diante de um cardápio composto por 22 candidatos — teriam sido 23 se Jânio não desistisse de participar por motivos de saúde —, o eleitorado tupiniquim descartou Ulisses Guimarães, Mario Covas, Ronaldo Caiado (e mais 17 postulantes que, juntos, não valiam dois mirreis de mel coado) e escalou para o segundo turno um caçador de marajás de araque e um sindicalista picareta.
No dia 17 de dezembro, o engomado almofadinha populista de
direita derrotou o mal-ajambrado e semianalfabeto populista de esquerda (dono de um carisma que
lhe rendeu o honroso apelido de “encantador de burros”),
e assim Fernando Affonso Collor de Mello entrou para a História não
só como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto,
mas também como o primeiro
presidente da Nova República condenado num processo de impeachment.
Observação: Obviamente, nenhum dos cinco generais
que presidiram o Brasil durante os anos de chumbo (Castello Branco,
Costa e Silva,
Médici,
Geisel
e Figueiredo)
foi deposto, renunciou ou morreu no exercício do cargo, mas isso é assunto para
outra sequência.
Em 1992, Collor (clique
aqui para acessar um breve resumo de seu atabalhoado governo), em meio
a grandes manifestações populares pedindo sua cabeça, foi afastado do cargo e
renunciou dois meses depois, às vésperas do julgamento de seu impeachment no Senado. Com a renúncia, a ação perderia o objeto (como cassar o
mandato de alguém que já renunciou a ele?), mas o julgamento prosseguiu mesmo assim
e o réu foi considerado culpado e condenado a oito anos de inelegibilidade (Collor
recorreu, mas perdeu).
O segundo impeachment desde a redemocratização foi o de Dilma — a tragédia
anunciada com que Lula empalou a brava gente brasileira em
2010 — que, mesmo sendo a pior presidente desde que Cabral aportou na
costa da Bahia, conseguiu se reeleger em 2014, ser afastada em maio de 2016 e
penabundada em 31 de agosto.
Discorrer sobre a trajetória política da gerentona de festim (que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados) de seu tempo de guerrilheira de arque até o definitivo “tchau, querida”, passando pelo monumental estelionato eleitoral que resultou em sua reeleição (ela própria havia dito com todas as letras que “em ano eleitoral a gente faz o Diabo”) seria abusar da paciência do leitor. Mas basta retornar pelo blog até o ano de 2016 para encontrar posts sobre os detalhes sórdidos que abrilhantaram os 5 anos 4 meses e 12 dias em que essa senhora, verdadeiro rascunho do mapa do inferno em forma de gente, demoliu tijolo a tijolo a economia do país. Mesmo assim, não descarto a possibilidade de retomar esse assunto numa próxima oportunidade. De momento, limito-me a relembrar uma síntese inspirada, da lavra do jornalista Augusto Nunes:
“Dilma, sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016.
Observação: O artigo 52 da Constituição de 1988 reza que “Nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis” (o grifo é meu). Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo.
Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso
começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente
encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos
institutos de pesquisa, que tinham como líquida e certa a
vitória do egun mal despachado na disputa por uma vaga no Senado, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.