domingo, 18 de junho de 2017

NO MATO SEM CACHORRO

Quem não tem cão caça com gato, diz um velho ditado. Mas nem gato sobrou. O que se tem é gatuno roubando a esperança dos brasileiros, gatuno ignorando provas em julgamentos, gatuno governando o país, gatuno candidato à reeleição presidencial e até gatuno defendendo a antecipação das diretas. Tudo em nome da governabilidade e do estado democrático de direito, como se a palavra democracia ainda significasse alguma coisa nesta republiqueta de bananas.

Em 2012, assistimos estarrecidos, mas esperançosos, a condenação da alta cúpula do Mensalão. No ano passado, livramo-nos daquela que afundou o Brasil na maior recessão da sua história, e que entrou para a vida pública após levar à falência duas lojinhas tipo R$1,99 quando a paridade cambial entre o real e o dólar favorecia sobremaneira a importação e revenda de badulaques ― a propósito, leia o post que publiquei no final de 2014, caso não lhe baste o excerto que transcrevo a seguir:

Pão & Circo. Com esse nome sugestivo — alusivo à estratégia romana destinada a entreter e ludibriar a massa insatisfeita com os excessos do Império —, Dilma montou, em fevereiro de 1995, uma lojinha de bugigangas, nos moldes das populares casas de R$ 1,99. O negócio em gestação cumpriu a liturgia comercial habitual. Ao registro do CNPJ na Junta Comercial seguiu-se o aluguel de um imóvel em Porto Alegre, onde funcionava a matriz. Quatro meses depois, uma filial foi erguida no centro comercial Olaria, também na capital gaúcha. O problema, para Dilma e seus três sócios, é que a presidente cuidou da contabilidade da empresa como lida hoje com as finanças do País. (...) Em apenas 17 meses, a loja quebrou; em julho de 1996, ela já não existia mais. Tocar uma lojinha de quinquilharias baratas deveria ser algo trivial, principalmente para alguém que 15 anos depois se apresentaria aos eleitores como a “gerentona” capaz de manter o Brasil no rumo do desenvolvimento. Mas, ao administrar seu comércio, Dilma cometeu erros banais e em sequência. Qualquer semelhança com a barafunda administrativa do País e os equívocos cometidos na área econômica a partir de 2010, levando ao desequilíbrio completo das contas públicas e à irresponsabilidade fiscal, é mera coincidência. Ou não. (...) Para começar, a loja foi aberta sem que os donos soubessem ao certo o que seria comercializado ali. Às favas o planejamento — primeiro passo para criação de qualquer negócio que se pretenda lucrativo. A empresa foi registrada para vender de tudo um pouco a preços módicos, entre bijuterias, confecções, eletrônicos, tapeçaria, livros, bebidas, tabaco e até flores naturais e artificiais. Mas acabou apostando no comércio de brinquedos para crianças, em especial os “Cavaleiros do Zodíaco”. Os artigos revendidos pela Pão & Circo eram importados de um bazar localizado no Panamá, para onde Dilma e uma das sócias, a ex-cunhada Sirlei Araújo, viajaram três vezes para comprar os produtos. Apesar de os produtos custarem bem pouco, o negócio de Dilma era impopular — como se tornou a ex-presidanta ao longo do seu governo. Ao abrir a vendinha, a anta vermelha não levou em conta que “o olho do dono engorda o porco”, e só aparecia por lá eventualmente, preferindo dar ordens e terceirizar as tarefas do dia a dia, como fez ao delegar a economia ao ministro Joaquim Levy e a política ao vice Michel Temer, até este desistir da função dizendo-se boicotado pelo (então) ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante. Na sociedade da Pão & Circo, o equivalente ao Mercadante era Carlos Araújo, o ex-marido, que aconselhava a “chefa” sobre como ela turbinar as vendas, mas era tão inepto quanto aquela que viria ser a chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás no governo de Lula, por ocasião da negociata de Pasadena. Mesmo assim, a gerentona de araque teve uma carreira meteórica: sem saber atirar, virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente da Banânia.

Livramo-nos de Dilma, mas herdamos Michel Temer, que jamais conquistou a simpatia dos brasileiros ― e nem poderia, tendo sido vice de quem foi e presidente do PMDB por 15 anos ―, mas que vinha logrando êxito em descascar o monumental abacaxi herdado das gestões lulopetistas até ser abatido em seu voo de galinha pela delação premiada de Joesley Batista e mais 6 altos executivos da JBF/J&F.

Temer nos prometeu um ministério de notáveis, mas cercou-se de uma notável confraria de corruptos. O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”, que deixou o Ministério do Planejamento uma semana depois de ser nomeado ― só que continua no governo, ocupando uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro privilegiado. Na sequência, demitiram-se ― ou foram demitidos ― Fabiano Silveira, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima e outra meia dúzia de ministros e/ou assessores presidenciais, em grande parte por serem investigados na Justiça ou acusados de corrupção por delatores na Lava-Jato. Temer moveu mundos e fundos para preservar Eliseu Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”, que o ajudam a comandar a quadrilha mais perigosa do Brasil, como afirmou o megaempresário moedor de carne em entrevista à revista Época desta semana.

Até os pedalinhos do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia, sempre souberam que Lula institucionalizou a corrupção no Brasil. E quem não sabia ficou sabendo pelo procurador Deltan Dallagnol, que, no final do ano passado, apresentou à imprensa um PowerPoint tosco, mas indiscutivelmente elucidativo, mostrando que o molusco abjeto, ora penta-réu e às vésperas de sua primeira condenação na Lava-Jato, era, sim, o comandante máximo da ORCRIM. Agora, a se confirmarem as acusações de Joesley Batista, o petralha perderá o posto para Temer, como o Mensalão perdeu para o Petrolão o título de “maior escândalo de corrupção da nossa história” e rebaixou o famigerado “Esquema PC”, responsável pelo impeachment de Collor em 1992, a “coisa de ladrão de galinhas”.

Parece de nada adiantou o esforço do ministro Gilmar Mendes (que ora é alvo de um pedido de impeachment) para preservar o cargo de Michel Temer ao arrepio da avassaladora torrente de provas de práticas espúrias que propiciaram a reeleição da chapa Dilma-Temer em 2014. Como de nada deve adiantar a nota divulgada pelo Planalto, na manhã deste sábado, segundo a qual “o dono da JBS é um bandido notório que desfia mentiras”, e que o presidente ingressará com ações na Justiça contra ele. Resta explicar porque Temer não pensou nisso quando recebeu o empresário à sorrelfa nos “porões do Jaburu”, ouviu seu relato de práticas criminosas ― como a compra do silencio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro e o pagamento de suborno a magistrados e procuradores da República ― e encerrou conversa como se nada houvesse acontecido, sem lhe dar voz de prisão ou determinar a imediata abertura de um inquérito para apurar os fatos.   

Na entrevista, Joesley reafirma as denúncias que fez ao Ministério Público e à Polícia Federal contra as cúpulas de PT, PMDB e PSDB. Segundo ele, tudo começou há cerca de 10, 15 anos, quando surgiram grupos com divisão de tarefas: um chefe, um operador e um tesoureiro. Disse também que esses esquemas organizados começaram no governo do PT, com a criação de núcleos, divisão de tarefas entre integrantes, em estados, ministérios, fundos de pensão e bancos, dentre os quais o BNDES; que o modelo foi reproduzido por outras legendas, e que, na maioria dos casos, os pagamentos viraram uma obrigação (ele cita como exemplo Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma: “Era só o Guido dizer no BNDES que não era mais do interesse do governo investir no agronegócio e pronto. Bastava uma mudança de diretriz de governo para acabar com o negócio”).

Joesley disse ainda que o presidente “não é um cara cerimonioso com dinheiro” (para bom entendedor...), além de acusa-lo de chefiar “a organização criminosa da Câmara, composta por Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Eliseu Padilha e Moreira Franco”, e que, “em Brasília, quem não está preso está no Planalto”.

Durma-se com um barulho desses!

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