A despeito da prorrogação do Auxílio Emergencial, a aprovação de Bolsonaro despencou de 40% para 35% entre setembro e dezembro (de acordo com o Ibope). Ainda que 52% dos brasileiros não o culpem diretamente pelas mortes resultantes da pandemia, nem todos veem com bons olhos sua postura errática em relação às vacinas e o discurso sob medida para levar ao delírio sua récua de apoiadores lunáticos. Como dizia o velho Abe, “pode-se enganar a todos por algum tempo e alguns o tempo todo, mas não a todos por todo o tempo”.
Bolsonaro passou o ano inteiro conspirando contra a
saúde dos brasileiros. Demitiu dois ministros da Saúde, conspirou contra a Ciência,
ignorou o distanciamento social e o uso de máscara, tripudiou do vírus
assassino (gripezinha, resfriadinho), classificou de maricas quem segue os
protocolos de segurança e emulou a política negacionista de Donald Trump.
Os efeitos logo se manifestaram, e a tragédia só não foi maior graças às ações
de governadores e prefeitos, que, vale registrar, foram sistematicamente
atacados e desqualificados pelo cacique e seus guerreiros.
Na última quarta-feira, nosso mandatário parecia outro. Mas
continuava o mesmo. Assim como o escorpião
da fábula, ele incapaz de agir contra sua natureza. Na cerimônia de
apresentação do Plano Nacional de Imunização, defendeu a "a
união" para combater "algo que nos aflige há meses" (a
"gripezinha"), ensaiou um mea culpa ao dizer que alguns podem ter
"extrapolado ou mesmo exagerado” no afã de combater a pandemia e
incluiu-se na corrente dos que, "irmanados", lutam para que depois da
"tempestade venha a bonança". Mas engana-se (mais uma vez) quem interpretou
essa burlesca pantomima como mudança de comportamento. Tanto é que, um dia
depois do “surto
pacificador”, voltou a seu estado normal.
Na live
desta quinta-feira, disse que o Supremo “entrou numa bola
dividida” ao avalizar a obrigatoriedade da vacinação: “Não foi
maioria, não foi 11 a 0. Qual foi o ministro que destoou? Foi o Kassio [Nunes
Marques].” Também criticou setores da direita que não aprovaram a indicação do
desembargador piauiense para a Corte: “Não é direita burra, é direita
idiota. Entendeu, imbecil?” E voltou a dizer que não tomará nenhuma
vacina: “Na Pfizer está bem claro no contrato: nós não nos
responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar jacaré, é
problema de você."
Até aí nenhuma novidade: o capitão-jacaré sempre negou a
gravidade da pandemia. O problema é que seu comportamento irresponsável
influencia parte da população. Segundo o Datafolha, quase 90% dos
entrevistados em agosto responderam que tomariam a vacina assim que ela fosse
disponibilizada; no início de dezembro, apenas 73% estavam dispostos a se
vacinar. Também em agosto, o diretor do Butantan defendeu que — ao menos
no início — a vacinação deveria
excluir quem já teve a Covid-19, dada a limitação no número de doses. O
que faz sentido. Mais recentemente, Denise Garrett, vice-presidente do Instituto
Sabin, afirmou que a vacina reforça a imunidade de quem já foi infectado,
sobretudo se a carga viral foi muito pequena. O que também faz sentido. Fato é
que há muitas perguntas sem respostas, até porque os cientistas fizeram em 10
meses um trabalho que, em condições normais, levaria 10 anos.
No que depender de Bolsonaro e seu preposto no
ministério da Saúde, os brasileiros serão vacinados “sine die”. O gabinete
de Pazuello ignorou
por quase seis meses o ofício que o ministério da Economia enviou ao
secretário-executivo da Saúde, Élcio Franco, envolvendo a importação de
seringas descartáveis da China — a consulta foi feita em 23 de junho e não
havia sido respondida até a noite da última terça-feira (15).
Bolsonaro não percebeu, mas a maneira irresponsável
como ele e seus comandados vêm tratando a estratégia nacional de imunização
terá consequências deletérias não só na saúde, mas também na economia, pois não
há recuperação econômica sem o controle da pandemia. Para piorar, o número de
pessoas que, de saco cheio do vírus, “decretaram” o fim da pandemia vem
crescendo em progressão geométrica. Ainda que exista uma
explicação científica para esse comportamento, ela não muda o fato de
que o vírus não cansou das pessoas, como dão conta o aumento da procura por
leitos de UTI e da pilha de cadáveres produzida pela Covid. E a
situação fica ainda mais preocupante às vésperas das tradicionais festas e
confraternizações de final de ano.
Em entrevista à GloboNews, o ex-ministro da Saúde Luiz
Henrique Mandetta disse que terminar o ano com 180 mil mortos por Covid
era o pior cenário imaginado em sua gestão, mas que se tornaria realidade se o
governo não adotasse uma série de medidas fundamentais, dentre as quais convencer
o presidente da letalidade do vírus. O ortopedista relata que foi
didático: “Eu expliquei [para o presidente] que o vírus é um bichinho que
entra pelo nariz. Ele não entendeu”.
Há, ainda, o vírus do ódio, que contaminou milhões de seguidores do “mito”. Como parasitas, os infectados conectam-se a um post crítico e, para neutralizá-lo, valem-se de um discurso baseado em fake news, afirmações negacionistas e ataques pessoais.
O vírus do ódio não veio da China. Foi criado aqui mesmo, como consequência de um governo que não aceita ser confrontado e atua para matar a discussão, matar ideias contrárias, matar o bom senso e a inteligência.
Infelizmente, contra esse vírus não existe vacina.