Atribui-se ao poeta e filósofo espanhol Ramón de Campoamor a frase "A BELEZA ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM VÊ". O aforismo é brilhante sob o prisma da poesia, mas inexato no âmbito da biologia, pois os olhos não veem coisa alguma. Como o obturador de uma câmera fotográfica, eles capturam as imagens, mas não "revelam o filme" e tampouco "transferem as fotos do negativo para o papel".
A luz projetada na retina é decomposta e transformada em
sinais elétricos, que seguem pelo nervo ótico e são decodificados no córtex
visual, que reconhece as cores e formas e sobrepõe as imagens captadas pelos
dois olhos. Os cientistas ainda estão queimando neurônios (desculpem, não resisti)
para entender como isso tudo funciona, mas sabe-se que pelo menos metade do
córtex — a sede da inteligência — está associada à visão.
No que tange à visão, conheço um excelente
oftalmologista; basta me enviar um email que eu
respondo com o telefone e o endereço do esculápio. Quanto à inteligência — ou à falta dela —, trata-se de um problema de cegueira mental que, segundo José
Saramago, Nobel de literatura em 1998, “é um assunto particular entre as
pessoas e os olhos com que nasceram; não há nada que se possa fazer a respeito”.
A despeito do que prega a dicotomia maniqueísta semeada por Lula, adubada pelos tucanos e regada pela récua de muares que dão ouvidos ao canto da sereia do populismo, não é preciso mais que 2 neurônios minimamente funcionais para inferir que o sumo pontífice da seita do inferno e o “mito” dos bolsomínions são farinha do mesmíssimo saco, ainda que ocupem posições diametralmente opostas do espectro político-ideológico. Assim, esconjurá-los ambos não é incoerência, mas decência e, em última análise, patriotismo (não confundir com o chauvinismo deturpado, oportunista e xenófobo do capitão das trevas et caterva).
Qualquer cidadão minimamente esclarecido —
desde que não tenha sido miseravelmente contaminado por essa nefanda
polarização — repudiará tanto a gestão inepta do capitão sem luz quanto a rapinagem
de Lula e seus asseclas (e a imprestabilidade da gerentona de arque, incapaz, do
ponto de vista administrativo, de encontrar o próprio rabo usando ambas as mãos
e um farolete).
O busílis da questão é que o resultado do primeiro turno das eleições de 2018 não nos deixaram alternativa, mas daí a dizer que estaríamos no sétimo céu sob a batuta de Henrique Meirelles, de João Amoêdo ou de Álvaro Dias seria leviano. Pode-se até fazer um exercício de “futurologia do pretérito”, mas não se tem como mensurar a exatidão das conclusões, já que sempre há um “se” para atrapalhar. Por outro lado, basta olhar pelo retrovisor da história para ter uma boa ideia de como estaria estaria esta republiqueta de bananas caso o bonifrate do criminoso condenado tivesse derrotado o capitão sem luz.
A forma verbal originalmente chamada de "condicional" foi rebatizada pelos gramáticos como "futuro do pretérito", talvez por expressar tanto uma situação quanto uma condição. Para entender melhor essa diferença, atente para os exemplos a seguir:
1) “Eu compraria uma Ferrari se o preço fosse mais baixo”;
2) “Anos atrás, eu não tinha certeza se compraria o carro que tenho hoje”.
Em ambas as frases o verbo se comporta da mesma forma, mas com
sentidos diversos. Talvez por isso alguns estudiosos do idioma afirmem que o condicional não indica
uma condição. Veja que no primeiro exemplo temos duas orações, e a condicional
não é a primeira, onde se encontra a verbo no modo condicional, mas a
segunda, indicada pela conjunção subordinativa condicional ou causal “se”. Por conta disso, dizem os gramáticos, é mais apropriado chamar o tempo verbal em questão de
“futuro do pretérito”.
Embora seja usado como sinônimo de passado, o termo “pretérito”
não remete ao presente em que vivemos, mas a um presente que
viveríamos se, por exemplo, numa determinada encruzilhada do passado, tivéssemos virado à
esquerda em vez de à direita, ou retrocedido até o entroncamento anterior.
Nessa linha de raciocínio, pode-se especular como seria o Brasil de
hoje se Tancredo tivesse tomado posse, governado pelos cinco anos
que a Constituição de então lhe garantia e, ao final, passasse a faixa para
(aí, sim) o primeiro presidente escolhido pelo voto popular desde a
eleição de Jânio em 1960 (que seria... ???). The
answer, my friends, is blowing in the wind.
Como dizia Shakespeare, “há mais coisas
entre o céu e a terra, Horácio, do que supõe nossa vã filosofia”. Uma miríade de tons de cinza separa o branco do preto (falo de cores, não de etnias), e discordar de Bolsonaro não me torna (nem a ninguém)
esquerdista ou simpatizante do lulopetralhismo. Tampouco me arrependo por ter apoiado o mau
militar e deputado
medíocre que desgoverna este arremedo de República há dois
miseráveis anos. “BETTER THE DEVIL WE KNOW THAN THE DEVIL WE DON'T”, dizem
os gringos. Não obstante, há situações em que é preciso arriscar. Sem mencionar que agora
não adianta chorar.
Cumpre encerrar esta não tão breve introdução e passar ao
tema central desta postagem, sob pena de a entrada se tornar mais “substancial”
do que o prato principal. Começo por lembrar que em meados de outubro
o Messias que não miracula disse a apoiadores que não havia casos de corrupção
no seu governo, e que essa declaração foi feita horas depois que o
senador Chico Rodrigues, então vice-líder do governo no
Senado, foi
flagrado pela Polícia Federal com R$ 30 mil dentro da cueca.
O fato, meus caros, é que a demissão de Sérgio Moro selou o divórcio de Bolsonaro com os apoiadores da Lava-Jato. A partir de então, o morubixaba da aldeia se aproximou de figuras do chamado Centrão — partidos que se notabilizam pelo fisiologismo —, jogando a derradeira pá de cal sobre a sepultura de sua falaciosa “cruzada contra a corrupção”.
Em seu depoimento nos autos do inquérito que investiga Bolsonaro por interferência política na PF (e Moro por denunciação caluniosa), o ex-delegado-geral Maurício Valeixo afirmou que o presidente “procurava alguém com quem tivesse mais afinidade”. Aliás, a indicação de Alexandre Ramagem, íntimo do clã presidencial, que foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, evidencia a intenção do capitão de transformar as instituições de Estado em “puxadinhos” que atendam seus interesses. E esse é apenas um entre dezenas de exemplos que eu poderia elencar, mas, para não espichar este post além do razoável, cito a extensa matéria publicada na revista Época, segundo a qual a Abin colocou neurônios remunerados pelo contribuinte a serviço de Flávio “Rachadinha” Bolsonaro.
Produziram-se dois relatórios cujo objetivo não deixa dúvidas quando se repara o que foi anotado no campo "finalidade" do primeiro deles: "Defender FB (Flávio Bolsonaro) no caso Alerj, demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB."
Nos documentos, a Abin se esforça para demonstrar que
é real a tese dos advogados de Zero Um segundo a qual o processo em que ele é
acusado de corrupção e lavagem de dinheiro deve ser anulado porque
contém dados fiscais supostamente obtidos ilegalmente. Os textos forneceram
orientação sobre o que deve ser feito para desorientar a instrução processual.
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional e superior hierárquico da Abin, general Augusto Heleno, nega o que a defesa de Flávio Bolsonaro confirma: o principal órgão de inteligência do estado brasileiro ofereceu farta munição para o filho do presidente tentar anular a ação em que é investigado pela prática de “rachadinha” (que se arrasta desde antes das eleições de 2018).
Josias de Souza lembra que a função da Abin é manter o presidente bem informado, e nisso o órgão tem falhado miseravelmente — tanto é que Bolsonaro disse que o Brasil vive o "finalzinho da pandemia" —, embora se revele prestimosa nos cuidados com a família real. Há dois tipos de monarquia, escreveu Josias em sua coluna: as absolutas e as constitucionais. Bolsonaro optou pelo primeiro modelo, que lhe pareceu mais conveniente porque, nesse regime, o soberano e seus descendentes não devem nada a ninguém. Muito menos explicações. Na neo-monarquia brasileira, que não encontra paradigma no mundo, reina a esculhambação.
Para concluir, segue a íntegra da matéria de Guilherme Amado e Naomi Matsui, publicada pela revista Época:
A Abin produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveria ser feito para obter os documentos que permitissem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz. Nos dois documentos, cuja autenticidade e procedência foram confirmadas pela defesa do senador, a Abin detalha o funcionamento da suposta organização criminosa em atuação na Receita Federal, que, segundo suspeita dos advogados de Flávio, teria feito um escrutínio ilegal em seus dados fiscais para fornecer o relatório que gerou o inquérito das rachadinhas.
Enviados em setembro para Flávio e repassados por ele
para seus advogados, os documentos contrastam com uma versão do general Augusto
Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que afirmou
publicamente que não teria ocorrido atuação da Inteligência do governo após a
defesa do senador levar a denúncia a Bolsonaro, a ele e a Alexandre
Ramagem, diretor da Abin, em 25 de agosto.
Um dos documentos é autoexplicativo ao definir a razão
daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB
no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos
imotivados aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados
por WhatsApp para Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana
Pires.
O primeiro contato de Alexandre Ramagem com o caso
foi numa reunião no gabinete de Bolsonaro, em 25 de agosto, quando
recebeu das mãos das advogadas de Flávio uma petição, solicitando uma
apuração especial para obter os documentos que embasassem a suspeita de que ele
havia sido alvo da Receita. Ramagem ficou com o material, fez cópia e
devolveu no dia seguinte a Luciana Pires, que voltou ao Palácio do
Planalto para pegar o documento, recebendo a orientação de que o protocolasse
na Receita Federal. A participação da Abin, a partir daí,
seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro, com
orientações sobre o que a defesa deveria fazer.
No primeiro relatório, o que especifica a finalidade de “defender
FB no caso Alerj”, a Abin classifica como uma “linha
de ação” para cumprir a missão: “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração
especial’, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”.
O texto discorre então sobre a dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita
e, num padrão que permanece ao longo do texto, faz imputações a servidores da Receita
e a ex-secretários, a exemplo de Everardo Maciel.
“A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e
diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RF da
época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo
Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo
adulterados, agora que os envolvidos da RF já sabem da linha que está sendo
seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto,
chefe da Receita.
O relatório sugere a substituição dos “postos”, em provável
referência a servidores da Receita, e, sem dar mais detalhes, afirma que
essa recomendação já havia sido feita em 2019.
“Permanece o entendimento de que a melhor linha de
ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir
os postos conforme relatório anterior. Se a sugestão de 2019 tivesse sido
adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido
trocados com pouca repercussão em processo interno na RF!”, explica o
texto.
A agência traça em seguida outra “alternativa de
prosseguimento”, que envolveria a CGU, o Serpro e AGU.
“Com base na representação de FB protocolada na RF (Tostes),
CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da Corregedoria e
Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância requisita a Apuração
Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso de recusa do
Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita judicialização da
matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos da apuração
especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento de ação penal
e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto,
resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar
ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos
órgãos sob comando do Executivo”.
Ainda nesse primeiro documento, outros dois servidores
federais são acusados pela Abin, o corregedor-geral da União, Gilberto
Waller Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto.
“Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto
Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do
problema e tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria
escrutinar no âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”,
disse o texto.
Um parêntese curioso. Neste trecho, já no fim do documento, a Abin, comandada pelo delegado da PF Alexandre Ramagem, sugere que Bolsonaro demita Waller Júnior da Corregedoria-Geral e coloque no lugar dele um policial federal:
“Neste caso, basta ao
01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por outro CGU isento. Por
exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF de sua confiança”.
O outro documento enviado pela Abin a Flávio e
repassado por ele a sua advogada traça uma “manobra tripla” para tentar
conseguir os documentos que a defesa espera. As orientações da agência aqui se
tornam bem específicas.
“A dra. Juliet (provável referência à advogada
Juliana Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes,
tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora
exigido”, diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”.
Em seguida, o texto sugere que a defesa peticione ao chefe
do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da
Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação — o que de fato a defesa de Flávio
Bolsonaro faria. A Abin ressalta que o pedido deve ser por escrito.
“O e-sic (sistema eletrônico da Lei de Acesso) deve ser evitado
pois circula no sistema da CGU e GILBERTO WALLER integra a rede da RF”,
explicou a Abin.
E, por fim, o relatório sugere "neutralização da
estrutura de apoio" e demissão de "três elementos-chave dentro
do grupo criminoso da RF", que "devem ser afastados in
continenti". "Este afastamento se resume a uma canetada do Executivo,
pois ocupam cargos DAS. Sobre estes elementos pesam condutas incompatíveis com
os cargos que ocupam, sendo protagonistas de diversas fraudes fartamente
documentadas", afirma o texto, sem especificar que condutas seriam
essas. E cita os nomes de três servidores: novamente o corregedor José
Barros Neto; o chefe do Escritório de Inteligência da Receita no Rio
de Janeiro, Cléber Homem; e o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita
no Rio, Christiano Paes. Num indicativo de que Bolsonaro talvez
esteja seguindo a recomendação da Abin contra os servidores, Paes
pediu exoneração do cargo na semana passada.
Procurado, o GSI negou a existência dos documentos,
mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa
de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema.
Procurada, a advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos
documentos e sua procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu
conteúdo.
A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a
origem das acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além
dos dois obtidos pela coluna. Alexandre Ramagem, diretor da agência,
atualmente voltou a ser cotado para comandar a Polícia Federal, caso Bolsonaro
seja inocentado no inquérito que investiga se ele queria controlar a corporação
ao nomear Ramagem, amigo de seus filhos, para a direção da PF.