sábado, 6 de março de 2021

SÓ SE FOR NA CASA DA TUA MÃE

 

O assim chamado “gigante adormecido (que se recusa a despertar)”, ou “país do futuro (que nunca chega)”, como queiram, pode ser uma republiqueta de almanaque (e é), uma banânia (também é), mas é o nosso país. É “o que se tem pra hoje”, como se costuma dizer. Sobretudo em tempos estranhos (como o atual), em que a pandemia trancou a porta dantes representada pelo aeroporto na velha máxima “Brasil, ame-o ou deixe-o (que o último apague a luz)”.

Anda mal das pernas este arremedo de democracia. Mas é o nosso país. Está eivado de corruptos, mas é o nosso país. Tem políticos da pior espécie, mas é o nosso país. Tem um presidente que é um desastre, mas ainda é o nosso país. Tornou-se um pária aos olhos do mundo civilizado, mas ainda assim continua sendo o nosso país. Só que, por motivos óbvios, perdemos o direito de mandar calar quem fala mal de nosso país, pois falar bem, a esta altura, é mentir mais que político em campanha.

Outra coisa que precisa ficar bem clara: O Congresso Nacional merece respeito enquanto instituição. Já os congressistas têm de conquistar o respeito da população (respeito não se impõe, conquista-se, e por vezes a duras penas) e preservá-lo — numa construção diuturna, tijolo a tijolo, e ficar atentos, pois pode-se perder essa confiança tão rapidamente quanto o diabo coça um olho.

A Presidência da República merece respeito enquanto instituição. Já aqueles que a ocuparam desde a redemocratização (e também antes dela, por que não dizer?) são a prova provada de que assistia razão a Pelé quando ele disse que “o brasileiro não sabe votar” (embora tenha dito a coisa certa pelos motivos errados; na ocasião, ele opinava sobre a decisão da ditadura de suspender eleições diretas para cargos do Executivo).

"O Brasil não é para amadores", pontuou o saudoso maestro Tom Jobim. E governar o país também não é. A longa carreira parlamentar de Bolsonaro consistiu basicamente a representar o corporativismo militar, e sua desditosa (para não dizer nefasta) passagem pela presidência tem sido um mero prolongamento da campanha, agora de olho na reeleição (cuja extinção foi uma das muitas bandeiras que ele agitou no palanque e, tão logo subiu a rampa, meteu-as onde sugeriu aos jornalistas que enfiassem o leite condensado.

O governo do capitão da caverna sem luz consiste em insuflar suas hordas extremistas e se regozijar com o aplauso fácil da ala fanática de seus apoiadores (uma cáfila de boçais que adora bater palmas para maluco dançar). Parafraseando o Papa Francisco, "o papa, os bispos e os padres não são príncipes, mas servidores do povo de Deus". 

Mutatis mutandis, o mesmo raciocínio vale para os políticos em geral, para o chefe do Executivo em particular, para os integrantes do Congresso Nacional e para os majestosos supremos togados que integram uma Corte onde o tempo é místico e uma decisão tanto pode demorar 20 horas quanto 20 anos, a depender do magistrado que a profere e do réu a quem ela favorece.

Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se está, foi enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se está lá, é porque alguém votou nele). À luz da “qualidade” dos nossos representantes e mandatários, é impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem não enxergue o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas de acuidade visual (para um cego, tanto faz a luz estar acesa ou apagada).

O presidente da República não é apenas uma faixa ou uma pose. Espera-se que exista por trás da faixa e da pose uma noção qualquer de respeito, dignidade e pudor. Jair Bolsonaro ignora tais valores. Adota um comportamento desrespeitoso, indigno e despudorado. "Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando?", declarou, sapateando sobre a memória dos mortos da Covid e a dor de suas famílias. "Até quando vão ficar dentro de casa, até quando vai se fechar tudo? Ninguém aguenta mais isso", afirmou, num timbre economicida que desconsidera até as máximas do seu Posto Ipiranga: "Sem saúde não há economia. Sem vacinação em massa não existe crescimento consistente."

"Tem idiota nas redes sociais, na imprensa: 'Vai comprar vacina'. Só se for na casa da tua mãe! Não tem para vender!", disse Bolsonaro, sem medo do ridículo. Não há vacinas porque um hipotético presidente, em vez de ordenar a compra, pôs-se a dizer tolices a respeito do risco de os vacinados virarem jacaré.

Bolsonaro já nos brindou com “pérolas” que deveriam ser bordadas com fios de ouro nas asas de uma borboleta. Por exemplo: "Nunca a imprensa teve um tratamento tão leal e cortês quanto o meu", disse o capitão-truculência na semana passada, esquecido de que (ou indiferente ao fato) já externou em alto e bom som sua vontade de encher de porrada a cara de um repórter, já mandou a imprensa para a puta que pariu e já sugeriu aos jornalistas que enfiassem no rabo latas de leite condensado, apenas para citar alguns exemplos. 

Agora, anota Thaís Oyama em sua coluna no portal UOL, o presidente se arroga o direito de responder apenas perguntas "a favor", como faz semanalmente em programas de sua escolha, e interromper entrevistas quando lhe dói o calo. Na quinta-feira retrasada, ao ouvir o começo de uma pergunta sobre a decisão do STJ de anular a quebra de sigilo bancário do filho Zero “Rachadinha” Um, Bolsonaro interrompeu o repórter, deu por encerrada a entrevista e se evadiu do recinto.


Bolsonaro ocupa um cargo público e seu primogênito, ex-deputado e ora senador da República, foi denunciado por suposto desvio de dinheiro igualmente público. Ao suspender coletivas — e também sugerir a um repórter que enderece certas questões à própria mãe, como disse quando perguntado sobre a rachadinha de FB, o presidente usa de truculência para não responder ao que não pode ser respondido. Falta de educação é defeito que não tem conserto depois dos 60 anos, mas obsessão por controlar toda e qualquer instituição que o incomode, como fez o presidente com o Coaf, a PF, a PGR e o STF... Uma coisa é envergonhar o país; outra, bem diferente é... enfim...

Admirador dos Estados Unidos (apenas quando lhe convém), Bolsonaro deveria buscar inspiração em Roosevelt. De um bom presidente, ensinou o estadista, espera-se que aproveite o palanque privilegiado para irradiar confiança e bons exemplos. Há presidentes cujos exemplos sobrevivem à passagem dos séculos. Os exemplos de Bolsonaro só serão perfeitamente compreendidos no século passado.

Bolsonaro disse que brindaria os brasileiros com um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV , no qual ele trataria da imunização contra o vírus. "O assunto, quando tiver [pronunciamento], vai ser pandemia, vacinas. O Brasil é um país que, em valores absolutos, mais está vacinando. Temos 22 milhões de vacinas para este mês. Mês que vem deve ser mais 40 milhões. O país está mais avançado nisso. Assinei no ano passado MP [medida provisória] destinando mais de R$ 20 bilhões para comprar vacina. Estamos fazendo o dever de casa", apontou. Era para acontecer na terça, depois na quarta, depois na quinta. Acabou que não aconteceu (talvez por medo do panelaço, o capitão evitou dar a cara a tapa).

Antes da pandemia, era evidente que o homem evoluiu do macaco. Como é evidente que, depois da Presidência de Bolsonaro, o homem já está voltando. Quem examina a atuação e as declarações do presidente conclui que convém não confundir um certo sujeito com o sujeito certo

A Presidência de Bolsonaro não serve para nada, a não ser para avacalhar o Brasil.