Em entrevista ao Estadão, Raul Jungmann dá conta de que os militares brasileiros disseram não a Jair Bolsonaro e sim à democracia durante a crise que se desenrolou na última semana — a maior desde a demissão do ministro do Exército que queria impedir a abertura da ditadura, em 1977.
Segundo o ministro da Defesa e da Segurança Pública do governo Temer, Bolsonaro fracassou na tentativa de alinhar as Forças Armadas a seu
projeto de poder (referindo-se à posição do general Fernando Azevedo e Silva, demitido do cargo de ministro da Defesa na
segunda 29 por discordar da exigência do presidente de maior
apoio político das Forças Armadas a seu governo e ao combate às medidas
de restrição do contágio da Covid).
Os comandantes do Exército,
da Marinha e da Aeronáutica puseram
seus cargos à disposição do novo ministro, general Walter Braga Netto, irritando Bolsonaro,
que mandou demiti-los. Após um dia de tensão, diz Jungmann, os nomes acertados com os Altos-Comandos para substituir Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antonio Carlos Bermudez (Aeronáutica) evidenciam
o fracasso da tentativa de politização, na medida em que os novos comandantes das Forças Armadas
rezam pela mesma cartilha de seus antecessores.
Observação: Nos
bastidores do Planalto, a postura do general Walter Braga Netto lhe
rendeu o apelido de “interventor do presidente” (uma referência ao posto
de interventor federal no Rio Janeiro,
ocupado pelo militar em 2018, durante o governo Temer). Nem bem tomou posse no cargo, o novo ministro
enfrentou sua primeira crise na pasta,
com a decisão dos três comandantes das Forças
Armadas de pedirem renúncia conjunta. Segundo interlocutores ouvidos
pela Folha, numa reunião tensa com
os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica o general ouviu que
nenhum deles participaria de uma aventura golpista. O almirante Ilques Barbosa Junior, chegou a se
exaltar com a demissão do general Fernando
Azevedo e Silva, e apontou que a
mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças.
Existe o risco de instabilidade social devido à gravidade da
pandemia, diz Jungmann, que vê
com preocupação o avanço armamentista no momento em
que a bancada da bala foi instalada no
Ministério da Justiça. Sobre a união entre os presidenciáveis que
lançaram um manifesto conjunto na quarta 31, ele diz ser uma imposição
ante a realidade de ter de escolher entre Bolsonaro
e o PT em 2022.
A popularidade de Bolsonaro
entrou em parafuso. Sua relação com as cúpulas do Legislativo e Judiciário é
conflituosa. A vitória política que ele obteve com a eleição das Mesas do
Congresso é relativa, como deixou clara a fala do presidente da Câmara sobre os
“remédios fatais” contra o Executivo. A proposta de Orçamento
enviada não é administrável, o que aponta para a precariedade da articulação
política, a pouca governabilidade. Como se não bastasse, a pandemia fugiu ao
controle graças à incompetência do sumo mandatário e de seu preposto-interventor, o autodeclarado gênio da logística que demonstrou não ser capaz de encontrar o
próprio rabo usando as duas mãos e uma lanterna.
Sempre que acuado, Bolsonaro busca associar-se aos militares. Bolsonaro vinha cobrando da Defesa manifestações políticas favoráveis a interesses do governo. O uso de pronome possessivo (“meu Exército”) ao se referir às Forças Armadas é coisa de monarquia, onde o rei é Estado, e não de República, onde elas pertencem à nação.
Ficou claro que o
afastamento dos comandantes das Forças Armadas teve motivação eminentemente
política, o que é ainda mais grave em considerando que o presidente se
elegeu na onda da antipolítica, criticando enfaticamente o “toma-lá-dá-cá”. A ideia
de aprovar seus projetos com o apoio da população e dos militares foi um fiasco
retumbante, tanto que não
lhe restou alternativa senão recorrer ao Centrão para conseguir um
mínimo de governabilidade e, mais importante, evitar um processo de impeachment.
Não bastasse o próprio presidente ser investigado por “suposta” tentativa de interferir na PF (além dos indícios
de rachadinha no gabinete que ocupou durante seus 27 anos de deputância
federal) muitos de seus apoiadores-raiz são alvo do inquérito
das fake news. Isso sem mencionar as
investigações envolvendo os quatro “primeiros-filhos”, os resultados
desastrosos do governo federal no combate à pandemia e os reflexos deletérios
desse descalabro na economia.
Não restou alternativa a Bolsonaro senão curvar-se ao Centrão, que é um bloco pragmático e tem um projeto autônomo. Seus arroubos antidemocráticos podem até contar com a simpatia de parte da suboficialidade, mas, na visão de Jungmann, a possibilidade de ruptura é zero. Até porque os militares deram uma demonstração definitiva nesta crise. Foi o "Dia do Fico" — no caso, ficar com a Constituição, com a democracia.
Sobre o general Hamilton Mourão, Jungmann pondera que sua lealdade está sendo incompreendida, que ele é um vice-presidente que tem compromissos democráticos, independentemente de suas opiniões. No que tange ao manifesto lançado pelos presidenciáveis, trata-se de uma imposição, já que, individualmente, nenhum deles tem força para romper a polarização restabelecida entre o bolsonarismo e o lulopetismo.
“Ou bem se cria uma
candidatura forte e única, ou bem seremos obrigados a ver a atualização da
polarização que grande parte dos brasileiros não quer. Vivemos uma crise
política, sanitária e econômica, centenas de milhares pagaram com a vida. Isso
é inédito. Se a política não resolver equacionar a crise, ela vai acabar
engolida. Em outros impasses, os impeachments de Collor e Dilma, o mensalão,
achamos saídas”, resumiu Raul Jungmann.