segunda-feira, 5 de abril de 2021

QUEM VIVER VERÁ

Bolsonaro chegou à presidência com um pacote de reformas, mudanças e esperanças embrulhado em vistoso papel cintilante e enfeitado com o laço da promessa de romper com os erros do passado e fazer política sem recorrer ao “toma-lá-dá-cá” — imposto pela Constituição “parlamentarista” de 1988, mas utilizado de maneira indevida pela classe política, cujo apetite pantagruélico por poder, cargos e verbas parlamentares resultaram no abjeto presidencialismo “de cooptação”

Embalado pelo lavajatismo e pelo antipetismo, contava apoio necessário para fazer as coisas de modo diferente, mas, como o escorpião da fábula, não foi capaz de resistir a seus instintos mais primitivos e agir contra sua própria natureza. E assim levou a beligerância para dentro do Palácio do Planalto e passou a usar a tática do enfrentamento como motor de suas narrativas.

Bolsonaro priorizou uma burlesca pauta de costumes em detrimento das indispensáveis reformas estruturantes — a reforma previdenciária tornou-se  a primeira e a única vitória em um deserto de propostas que só ocorreu graças ao empenho de Rodrigo Maia, já que o presidente se recusou a jogar no time, torceu contra e fez o possível para tumultuar o meio de campo. 

Sua célebre pauta anticorrupção foi abandonada no instante em que o “longo braço da lei” ameaçou beliscar a bunda dos "primeiros-filhos". E o descaso que dedicou ao coronavírus lhe assegurou o título de pior líder mundial no combate à pandemia — uma gripezinha de nada, segundo ele, mas que já produziu mais de 320 mil cadáveres e vem acrescentando à pilha outros 4 mil, em méida, dia sim, outro também.

Basicamente, o que o Bolsonaro fez em 27 meses foi: 1) usar o cargo para salvar o próprio rabo e o rabo sujo da filharada; 2) comprar o apoio das marafonas do Congresso para barrar eventual processo de impeachment; 3) usar a máquina pública em prol da (cada vez mais improvável) reeleição. 

Nas horas vagas, além de flertar com o autogolpe, o capitão-cloroquina, se dedicou a criar crises e narrativas disparatadas, que se tornaram sua marca registrada (o objetivo, como todos sabem, é servir de cortina de fumaça para encobrir seus malfeitos e sua acachapante incompetência administrativa).

O resultado desse desgoverno excêntrico e negacionista não poderia ser outro: recrudescimento da pandemia, colapso do sistema de saúde, debacle da economia e — surpresa! — queda de popularidade do mestre de cerimônias do Circo Marambaia. 

Sem recursos e endividado, o Brasil se mostra cada vez mais cético e decepcionado com a falta de resultados positivos do bolsonarismo. O populismo presidencial vai perdendo seu encanto à medida que a dura realidade esvazia o bolso e o prato dos brasileiros que ainda não foram comer capim pela raiz na chácara do vigário (por cortesia do Sars-CoV-2 e suas variantes mais agressivas).

Acenos antidemocráticos, crises intermináveis, incompetência na negociação de vacinas e insumos, choques entre os poderes e enfrentamento com o alto comando das Forças Armadas são apenas alguns dos ingredientes de uma presidência que passa longe de suas promessas eleitoreiras. Um verdadeiro estelionato eleitoral que cala fundo na parcela pensante da população, que um dia acreditou no populista demagogo que engambelou liberais, lavajatistas, conservadores e antipetistas.

A inesgotável sucessão de asnices afastou o general da banda do mundo financeiro — que divulgou manifesto contra o governo —, colocou-o em rota de colisão com os militares — resultando no afastamento conjunto dos comandantes das Forças Armadas — e esvaziou sua base de apoiadores (até mesmo entre os descerebrados mais fiéis).  

O declínio do bolsonarismo eram favas contatas. Se sobreviver politicamente (e à Covid), o homem da caneta Bic entrará em 2022 no controle da máquina, mas eleitoralmente fragilizado. Pressionado pelos números de Lula e pela possibilidade de uma candidatura de centro, talvez nem chegue ao segundo turno. Enfim, quem viver (e sobreviver) verá.