sábado, 8 de maio de 2021

BOLSONARO E O PARAQUEDAS


Insensível ao fato de que é virtualmente impossível defender o indefensável, Bolsonaro considera-se mal defendido por seu pelotão de choque na CPI da Covid. Segundo ele, o ex-ministro Mandetta converteu a Comissão em “palco” sem que os senadores governistas — entre eles o pepista piauiense Ciro Nogueira , espécie de centroavante do Planalto, e o emedebista pernambucano Fernando Bezerra, líder do governo no Senado — o contraditassem à altura.

O presidente cobra mais agressividade. Os senadores pedem mais organização do Planalto. Os ministros palacianos batem cabeça e protagonizam trapalhadas. Josias de Souza aponta pelo menos três: 1) O vazamento das 23 acusações e críticas ao governo enviadas pela Casa Civil a 13 ministérios; 2) as digitais eletrônicas do Planalto em requerimentos apresentados por senadores governistas na CPI; 3) O envio equivocado para o celular de Mandetta, pelo ministro das Comunicações, a pergunta que seria lida durante a sessão da Comissão pelo governista Ciro Nogueira.

Bolsonaro, que se ufana de seu passado de paraquedista, parece não perceber que o cérebro é como um paraquedas: só funciona quando está aberto para a realidade. Dando de ombros para a dependência dos insumos vindos da China, o presidente insinuou que o coronavírus é parte de uma “guerra química” deflagrada de propósito pelo país asiático — para, logo em seguida e com a desfaçatez que se tornou sua marca registrada, dizer que em nenhum momento mencionou o nome do país asiático (como se fosse preciso!). Agora, acuado pelos depoimentos de dois de seus ex-ministros da Saúde, inaugura sua terceira onda de irresponsabilidade sanitária ameaçando baixar um decreto para “garantir ao povo o direito de ir e vir”. 

Observação: O decreto já está pronto. Só falta assinar, e todos vão ter que cumprir”, disse o presidente nesta sexta-feira, durante inauguração de uma ponte em Porto Velho (RO), enquanto, sem máscara, abraçava idosos, punha crianças no colo e cumprimentava os apoiadores. “O meu Exército, a minha Marinha, e a minha Aeronáutica não vão para a rua para impedir as pessoas de sair de suas casas”, frisou. Em abril, ele já havia ameaçado governadores e prefeitos ao afirmar as Forças Armadas poderiam ir às ruas para, segundo ele, “acabar com essa covardia de toque de recolher”.

Há três tipos de gestores públicos: os que fazem, os que mandam fazer e Bolsonaro, que pergunta a si mesmo, atônito: O que está acontecendo? Na primeira onda de sua gestão irresponsável, o capitão deixou a "gripezinha" acontecer. Na segunda, impediu que acontecesse a gestão técnica dos doutores, receitou cloroquina e convidou o brasileiro a desafiar o vírus de peito aberto “como homem, porra, não como um moleque”, pois o Brasil precisa “deixar de ser um país de maricas”. Agora, na terceira, pergunta a seus botões o que está acontecendo, ignorando a lógica de funcionamento do paraquedas, fechando-se em seus rancores e lançando diatribes no ventilador.

Na segunda semana da fase de depoimentos na CPI, devem ser ouvidos o contra-almirante Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo, e um representante da farmacêutica Pfizer. O ex-chanceler Ernesto Araújo também estava escalado, mas os senadores acharam por bem não programar mais de um depoimento por dia. Wajngarten disse em entrevista que o governo demorou a comprar vacinas da Pfizer por “incompetência e ineficiência” do ex-ministro Pazuello, e Araújo é apontado como responsável por envenenar as relações do país com Pequim.

Bolsonaro, que foi denunciado à ONU por “genocídio” e chama de “canalha” quem se opõe ao “tratamento precoce com o kit-covid”, produziu um interminável rastro de provas contra si mesmo durante toda a pandemia, mas parece não entender por que os senadores desejam condená-lo por uma gestão baseada em excesso de cloroquina e escassez de vacinas. A pilha de cadáveres continua crescendo. A reiteração da irresponsabilidade aponta para a marca de 500 mil corpos. 

No futuro, quando conseguir refletir sobre sua Presidência sem colocar a culpa nos outros, Bolsonaro talvez perceba que sua mente fechada produziu danos infinitamente maiores do que um salto malsucedido de paraquedas.