quarta-feira, 23 de junho de 2021

NÃO HÁ VENTO BOM PARA NAU SEM RUMO

Cala (sic) a boca! Vocês são uns canalhas! Vocês fazem um jornalismo canalha que não ajuda em nada! Vocês destroem a família brasileira, destroem a religião brasileira! Vocês não prestam!

Bolsonaro está sob pressão. Da CPI e das ruas. Mas nada debilita mais sua imagem do que a própria língua. Ontem, em Guaratinguetá, ele voltou a exibir o que tem por dentro ao perder o controle durante uma entrevista. Irritado com uma pergunta sobre o uso de máscara, chamou a repórter de canalha e mandou-a calar a boca. Como se não bastasse, desancou duas emissoras de televisão usando expressões que não convém repetir aqui (em respeito às crianças, como salientou Josias de Souza em seu comentário no Jornal da Gazeta desta segunda-feira). 

No relacionamento entre a imprensa e os políticos, não há perguntas embaraçosas, apenas respostas constrangedoras. As entrevistas de Bolsonaro sempre foram marcadas pelo constrangimento, não pelas perguntas que ele não é capaz de ouvir, mas pelas respostas que não é capaz de fornecer. O capitão já questionou a sexualidade de um repórter, manifestou a vontade de encher de porrada a boca de outro profissional da imprensa, ofendeu a mãe de um terceiro, fez gracejos sexistas em relação a uma jornalista e chamou outra profissional de quadrúpede. Seu comportamento não é normal. É absurdo. Incapaz de elevar a própria estatura, o mandatário rebaixa o teto da Presidência. 

Um presidente não é apenas uma faixa. É preciso que, por detrás da faixa, exista uma noção qualquer de qualificação. Bolsonaro adoraria que a imprensa ajustasse a realidade ao Brasil paralelo onde ele decidiu viver. A função da imprensa não é ajudar governos, mas informar à sociedade o que está acontecendo. O ataque histérico que a pergunta da repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda (afiliada da Globo), desencadeou no presidente foi mais um episódio lamentável a comprovar o mais absoluto despreparo de Bolsonaro para exercer o cargo que ocupa. Mas é assim que ele ganha as manchetes e alimenta os robôs da sua tropa de choque nas redes sociais. 

Isso nos leva a imaginar (não sem preocupação) como estará o clima em outubro do ano que vem. Mas a pergunta que não quer calar é: a que horas esse presidente governa?

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Osmar Terra foi ouvido como convidado, nesta terça-feira, pela CPI do Genocídio. Como tal, o ex-ministro da Cidadania do capitão-cloroquina não estava obrigado a prestar juramento — e não o fez. Numa tentativa de minimizar as suas declarações estapafúrdias, ele admitiu subestimou o impacto da pandemia (segundo sua previsão, o número de mortos não chegaria a 2 mil). Até o momento em que eu concluí este texto (16h20), a equipe do senador Renan Calheiros, relator da Comissão, havia apontado oito contradições no depoimento do médico.

Terra disse que as mudanças nas projeções ocorreram devido ao advento de variantes de Covid (coisa que, segundo ele, jamais aconteceu em outras pandemias) e insistiu na tese de que o distanciamento social implementado por governadores e prefeitos não ajudou a evitar o contágio nem as mortes pela doença. O deputado negou que integrasse o chamado gabinete paralelo — que chamou de “ficção”, embora tenha admitido que se reuniu com pessoas apontadas pela CPI como suspeitas de participar do grupo — e que defendesse a “imunidade de rebanho”

O deputado gaúcho negou à CPI ser defensor da imunidade de rebanho, mesmo confrontado com vídeos e falas dele em prol dessa tese, e se disse favorável à compra das vacinas, contrariando um sem-número de ressalvas que fez à aquisição de imunizantes. “Genocida? Nosso presidente não teve poder de decidir nada, não teve a caneta na mão”, afirmou o depoente — que foi prontamente contestado presidente da Comissão: “Não tem mentira maior de dizer que o STF tirou poder do presidente. Isso é a maior mentira que existe”, disse o senador Omar Aziz sobre a decisão do Supremo que deu autonomia a Estados e municípios para tomar medidas contra a propagação da doença, mas jamais eximiu a União de realizar ações e de buscar acordos com gestores locais. Para saber o que é fato ou fake nas declarações do ex-ministro da Cidadania do desgoverno Bolsonaro, siga este link.

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Dados publicados no site Our World in Data dão conta de que a vacinação começou em meados de dezembro em países como Israel, Canadá, Rússia e China. No Brasil, o ministério da Saúde enjeitou a primeira oferta da Pfizer — de 70 milhões de doses — em 14 agosto de 2020 e outras duas ofertas — de 70 milhões de doses cada — nos dias 18 e 26 daquele mês. Todas elas previam o início da entrega de doses ainda no ano passado. A terceira oferta, feita em 26 de agosto, previa a entrega de 1,5 milhão de doses em dezembro de 2020 e outros 3 milhões no primeiro trimestre de 2021 — o resto seria entregue ao longo do ano.

O fantoche do capitão-negação à frente do quartel da Saúde só “se mexeu” quando Doria disse que começaria a vacinar os paulistas no dia 25 de janeiro — aniversário da capital do Estado — se até lá o governo federal não despertasse de sua bizarra letargia. Assim, quando a campanha nacional teve início do Brasil, Estados Unidos e China já haviam imunizado cerca de 30 milhões de pessoas, o Reino Unido, 10 milhões e Israel e Índia, 5 milhões cada.

Pazuello, a quintessência triestrelada da logística, foi o pior ministro de Estado de toda a história do Brasil. E o mais longevo ministro da Saúde da gestão capitaneada pelo pior presidente desde 1889, ano em que Deodoro da Fonseca proclamou a República (para depois ser guindado à presidência e, em seguida, apeado pelo primeiro dos muitos goles de Estado que abrilhantariam a história desta banânia).

Como a tampa e o penico, o general-vassalo e o capitão-suserano parecem ter sido feitos uma para o outro. Se serão responsabilizados por seus atos, só o futuro dirá. Mas, cá entre nós, um governante que, por incúria ou projeto, contribui para a morte de mais de meio milhão de pessoas não pode continuar no comando em meio à guerra que o país está perdendo para a Covid justamente por falta de comando. Por outro lado, num país onde até o passado é incerto e Augusto Aras é o Procurador-geral da República (a quem cabe denunciar o presidente por crime comum), Arthur Lira, o presidente da Câmara Federal (a quem cabe dar andamento a um pedido de abertura de processo de impeachment contra o chefe do Executivo) e mais alta cúpula do Judiciário... enfim, prefiro não comentar. Fato é que a única certeza que se tem neste arremedo de República é a de que não se tem certeza de nada.

Noves fora alguns excessos pontuais e certa desorganização nos interrogatórios, a CPI do Genocídio está deslindando um mistério aterrorizante. A começar pelo fato de os defensores atávicos do mandatário de fancaria — muitos do quais foram incluídos lista de investigados do senador-relator e multinvestigado Renan Calheiros não só mentiram descaradamente à Comissão como ocultaram detalhes estarrecedores sobre este governo — entre os quais o famigerado “gabinete paralelo”, a estratégia de não comprar vacinas para forçar a imunidade de rebanho, o malfadado tratamento precoce com cloroquina, ivermectina e outros fármacos cuja ineficácia foi atestada tanto pela Anvisa quanto pela OMS, e por aí segue a processão.  

Para os bolsonaristas, todos os organismos internacionais são dominados por comunistas e sua orientação não tem valor, pois a soberania do país deve prevalecer sobre as regras gerais. Assim, a política do governo federal, contrária ao distanciamento social, o uso de máscara e a vacinação em massa, impediu que quatro de cada cinco mortes por Covid fossem evitadas. Enquanto isso, Bolsonaro chancela um relatório paralelo — irresponsável e desqualificado em termos científicos — que aponta para uma superestimação do número de vítimas fatais do vírus maldito, a despeito de estudos acadêmicos sérios e confiáveis apontarem que a subnotificação de mortes pode chegar a 40%. Mas quem se espanta? Bolsonaro nunca teve apreço pela verdade (ou não teria sido deputado federal por 7 mandatos), mas acastelar-se no Planalto transformou o “mito” dos microcéfalos num mitômano de quatro costados.

Somado a outras políticas estapafúrdias, o genocídio dos brasileiros — caso exemplar de improbidade administrativa do governo de turno — não pode ser visto como resultado de um “erro de avaliação”. As ações adotadas pelo governo a pretexto de “combater a pandemia” contrariaram flagrantemente todas as recomendações dos órgãos oficiais, da OMS a organizações cientificas internas e externas, deixando claro que o projeto político-eleitoreiro do chefe do Executivo é uma prática criminosa.

Em defesa desse funério governo, pode-se até dizer que não houve dolo — no sentido de intenção de matar — mas negar o mais que evidente dolo eventual — que se caracteriza quando o autor sabe dos riscos e consuma o ato mesmo assim — exigiria um exercício de retórica que transcende a capacidade argumentativa do mandatário de turno et caterva

Lamentavelmente, a interminável lista de crimes (comuns e de responsabilidade) não sensibiliza o PGR a denunciar o presidente, nem o mandachuva do Centrão a dar andamento a um dos mais de 100 pedidos de impeachment (detalhes no § 3) protocolados na secretaria da Câmara.

Alguém precisa alertar esses senhores de que não há mais tempo a ganhar à espera de uma melhora econômica — que, de resto, não trará de volta meio milhão de desinfelizes que tiveram sentença de morte decretada e executada por um governo ímprobo e incompetente.