A frase é de Paulo Marinho, que transformou a própria casa em estúdio de programa eleitoral a serviço da campanha bolsonarista de 2018. Hoje a serviço da pré-candidatura à Presidência de João Doria, o empresário carioca relembra que o capitão batia no peito e dizia "temos que acabar com o foro privilegiado", mas a primeira coisa pela qual lutou, quando o problema bateu à porta da família, foi defender o foro privilegiado para seu primogênito.
Segundo Marinho, Bolsonaro
tentará virar a mesa ante a ameaça de derrota em 2022. Até aí, nenhuma
surpresa: o próprio presidente deixou isso bem claro ao vincular
a realização do pleito à volta do voto impresso.
O voto impresso dificilmente vai passar e, portanto, as eleições "não serão limpas". Resta saber o que o presidente fará a respeito. Seus alvos preferenciais são os ministros do STF, notadamente Luiz Roberto Barroso, que atualmente preside o TSE.
No sábado 11, durante a motociata em Porto Alegre, Bolsonaro fez
críticas contundentes ao ministro. Depois da resposta
irônica do magistrado e da manifestação
de repúdio do presidente do Senado, o capitão postou uma foto
com cadetes da Aeronáutica (tirada durante a solenidade Militar de
Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira).
Bolsonaro se sente seguro para atacar o Judiciário porque o STF vem aumentando o ativismo judicial — atualmente, tudo passa pela Suprema Corte — e porque um sem-número de decisões dos togados, tanto monocráticas quanto colegiadas, têm atentado contra o senso comum — notadamente no tocante ao combate à corrupção.
Mudar a composição da corte com a indicação
de dois ministros (ou três, caso algum deles se aposente precocemente) é uma estratégia
que exige paciência, cálculo e muita costura — características que não combinam
com Bolsonaro, que sequer tem um projeto de governo que não a própria
reeleição.
É nítido que Bolsonaro não mudará seu comportamento (a não ser para pior, caso seu desequilíbrio se acentue). Mas comenta-se a boca pequena nos bastidores do Judiciário e do Legislativo que, neste momento, só Bolsonaro é capaz de derrubar Bolsonaro.
Enquanto for do interesse do Centrão e no que depender do chefe do Ministério
Público, Bolsonaro continuará blindado como um
couraçado. Mas isso pode mudar se o "ronco das ruas"
subir de tom. Uma improvável união entre segmentos da sociedade que discordam em
quase tudo pode se
concretizar diante da certeza de que o presidente é um câncer e como tal
deve ser extirpado.
No último dia 20, um "superimpeachment" foi protocolado na secretaria da Câmara. Participaram do ato a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, o líder da Oposição, Alessandro Molon, e os deputados Kim Kataguiri, Joice Hasselmann e Alexandre Frota, entre outros.
A CPI do Genocídio já identificou evidências
de crimes mais que suficientes para embasar o impedimento do mandatário de turno,
e as denúncias dos irmãos Miranda levaram os senadores Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru a apresentar
uma notícia-crime por prevaricação.
Provocada pela ministra Rosa Weber, a PGR se
posicionou no sentido de aguardar o relatório final da CPI, mas a
magistrada rejeitou
o parecer e determinou a devolução do pedido à equipe de Augusto
Aras — o procurador-geral que nada acha porque nada procura além da
recondução ao cargo que ocupa atualmente, já que André Mendonça foi indicado para o lugar do ministro Marco Aurélio no STF. Sem
alternativa, Aras determinou a abertura
de inquérito para apurar se Bolsonaro prevaricou no caso da Covaxin.
"Crime de prevaricação pode ser atribuído
a servidores públicos, mas
não a mim", disse Bolsonaro. Ledo engano: o presidente
da República é o chefe máximo da Administração Pública, do Poder Executivo. O
fato de ser um servidor
público categorizado não afasta a possibilidade de ser indiciado por crime
de prevaricação. À luz do art. 4º, V e VII da Lei 1.079, que trata dos crimes
de responsabilidade, a única dúvida e se ele cometeu crime comum ou de responsabilidade.
Desde janeiro de 2019, foram protocolados cerca de 130 pedidos
de impeachment contra Bolsonaro. Metade deles foi engavetada por Rodrigo
Maia — o "Botafogo" da planilha
de propinas da Odebrecht — e os demais, pelo deputado-réu
Arthur Lira, que assumiu a presidência da Câmara em fevereiro passado.
Observação: A "pérola jurídica" que
atende por Constituição Cidadã investiu o presidente da Câmara (e
somente ele) do poder de decidir quando e se um pedido de abertura de processo
de impeachment contra o presidente da República será analisado. Está em
tramitação um PCR que visa
mudar as regras do jogo. Pelo projeto, o ato contra o chefe do
Executivo passa a tramitar quando 257 dos 513 apoiam a abertura do processo, o
que agrega legitimidade suficiente para, ao menos, ser analisado pela Câmara (mais
detalhes nesta
postagem).
A questão é que a tramitação de um PRC depende da
Mesa Diretora da Câmara, que é comandada pelo presidente da Casa, que acontece
de ser o deputado Arthur Lira, que foi eleito para o cargo em fevereiro
com o apoio do Planalto e recursos oriundos de um suposto
orçamento paralelo. (Mais uma falcatrua que, dada a velocidade
vertiginosa com que os escândalos de corrupção se sucedem neste país, parece
ter sido condenada ao ostracismo: a informação mais recente que encontrei sobre
essa gatunagem data do mês passado, quando a ministra Rosa Weber deu prazo
de 5 dias para Bolsonaro e o Congresso se manifestarem).
Às 4h da matina da última quarta-feira, em meio a uma crise de
soluços que já se estendia por 10 dias, Bolsonaro foi internado
no Hospital das Forças Armadas. Chamado a Brasília para avaliar o caso,
o cirurgião Antônio Luiz Macedo — que acompanha o capitão desde
a facada de 2018 — determinou a transferência do paciente para o Hospital
Vila Nova Star, na capital paulista. Até onde se sabe a
cirurgia foi descartada, mas ainda não há previsão de alta (ou não
havia até o momento em que eu fechei esta matéria).
Observação: Durante a motociata em Porto Alegre, o
médico e deputado bolsonarista Osmar Terra — suposto comandante do famigerado
gabinete paralelo, responsável pelas asnices no enfrentamento da pandemia e
dono de um histórico sofrível em prognósticos, como atestaram seus pitacos
sobre a Covid —, consultado pelo presidente sobre a crise de soluços,
sentenciou: "Em 99% dos casos, não é nada, só uma irritação".
Zero Um disse que o pai chegou
a ser intubado e Zero Dois — o vereador carioca que dá
expediente em Brasília e supostamente
comanda o gabinete do ódio — explorou politicamente a situação,
postando, nas contas do pai, mensagens em que cita Deus quatro vezes, relembra
o atentado em Juiz de Fora, faz alusão ao PSOL e o PT e não
esquece do lema bolsonarista "Brasil acima de tudo; Deus acima de
todos!".
O fato de obstrução intestinal resultar no adiamento da reunião entre os presidentes dos três Poderes da República, que fora agendada para as 11h da última quarta-feira, não passou de uma infeliz coincidência. Mas teve gente maldosa dizendo que... enfim, Bolsonaro plantou a semente do próprio descrédito descumprindo promessas de campanha, negando o que saltava aos olhos da maioria dos brasileiros e fazendo acusações sem ter provas em que se embasar. E quem semeia ventos colhe tempestades.
O Brasil não precisa de
mártires, mas de bons governantes. Não é o caso de Bolsonaro, mas tampouco
é o caso de torcer... enfim, Bolsonaro precisa viver. Quando mais não seja
porque tem muitas contas a acertar por aqui.