segunda-feira, 13 de setembro de 2021

COMO DIRIA PAZUELLO, É SIMPLES ASSIM...

Não há nuvens róseas sobre a colina, nem a tarde é loura. Tampouco as folhas caem dos plátanos, girando em remoinhos na poeira. Pairam, isso sim, nuvens negras no horizonte, mas não de chuva, infelizmente, pois bate às portas a maior crise hídrica e de energia dos último século ― como se já não bastasse a crise política resultante da pior gestão que este país já teve desde 1898, quando o primeiro golpe militar da história promoveu-o de monarquia constitucional a republiqueta de bananas.

Temos no Planalto um inquilino que, durante a campanha, prometeu propor o fim do instituto da reeleição, mas, uma vez eleito, transformou a própria reeleição em projeto de governo, mesmo reconhecendo não ser talhado para o cargo

Em vez de liderar o país em meio à pandemia, o chefe do Executivo chama de "gripezinha" a Covid" e de maricas os cidadãos que receiam engrossar a ala dos quase 600 mil corpos produzidos pela doença desde março do ano passado; em vez de governar, promove motociatas (inclusive em dias úteis e horário de expediente), profere discursos golpistas e cria crises para encobrir crises com as quais não tem competência para lidar. 

Bolsonaro enfiou em local incerto e não sabido (mas perfeitamente imaginável) promessas de palanque como apoiar incondicionalmente a Lava-Jato e resgatar as dez medidas de combate à corrupção; enxugar a máquina públicaprivatizar estataisreduzir a carga tributária; pôr fim à progressão de pena e saída temporária de presos; acabar com as indicações políticas em geral — e ao Ministério da Saúde em particular ― não trocar cargos e verbas por apoio parlamentar; nomear ministros com base em critérios técnicos; defender a liberdade de imprensa; e por aí vai.

O presidente que, a exemplo daqueles que o antecederam, jurou "manter, defender e cumprir a Constituição e observar as leis, diferentemente da maioria dos que o precederam limpa a bunda com a Carta Magna sempre que caga para alguma coisa ― como para a CPI, a liturgia do cargo e, por que não dizer, para o povo que deveria liderar em vez de tratar de interesses próprios (e não raro escusos, como proteger a si e a seus espúrios rebentos, que, como seu papai, estão mais enrolados que fumo de corda com a Justiça criminal).

Temos um mandatário nega a ciência, tripudia das medidas sanitárias de contenção da Covid e desdenha das vacinas (e depois reclama quando é chamado de genocida). Que manteve por 10 meses no comando da Saúde a um general de comédia travestido de expert da logística  que na verdade era um vassalo cheio de dedos, incompetente até para amarrar seus coturnos e, segundo a CPI do Genocídio, dono de outras virtudes ainda menos edificantes.

Enfim, temos no cargo mais importante desta res publica um elemento que transforma em palanque o feriado nacional da Independência para proferir discursos golpistas ― após editar (de véspera) uma medida provisória visando fornecer um salvo-conduto para a escumalha de arruaceiros chapa-branca pintar em bordar impunemente nas redes sociais. Alguém que, em qualquer democracia que se desse minimamente ao respeito, já teria sido apeado e penabundado para o lixo da história nacional. 

Mas como considerar minimamente respeitável um país onde milhões de analfabetos munidos de título eleitoral avaliza a locação do Palácio do Planalto a inquilinos populistas e tabaréus de quatro costados, como Lula, Dilma e o próprio Bolsonaro? Um país onde o caos, travestido de governante, protagoniza uma versão revista e atualizada (para pior) de O Médico e o Monstro (clique aqui para assistir ao trailer). E a gente só sabe se está diante do Jair/Mr. Hyde ou do Jair/Dr. Jekyll quando o despirocado se dirige à malta que se aglomera para beber as palavras do "mito", bater os cascos e relinchar em coro: "eu autorizo!"

A soma dos dois Bolsonaros resulta num presidente confuso, que tende a trocar a ciência pela conveniência política do candidato à reeleição, que tenta jogar no colo dos governadores uma recessão que se revela inevitável no mundo todo. 

A escumalha que o apoia (cerca de 25% dos brasileiros, segundo os nem sempre confiáveis institutos de pesquisa de opinião pública) se divide em dois grupos: o dos mais velhos, que já adquiriram experiência, agarra-se a uma nostalgia intervencionista que não tem futuro, sonha com a volta do AI-5 (revogado em 1978) e a imposição de mordaça à imprensa; e o dos mais novos, que, sem experiência, age como se pensasse que não há passado e vai ao delírio quando o  "Messias" vitupera o Judiciário, afronta o Legislativo e defende a reedição do maior torniquete usado pela ditadura durante os anos de chumbo.

Estatisticamente falando, não existe a menor possibilidade de alguém rejeitado por 64% do eleitorado vencer um pleito majoritário. Da mesma forma, é inconcebível alguém que contabilize 136 pedidos de impeachment continuar fazendo de conta que governa e desfiando lei da gravidade. Mas o Brasil é um país de muitas leis e pouca vergonha na cara.

Por essas e outras, é preocupante a percepção de que multidões foram às ruas no último dia 7 para expressar sua dependência a uma alucinação em que uma pretensa "ameaça comunista" se mistura a um hipotético "complô" de ministros do STF e do TSE que visa impedir um presidente de reputação imaculada (que o diga a CPI) de governar e, de quebra, fraudar a sucessão de 2022 elegendo seu principal adversário (vade retro, Satanás!). 

E ainda mais preocupante é ouvir da boca do procurador-geral da Banânia que as manifestações antidemocráticas golpistas foram uma "festa cívica", e da boca do vice-presidente que o recuo do titular (que pediu arrego devido ao desconforto produzido pelo aperto do laço em torno de seu pescoço) foi uma demonstração de "grandeza moral". 

Congratulações, general Mourão. Nem seu colega de farda Eduardo Pazuello — que resumiu sua desbragada subserviência com a célebre frase "é simples assim: um manda e o outro obedece" — teria feito melhor. 

Como diria o próprio Pazuello, é simples assim.

E viva o povo brasileiro.