sábado, 9 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO

 

"Tem de dar certo" é conselho de mãe de miss. Mas a expressão "dar certo" é usada também com a acepção de "produzir bons resultados". E foi com esse sentido em mente que eu intitulei esta sequência sobre o país do futuro que nunca chega porque tem um longo passado pela frente.

Tudo começou milhões de anos antes de Cabral — falo do navegante português, não do ex-governador carioca que por algum motivo continua preso (o fato de ter sido condenado a 400 anos de prisão não é motivo para mofar na cadeia; não no Brasil). 

Depois de transformar o Caos em ordem, criar o dia e a noite, separar as terras das águas, criar as plantas, as aves, os peixes, o Criador fez no sexto dia a maior de todas as burradas: “Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”, disse o Senhor das Esferas. E ao ver que "tudo era bom (?!)", Ele abençoou e santificou o sétimo dia e nele descansou. 

Comenta-se que, ao ser acusado de protecionismo devido ao tratamento dispensado à porção global que se tornaria o Brasil, Deus respostou: "vocês vão ver o povinho de merda que eu vou colocar lá". A meu ver, isso resume de maneira lapidar a história da nossa republiqueta de bananas. Mas nunca é demais relembrar alguns aspectos insólitos dessa tragicomédia, a começar pela chegada da esquadra de Cabral ao litoral do que estava destinado a ser a costa da Bahia.

Registram os livros de História que, aos 22 dias do mês de abril do Anno Domini 1.500, depois de ter sido desviada de seu destino original (Calicute, nas Índias Ocidentais), não se sabe ao certo se por uma tempestade ou uma calmaria, a esquadra cabrália aportou na costa brasileira. Em epístola endereçada a D. Manuel, "O Venturoso", comunicando a "descoberta" de terra brasilis, o escriba Pero Vaz de Caminha anotou que "em se plantando tudo dá", e aproveitou o ensejo para rogar a sua majestade que intercedesse em favor do marido da filha, inaugurando a corrupção em solo tupiniquim, ainda que na forma de nepotismo.

O Brasil foi colônia portuguesa até o início do século XIX, quando a família real, ameaçada pelo Tratado de Fontainebleau, mudou-se de mala e cuia para o Rio de Janeiro, depois de uma breve escala em Salvador (BA). Em 1822, D. Pedro I proclamou a independência, e dali a 67 anos o marechal Deodoro da Fonseca pôs fim à monarquia constitucional parlamentarista, apeou o monarca e implementou o presidencialismo republicano como forma de governo, protagonizando o primeiro dos muitos golpes de Estado que se sucederiam a partir de então.

Ao longo da história republicana do Brasil, ao menos quatro presidentes renunciaram — Deodoro da Fonseca, em 1891; Getúlio Dornelles Vargas, em 1945; Jânio da Silva Quadros, em 1960; e Fernando Affonso Collor de Mello, em 1992. Dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, Collor e Dilma foram expulsos de campo antes do final do jogo. 

O pseudo caçador de marajás foi alvo de 29 pedidos de impeachment — mas nunca foi chamado de genocidaItamarFHCLula e Temer foram agraciados com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, respectivamente, mas concluíram seus mandatos sem jamais ser chamados de genocidas. Madame foi alvo de 68 pedidos — e acabou penabundada porque estava quebrando o país —, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Desde que se tornou um\ República, o Brasil amargou 38 presidentes (o número varia de 35 a 44, dependendo de como é feita a contagem). De 1926 para cá houve 25 mandatários, mas somente quatro dos que foram eleitos pelo voto popular concluíram seus mandatos — Eurico Gaspar DutraJuscelino KubitschekLula Fernando Henrique. Seriam seis se Collor e Dilma não tivessem ingressado na seleta confraria dos depostos, onde já se encontravam Washington LuísJúlio PrestesGetúlio Vargas, Carlos Luz, João Goulart.

Fosse esta banânia um país que se desse ao respeito e o mandatário de turno já teria sido devidamente despejado e internado. Pedidos de impeachment não faltam: em fevereiro, quando o deputado-réu Arthur Lira assumiu a presidência da Câmara, havia 60 petições protocoladas em desfavor da permanência do motoqueiro fantasma no Palácio do Planalto. Atualmente, são cerca de 140 — e contando.

Continua...